quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Quando o Carnaval chegar - MARGARETH PEREIRA

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Ele nem visitava nossa casa todo dia, porque era muito ocupado. Quando vinha era para conversar com meu primo que morava connosco. Nem sei bem se eram amigos de verdade, mas eu entendia que sim, porque apesar de seu jeito meio diferente, eles se falavam. Os dois pareciam dizer o tempo todo que não falassem com eles. Davam a impressão de que eram invisíveis. O amigo falava pouco e baixo, quase sussurrando. Ele tinha uma cabeleira enorme, cacheada e traços finos naquela pele negra. Eu que àquela época devia ter uns doze anos o via como uma pessoa enorme, caneluda e magrela. Mas sua aparência não me importava muito, o que mais me chamava atenção naquela pessoa era uma coisa que ficava na sala de sua casa e que me fascinava: uma máquina de costura. Eu aproveitava aquele entra e sai de gente da minha casa para ir, de vez em quando, me debruçar na pequena janela que dava para a sala de sua casa. Era lá que os dois ficavam a fazer algo que eu considerava mágico.
Mas havia os que optavam pelo carnaval de rua. Esse era o preferido do costureiro. Para toda gente, eram dias liberados, onde se esqueciam problemas e dívidas. Os Papangus nas ruas assustavam as crianças que corriam para se esconderem embaixo das camas. Já o costureiro, eu percebia que ele se tornava outra pessoa. Na verdade, hoje sei que naqueles carnavais ele podia ser ele mesmo. Eram dias onde, aquele que mal fala no dia a dia, sorria e voltava todo animado do baile de carnaval. Saía todo maquiado, usando um salto que o deixava mais alto do que o poste da rua. Era assim que eu o via. Tinha muito brilho nas suas roupas e ninguém ousava imitá-lo. Reluzia de tanta purpurina. A maquiagem era forte porque o carnaval pedia isso. Em quatro dias de muita festa o costureiro se travestia: Quase não tinha lábios, mas o batom vermelho se destacava tanto quanto a sombra azul.
Eu queria ser como ele. Vestir roupas coloridas, animadas. Não sei se vai demorar muito, mas ainda vai chegar um carnaval onde eu vou poder também fazer minha própria fantasia, vou me vestir de confetes e serpentinas, vou poder sair com pessoas como eu e que gostam do que, nem posso dizer que gosto. O costureiro fugia de todos os padrões de beleza. Mas conseguia ser ele mesmo, pelo menos no carnaval.

 EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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