NO QUINTAL DA VIDA
Ao
Sérgio Raimundo
Maputo,
vinte e oito de Julho de 2017
Não
sei com que propósito lhe endereço, agora, esta missiva. Por que carga de água
os dedos obedecem a este movimento involuntário de tingir um papel cândido.
Talvez, porque aquele coqueiro neste instante tem outra idade e os lanhos que
sangramos no princípio de noite andam a revisitar a minha memória. Ainda tenho flash daquela tarde em que sentamos ali
no quintal da vida a cavaquear sobre tudo e nada.
O
Saphala naquele jeito arrojado deixava-se enfeitiçar pelos rios que atravessam
as nossas costas. O “cândido”, não perdia a oportunidade de rever as suas
fantasias no número 20. Acredito que o bairro Ferroviário ainda esteja aos
sobressaltos. O “Verme” guardião das leis oscilava entre o poema bucólico das
mantas e às luzes vermelhas da madrugada.
Nas
sombras das suas folhas desenhamos um futuro incerto, aceitamos a árdua tarefa
de mostrar-lhe os atalhos que ousamos seguir, rumo à Baixa dos laurentinos.
Busco
no meu imaginário, o velho Raimundo: as suas estórias, a sua simplicidade e os
calos beijando as suas mãos. Naquele quintal que nos desarmou da fragância do
asfalto, desbravamos outros poemas, outras canções na pureza do olhar.
“Já
não tenho a mesma energia. Cuidem-me desse menino. Os irmãos mais velhos estão
na África do Sul. Mostrem-lhe o caminho”, disse o velho Raimundo. Hoje me
pergunto: carregamos esse fardo ou na tua desventura à velha chapa amarela de
“Hulene” descobriste a verdade nos livros de filosofia?
No
quintal onde deixaste brincar as crianças sedentas do abecedário, o quadro
negro risca os últimos algarismos no chão. Sei que hoje as crianças já despem
despreocupadas as ruas do Diamantino.
Entre
o “Cantinho” e o quintal soltamos o verbo, albergamos a língua, empurramos a
barriga como um pássaro que foge da fisga no telhado da morte.
Sinto
que os barcos atracaram em charcos que a chuva esqueceu de amar. Ficam-nos as
recordações, a saudade da liberdade, as madrugadas ao sabor do vinho.
Hoje,
chego cada vez menos aos becos do Diamantino. As marcas do tempo da senhora que
estende a sua capulana são a campainha da tristeza que nos corrói a alma. A
música que invadia os quintais aprisionou-se nas chapas do desespero.
A
padaria fechou. As barracas fingem adornar nossos copos com uma oração fria. A
boca diz o inverso nos olhos carregados do vazio.
Breve biografia
M.P.Bonde
nasceu a 12 de Janeiro de 1980 em Maputo. Foi membro do projecto (JOAC) e do colectivo
Arrabenta Xithokozelo. Em 2017 lançou a sua primeira obra literária “Ensaios
Poéticos” pela Cavalo do Mar.
Podem ler o texto que José Manuel Martins Pedro, correspondente de autores africanos, escreveu sobre o autor, Macvildo Pedro Bonde, neste link
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