Agradecemos à autora BEATRIZ H. RAMOS AMARAL a disponibilidade em responder ao nosso questionário
1 - Como se define enquanto autora
e pessoa?
Sou uma pessoa para quem a palavra sempre foi
e é fundamental. Alfabetizei-me espontaneamente, em casa, diante das letras de
um jornal, um ano antes de ir para a escola. Quando criança, já era fascinada
pelas letras, pelos grafemas. Navego/trafego/transito/voo pelo som do verbo
e seu sentido. Interessam-me desde sempre os desdobramentos de sentido, a graça
e a luz da eufonia, a transmigração de letras e linguagens, a intersecção de
códigos, a plurissignificação, a polissemia, a música, a imagem, as figuras, o
movimento. Interesso-me por esses elementos e neles faço inserir meu verbo.
Defino-me como uma autora em constante ebulição, a extrair faíscas de vários
mundos que fervem e se mesclam, amanhecendo grafemas, inaugurando e
reinaugurando raízes e valises de futuro, frutos, folhas, canto de pássaros,
jogo de sombras, entreluzindo portas abertas, ruas, alamedas, instâncias
(re)descobertas. O universo aberto é meu tema. O ritmo batiza minha voz.
Escrevi um romance aos quinze anos, que publiquei aos dezenove. Publiquei mais
onze livros. Entre esses 12 livros, estão também sete volumes de poesia -
“Alquimia dos Círculos”, “Planagem”, “Primeira Lua” (escrito em colaboração com
Elza A. Ramos Amaral), “Luas de Júpiter”, entre outros - um ensaio biográfico
(sobre a trajetória da extraordinária cantora Cássia Eller, 2002), um livro de
crítica literária sobre a obra de Edgard Braga “A Transmutação Metalinguística
na Poética de Edgard Braga” (2013), resultado de minha dissertação de Mestrado,
em que pesquisei e estudei a obra deste fantástico poeta brasileiro (que
integrou a segunda fase do movimento concretista, foi traduzido para outros
idiomas e ainda é pouco conhecido em seu próprio país), um livro jurídico e o
mais recente, de contos-pulsações, “Os Fios do Anagrama” (2016), que me deu a
alegria de receber o Prêmio Troféu Literatura 2017, como o melhor livro na
categoria contos e crônicas. Gosto imenso da narrativa breve. Alguns poemas e
referências a esse trabalho está no meu site www.beatrizhramaral.com.br
2 - O que a inspira?
A sensação da noite me desperta e inspira,
assim como a música, as águas, os oceanos, os planetas, as galáxias, as rotas
astronômicas. Os átomos, as moléculas, os fractais, as frestas me atraem e se
convertem em verbo-escrita-escritura. As várias linguagens estéticas, a
cinematografia, a dança, a fotografia, o claro-escuro do barroco, as galerias,
o impressionismo (na música e na pintura), a dramaturgia, os olhos abertos e
profundos de certas personagens, as estações do ano, a luz de cada estação, os
instrumentos da orquestra, os instrumentos de solo, os instrumentos de sopro, a
clarineta, o oboé, a flauta, os instrumentos de cordas, a harpa, o cravo, o
alaúde, a obra de Bach, Telemann, Vivaldi, John Dowland, a música antiga,
medieval e renascentista, os ares do trovadorismo, as simultaneidades do
frenesi contemporâneo, o cotidiano, as cores vespertinas, as incongruências
desse nosso tempo, a escassez de tudo, a escassez de afeto, os vácuos, o
desenho da lua. São os elementos que me despertam a escrever, dizer, falar,
compor.
3 - Existem tabus na sua escrita?
Porquê?
A
arte é o território da liberdade e não permite tabus. As páginas são abertas.
Só excluo qualquer possibilidade de incitação ao desrespeito aos direitos
humanos, que não podem ser jamais vilipendiados e de nenhum modo. Isto não
significa não tratar do tema. Denunciar, relatar, retratar, sim. Mas jamais
estimular o desrespeito à igualdade e aos direitos fundamentais do ser humano,
cujo respeito é básico, sagrado, indispensável para a coexistência das pessoas
em sociedades e comunidades.
4 - Que importância dá às
antologias e colectâneas?
São
instrumentos notáveis, extraordinários, de expansão do universo de cada autor.
Sua importância está em tecer encontros, redes e grupos de autores, estimular o
conhecimento e os diálogos entre poetas e narradores, bem como em estimular a
divulgação de textos em círculos diversos e cada vez mais amplos no espaço no
tempo. São fundamentais e algumas acabam se tornando históricas, antológicas,
marcando época e identificando para sempre o nascimento de uma obra, um autor,
um movimento estético.
