quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Prosas de tédio e fastio 115 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

115

À medida que me embrenho na longitude da idade, reforço a certeza de ter sido integrado num tempo que jamais deveria pertencer-me.

Esta percepção – algo entre ingenuidade e sentimento de negação – fez-me acreditar, na juventude, que o meu carácter era inocente - por berço, natureza e fado.

Com os anos, esta leitura revelou-se-me, surpreendentemente sem espanto, na plenitude da sua erroneidade, permitindo-me identificar, como nunca antes vira, os pontos de união entre episódios isolados e o meu desenquadramento temporal.

Na ausência de via alternativa, procurei adaptar a minha essência à realidade, como um trapezista, em busca de equilíbrio entre dois mundos.

Esse processo de calibragem permitiu-me entender as motivações para a existência e aplicabilidade de inúmeros conceitos, que dariam para escrever mil ensaios e teses de comportamento humano. Quem sabe, um dia os farei.

Por agora limito-me a confirmar que vivo deslocado no tempo, num mundo que não é o meu e com o qual não me identifico.

EMANUEL LOMELINO

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Prosas de tédio e fastio 114 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

114

Naqueles dias em que esqueço de me equipar a rigor, fico suspenso nas escarpas íngremes da memória e os pensamentos nascem reféns pré-datados, como se a mente tivesse sido calibrada para uma só lembrança.

Por mais voltas que dê, por mais tentativas que faça, há sempre uma ou outra recordação a querer protagonismo, como quem procura ser reconhecido acima da sua própria importância.

Nesses momentos fico insuportavelmente incomodado com o desaforo do tempo, em querer ultrapassar a sua caducidade, porque sou apologista convicto, para não dizer radicalmente defensor, da máxima: “águas passadas não movem moinhos”.

Para além disso, é tedioso pensar em mono, ainda por cima, numa era em que a celeridade dos avanços tecnológicos é maior do que um piscar de olhos e, apesar de ser da velha escola, já me habituei às multiplataformas.

EMANUEL LOMELINO

Minhas Raízes - Kênia Freitas

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Nasci e cresci numa casa simples, de telha de barro e piso de cimento queimado. Meus pais, Glória do Carmo Freitas e Felício José de Freitas, já eram idosos. Minha mãe, analfabeta, era uma mulher extremamente comercial, alegre, carismática e firme. Meu pai, um verdadeiro gentleman. Nossa casa era cercada por flores, hortas e animais. Apesar da simplicidade, tínhamos abundância em valores. Éramos seis filhos. Eu, a quinta. A diferença de 11 anos da irmã mais velha fez com que eu ficasse mais tempo com meus pais, assumindo cedo o papel de cuidadora.

EM - MULHERES QUE CRUZARAM OCEANOS - COLETÂNEA - IN-FINITA

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Prosas de tédio e fastio 113 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

113

As pessoas têm um medo insano do silêncio que as leva a urrar as maiores atrocidades, como quem faz piruetas sempre que a luz dos holofotes incide sobre si.

São poucos aqueles que sabem valorizar a solidão consciente e reconhecer o silêncio como um lugar privilegiado onde ninguém, para além do próprio, deve ingressar.

Um espaço, bem no âmago, onde a consciência consegue respirar livremente e restabelecer-se num ambiente de intimidade e conforto, em que o vazio total é sinónimo de paz.

Infelizmente, há quem desconheça o carácter paliativo do silêncio e o confunda com solidão emocional, e por essa razão usam todos os artifícios para jamais ficarem fora do alcance dos olhares alheios. Esses, pobres vítimas do engodo, nunca serão capazes de compreender o quão falaciosa pode ser uma multidão e como é um engano pensar que caminhando em grupo se ludibria a solidão nefasta.

Mas o pior é não entenderem que existe quem faça do silêncio um porto de abrigo e reflexão, opte por trajectos alternativos, longe das ribaltas e sem grandes alardes, porque é dentro de nós que nos encontramos verdadeiramente.

EMANUEL LOMELINO

Ondas de paz e contentamento (excerto 9) - Maria Helena J. Pereira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Mas, da minha experiência pessoal e já lá vão mais de 30 anos a praticar, aprendi uma grande e preciosa lição: 
Se vamos meditar com grandes expectativas de que iremos sentir isto ou aquilo, o mais provável é não sentir nada disso e ficar desiludidos. Quantas vezes isso me aconteceu, até me convencer que, o melhor mesmo, é meditar sem esperar seja o que for e aceitar as sensações que aparecerem, desfrutando do momento presente. 

