quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Mulher feliz (excerto 2) - TEREZINHA PEREIRA

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Ajeita a lenha no fogão. Destampa a panela de feijão; prova um grão e põe mais um pouco da água que ferve numa outra panela. Faz tudo com gestos firmes que não demonstram seus setenta e cinco anos de idade. Olha a pia com algumas vasilhas sujas. Olha o céu carregado de nuvens que atrapalham para saber a horas. Senta-se novamente na varanda. Aquela chuva toda deixa-a com o corpo mole e atiça-lhe as lembranças. “As três crianças já estavam crescidinhas e acreditávamos que ficaríamos só com as três. Os filhos vinham sem nenhum planejamento, sem previsões. Naturalmente. Frutos de algumas brincadeiras debaixo das cobertas. Mas, quando chegavam, enchiam a casa de alegria. Eu achava bom ter apenas três filhos. Naquela época, ter poucos filhos, não era comum. Nossos parentes e amigos tinham oito, dez, doze ou mais filhos. Não possuíamos muita riqueza e gostaríamos de ver os filhos estudando na cidade. Quando a Míriam deu o primeiro sinal de sua vinda ao mundo, esta casa se encheu de felicidade. O João foi o primeiro a dar a notícia às crianças. Quando ela nasceu, todos queriam participar dos cuidados para com a menina e com a mãe. Desde a lavação dos panos até a corrida atrás da galinha gorda para a canja. A Míriam nasceu miúda, cabeluda e com olhos muito pretos, bem espertos. Ao completar dois meses de vida, estava crescida e forte; conhecia as pessoas da casa e espalhava sorrisos sempre que chegava um de nós perto do seu berço. Foi numa noite de lua cheia, que o João saiu para caçar tatu. Brincou com as crianças mais velhas após o jantar. Falaram sobre tatu. Era sempre uma festa quando o João chegava com um. Despediu-se da menina no berço, com a mesma ternura de sempre. Chegou até a cozinha onde eu estava arrumando as coisas da janta. Falou o até logo de sempre, acariciando-me com os olhos. Era assim que me dava carinho. E saiu com o empregado que morava na casa da estrada. Voltou umas duas horas depois, ofendido pela cascavel.”

EM - CONTOS E CASOS - TEREZINHA PEREIRA - IN-FINITA

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