5 - Que impacto têm as redes
sociais no seu percurso?
Comecei a escrever na infância e a
publicar nos anos oitenta, bem antes do surgimento da internet e das redes.
Entretanto, desde 2008, em atendimento a convites de amigos, passei a também
circular nas redes, com minhas páginas, textos e palavras. Considero-as
relevantes por abrir possibilidade de divulgarmos nossa produção, conhecermos
novos autores e até mesmo reencontrarmos autores com quem tivemos contato e de
quem nos perdemos na esteira do tempo. Os reencontros são magníficos,
aproximando e reaproximando autores de diferentes países, culturas e gerações.
Estar nas redes é navegar numa biblioteca infinita de múltiplas conexões.
6 - Quais os pontos positivos e
negativos do universo da escrita?
Os pontos positivos são os intrínsecos, os
que pertencem à escrita enquanto arte, enquanto literatura, enquanto linguagem:
a possibilidade de recriar o mundo, a possibilidade de expressão, a liberdade
de conexões e construções, a infinitude das probabilidades estéticas. Escrever
é viver e é aprender mais sobre o mundo e sobre si mesmo. Escrever é alargar o
tempo, alargar todas as fronteiras. Escrever é despertar e crescer nas luzes do
estranhamento e na desautomatização. Os pontos mais difíceis são os
relacionados à distribuição das obras, sempre complicada, bem como os
relacionados à influência do mercantilismo hiperbólico que vemos hoje em dia.
7 - O que acredita ser essencial na
divulgação de um autor?
São essenciais na divulgação de um autor a
coesão da obra, multifacetada ou não, pois toda obra tem um ponto de coesão, a
totalidade da obra, as características mais salientes, seja na voz, na dicção
do autor, seja na versatilidade, seja na temática, a apresentação das análises
críticas, resenhas, as atividades do autor (seu diálogo com o público,
palestras, mesas, debates, oficinas, diálogos, seminários, colóquios,
encontros), sua relação eventual com outras artes.
8 - Quais os projectos para o
futuro?
Pretendo sempre expandir minhas trilhas de
vida e literatura, mantendo a coerência com meus ideais inaugurais e expandindo
e alargando fronteiras. Há três livros já estruturados, um deles pronto e
outros dois em elaboração, em gêneros diversos, um deles de ensaios e outros
dois de poemas. Há, ainda, um romance que iniciei e precisei interromper – devo
retomá-lo em breve. Em meus projetos, sempre está inserido o trabalho com a
linguagem, a diversidade de gêneros literários. Na prosa, na narrativa, o sabor
da construção de personagens, que é apaixonante.
9 - Sugira um autor e um livro!
Ítalo Calvino, “Cidades
Invisíveis”, um livro que não pode faltar na estante de um escritor.
Citarei um segundo, bem recente:
André Domingues, “Dramas de Companhia”, um dos grandes talentos da literatura
portuguesa contemporânea.
10 - Qual a pergunta que gostaria
que lhe fizessem? E como responderia?
O que a literatura faz ou pode
fazer para melhorar o mundo e a vida das pessoas?
No plano genérico, como já
dissemos, a lteratura, enquanto arte, assim como as demais expressões
estéticas, abre horizontes, ensina a pensar, a raciocinar, a refletir, a
ponderar, ensina a escrever, permite a interiorização e um certo grau de
introspecção de que todos nós precisamos ter, ocasionalmente, e que faz muita
falta, hoje, a todos.
Num plano individual, desperta
vocações e talentos, ajuda a lapidar escritores em formação, abre as fronteiras
de repertório e do pensamento para o mundo, para a grandeza do universo.
E ainda pode constituir um projeto
– de um indivíduo ou de grupos de pessoas, de qualquer idade, formação e
atividade – conduzindo-os a um universo amplo, no tempo e no espaço – quer como
leitores, quer como autores.
A literatura reflete o momento
histórico em que é produzida e, mais do que isso, antecipa, com suas antenas
finas e certeiras, muito do que chamaremos de futuro. Jamais nos esqueçamos das
palavras sábias de Ezra Pound: “Os artistas são as antenas da raça humana”.
Acompanhem, curtam e divulguem esta e outros autores através deste link
Também gostei muito de "Cidades Invisíveis". Parabéns Beatriz por contribuir com sua obra pra literatura!
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