O desassossego e a
invenção nos (in)visíveis
Essa trapaça salutar, essa esquiva, esse logro
magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma
revolução permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura.
Roland Barthes
nas paredes
em despudor
de silêncio
a litania do
invisível
no cio do
limo
a sinfonia
do mofo
lavra
o
segredo
da
rachadura
É nas trincheiras da arte poética do cotidiano que encontraremos novos signos
de resistência estética para a poesia. Prova disso é o livro de estreia de
Carlos Orfeu, “(in)visíveis cotidianos”, que se desdobra páginas-corpo-poemas
em múltiplos olhares que atentam para os “pequenos nadas”, expressão tão bem
criada por Michel Maffesoli. Não foi à toa que a leitura das cenas cotidianas,
dos frames que o poeta nos apresenta em versos densos e concisos, me levou a
dialogar com lugares que refletem a relação entre o poder e o cotidiano, assim
como também me fez pensar na relação do homem comum com o invisível
corriqueiro. São reflexões que me fazem dialogar com a sociologia, a história,
a história dos oprimidos, dos excluídos. Por isso, na leitura de “(in)visíveis
cotidianos” não é simples apartar do aspecto crítico e literário da leitura o
aspecto sociológico que há na cotidianidade. São poemas sobre o “tempo
presente”, sobre a rotina, os pedaços do mundo, os vestígios da vida, os
fragmentos que se amontoam como cruzes, estradas, corpos, urgências perfiladas
por uma faixa humana também esquecida, abandonada, in-visibilizada. E intuo que
na voz do poeta há também outros ditos no desvão das imagens – como
palimpsestos, um volume sempre por-vir, uma nova urdidura entre a palavra e a
espera.
Há no livro um mundo imagético a ser desvendado
pelos leitores, há um convite que leva o olhar a funcionar como pausa.
no cio do limo
Carlos Orfeu parte do instante para o eterno como
se parasse o tempo, o mantivesse em suspenso, e transformasse aquele momento
num vórtice que une o todo.
Assim os poemas se conectam num livro-corpo que é
também devir. E ler os (in)visíveis é aguçar os sentidos, conhecer as camadas
para ouvir “a sinfonia”.
a lâmina ceifando a vida
em seivas
Feito a ninfa Eco - repito “seivas” e vou dedilhando as imagens que o poeta me
apresenta. Na minha andarilhagem corro o risco da errância, e dialogo com mais
imagens do cotidiano, as de Manuel Bandeira, Mário Quintana, Maria Helena
Latini, Líria Porto e outros que me fizeram debruçar o corpo e a alma, todos os
sentidos expandidos, para a importância desses significantes, numa outra
dinâmica com este cotidiano. Carlos Orfeu chega para compor este painel de
poetas e se une aos que ousaram dizer muito com menos, ver muito onde se vê
menos, ser bastante sem desprezar esse menos. Porque há nesta arte - uma punção
de vida, uma potência na vivência com “os pequenos nadas” e que precisa ser
desvelada a partir de uma outra recepção, a que não exclui as aventuras e
as delicadezas do habitual - no seu trágico e belo, seja na voz, no silêncio.
Mas para isso será preciso compreender uma lógica avessa à que nos faz perder
os sentidos com excessos. Será preciso pousar o olhar no tempo
íntimo das coisas, no tempo elástico das sensações do corpo, da casa, da rua,
do urbano, desse nada que é tanto.
corto cebolas
com olhos ensopados
de águas esquecidas
Divulgando:
"(IN)VISÍVEIS COTIDIANOS", DE CARLOS ORFEU
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