quarta-feira, 17 de abril de 2019

LINHA DO TREM - CAMILA NOBILING

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Ouvi o apito. Posicionei-me na fila. Sempre espere os outros passageiros saírem, depois entre. O andar de cima costuma ter mais lugar do que de baixo. Vá direto para lá.
Eu ainda não digeri o peru do fim do ano que se chamava ganso e tinha gosto de pato. Não digeri a massa, a desgraça da morte da ave, não digeri o prato.
Fico brincando com meus pensamentos e pensando nos “omens” ruins.
Se se começa o ano com estresse significa que ele será inteiro assim? Assim ruim? Há algum tempo tenho a sensação que os anos são como brincadeira de bem-me-quer, mal-me-quer, só que em forma de ano-bom, ano-ruim. Será mesmo assim?
Escrever em primeira pessoa é muito mais pessoal que em terceira. Esta pessoa, contudo, é muito mais verdadeira que a primeira.
Ela está falando russo atrás de mim, não estou entendendo nada. Nunca entendo nada, somente o que quero.
Preferia esse caminho quando saltava na Friedrichstrasse para ir de encontro ao futuro, agora desço na Alexanderplatz para ir de encontro à estagnação.
Se pudesse embarcaria hoje também naquele avião e iria para longe do momento que não quero viver aqui.
Sinto sono, muito sono, um sono que se espalha por cada célula do meu corpo e não me deixa dormir.
Que dia feio! Cor de cinzeiro sujo.
“Jetzt Chance zu aufsteigen nutzen. Ab 1.Januar...” li no cartaz. Aí o trem se foi... que chance seria essa? A do moço no alto do trampolim que aparecia na foto ao lado? Chance de se atirar desse agora?
Tocou, era mensagem. Li só o começo e uma lágrima ficou enroscada no canto do meu olho.
Deu uma vontade de voltar para o futuro quando o vi lá fora, pela janela do trem!
Nunca reparei antes no que estou reparando agora.
Próxima estação, vou descer!
Eu queria estar indo, indo com todos.
Eu queria estar diminuindo, diminuindo as distâncias.
Aqui e ali, lá e acolá. Eu só queria...
O avião está subindo. Eles estão partindo.
Um pedaço do meu coração está indo junto. Um pedaço sempre vai junto.
Fim da linha. Alexanderplatz.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - ANTOLOGIA - IN-FINITA

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