EM - ONDAS DE PAZ E CONTENTAMENTO - MARIA HELENA J. PEREIRA - IN-FINITA

domingo, 14 de setembro de 2025

Prosas de tédio e fastio 112 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

112

A vida tem-me escamado os sentidos como se a minha existência fosse um cúmulo de estações que se repetem ciclicamente.

Sinto-me um objecto renascentista, nas mãos do destino, quando os dias revelam ser dejá vu em looping, uma e outra e outra e outra vez.

A aspereza vulcânica, que pensava ter exterminado e dera lugar ao reinado de uma gentil suavidade, nascida de uma necessária e útil cordialidade, e que me impedia de reagir em impulsos nefastos, regressou ainda mais explosiva, como quem retorna ao ponto de partida após uma ausência consciente, deliberada e com horas contadas.

A tolerância escoa-se em animalescas correntezas de impaciência, tal como o rio mais feroz e indomável.

Conclusão… por mais que embelezemos os cenários a essência jamais se altera porque as pedras serão sempre pedras, por mais que alisemos as rudes arestas pontiagudas.

EMANUEL LOMELINO

sábado, 13 de setembro de 2025

Prosas de tédio e fastio 111 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

111

Conheço-me por inteiro, de polo a polo, em todas as coordenadas e pontos cardeais. Sei os meus atalhos, desvios e encruzilhadas. Domino a minha geografia, até de olhos fechados, de trás para a frente e em linha recta. Vejo-me na plenitude do ser (pensante e corpóreo) e sinto-me na totalidade das fracções que me compõem.

Sou antropólogo, matemático e historiador da minha essência – para o bem e para o mal – ciente das multifacetadas circunstâncias e vicissitudes que me moldaram e, porque sou obra em permanente construção, continuarão a esculpir-me nos dias por vir.

Sou o mais feroz crítico dos meus defeitos e impetuoso defensor das limitadas virtudes que exalo, sem alarde, com plena noção de quão ténue é a linha que as separa da evitável soberba.

Sou como sou, na consciência dos actos e na legitimação de existir do meu jeito.

EMANUEL LOMELINO

O branco e a preta (excerto 15) - Pedro Sequeira de Carvalho

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Para ele, se eu morresse, o meu pai doente, não haveria ninguém para tomar conta do negócio. Tudo ficaria para ele que, na pior das hipóteses, somente ficaria com a responsabilidade de reportar ao meu pai o ponto da situação e enviar algum dinheiro do lucro.

EM - A BRANCO E A PRETA - PEDRO SEQUEIRA DE CARVALHO - IN-FINITA

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 40 - Emanuel Lomelino

17-10-2023

Todos criticam a existência do “Grande Irmão”, mas, em simultâneo, querem ter acesso livre à vida dos demais. (hipocrisia).

Não tenho problema algum em andar por ruas e edifícios inundados com câmaras de vigilância. A minha revolta (hipérbole) é com aqueles que se julgam no direito de saber todos os meus passos.

Sinto. Vejo. Compreendo. Mas jamais me comovo com a demonstração de interesse (eufemismo). “A César o que é de César”, inclusive a privacidade.

Há silêncio nos olhares que perscrutam o rosto, como quem procura decifrar-me no mais íntimo de mim (intromissão). As miradas mudas não perturbam a minha paz, porque conheço os intentos dessas buscas e sei vestir-me de invisibilidade.

E em tudo isto existe uma ironia (que não é figura de estilo) porque aprendo mais sendo observado do que os observadores aprendem sobre mim.

EMANUEL LOMELINO

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Prosas de tédio e fastio 110 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

110

A necessidade de trabalhar nas palavras é, mais do que um dever imperativo, a solução para desanuviar a mente depois das escoriações provocadas pela dureza de um dia interminável.

Há uma urgência de reflexão que lateja no âmago até roçar o desespero e o corpo exige uma pausa restauradora, só atingida num estágio de solidão física e na ausência de lucidez da dor.

Respiro fundo. Fecho os olhos. Abstraio os sentidos. Sacudo os incómodos. Abraço o silêncio. Entro no universo do vazio. Nada.

Inspiro lentamente, como quem absorve o tempo a conta gotas. Olho a folha branca que espera, pacientemente, o primeiro beijo de tinta. Expiro como quem dá o tiro de partida, deixo que as palavras fluam a seu bel-prazer e abracem, com serenidade, a paz instalada.

Com elas surge a libertação suprema. Através delas instala-se uma harmoniosa conciliação com o mundo; com a vida; comigo.

Escopros, ponteiros, macetas, hematomas, esfoladelas, sangue, suor, cansaço (não necessariamente por esta ordem) deixam de significar penosa realidade e, aqui, regressam à sua condição de meros vocábulos.

EMANUEL LOMELINO

Segundo desafio: Talassemia - Kátia Cilene

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Aos quatorze anos descobrimos que era portadora de Talassemia Minor (anemia falciforme). Uma doença no sangue com características genéticas. Foi um grande desafio porque na mesma época a questão da AIDS estava sendo discutida e as pessoas que necessitavam de transfusão de sangue faziam parte do grupo de risco. Isso me deixava muito preocupada todas as vezes que fazia uma transfusão. A Talassemia por muito tempo me afastou de atividades físicas porque me sentia fraca, sem forças, mas com o tempo fui aprendendo a lidar com isso e ter qualidade de vida. 

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quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Contos que nada contam 44 (Na rua do olvido) - Emanuel Lomelino

Na rua do olvido

Na rua do olvido existe um velho casario, de madeira retorcida e pintada com as cores do esquecimento, cercado por rebanhos de urze seca de tão idosa.

Ultrapassado o portão de ferro forjado por artesãos rudes, abre-se um caminho de pedra vestida de musgo escorregadio, cor-de-azeitona moída, que nos dificulta os passos em direcção à porta torta e tosca que range de dor ao ser empurrada para revelar o interior bafiento da moradia.

A ampla entrada marmoreada com a sujidade do tempo antecede uma escadaria obliqua, que esconde as paredes forradas com retratos fantasmagóricos de figuras que agora são espectros vigilantes.

Numa das molduras, revestidas com tecido aracnídeo, adivinha-se o rosto sombrio de uma velha cortesã de longos cabelos negros transformados em tranças imberbes, presas no cocuruto, como que arrumadas no sótão do corpo.

Ao lado, um rosto masculino, de bigode labiríntico, cavanhaque juvenil e suíças exageradas, trajado de militar de enfeite – com direito a pluma na aba do ridículo chapéu fora de moda.

O resto da casa fica por descrever porque nestas coisas da memória, existem assuntos que podem ser falados enquanto outros são de foro pessoal e intransmissíveis.

EMANUEL LOMELINO

Ondas de paz e contentamento (excerto 8) - Maria Helena J. Pereira

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Primeiro, observe apenas a sensação do ar a entrar pelas narinas e do ar a sair, pelas narinas ou pela boca, sem interferir. Seja apenas observador da respiração. Aperceba-se do local, no seu corpo, onde sente a respiração. Ela é mais abdominal (a barriga enche na inspiração e vaza na expiração), é mais torácica (o tórax expande na inspiração e comprime na expiração) é mais subclavicular, é uma combinação, isto é, começa por ser abdominal, depois torácica e subclavicular?

EM - ONDAS DE PAZ E CONTENTAMENTO - MARIA HELENA J. PEREIRA - IN-FINITA

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Prosas de tédio e fastio 109 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

109

Quando visto o uniforme para garimpar o que sou, olho-me ao espelho e louvo os traços que o tempo vincou no meu rosto, com a maestria que só ele possui.

Vejo minuciosamente, de lupa em riste, e não detecto ruga mal colocada, ou nascida sem razão. Todas se explicam, e aplicam, na minha essência, como um traje feito à medida, por encomenda.

Na aspereza natural da derme curtida, destacam-se algumas cicatrizes merecidas, outras tantas por negligência, mais algumas que, embora saradas, ainda tem memória dolorida.

Então, tento lembrar-me das minhas feições imberbes, como quem se entrega à tarefa de descobrir as diferenças, porque todas as fotos deixaram de estar em exposição quando foram colocadas nos álbuns do esquecimento. Nenhuma escapou à crueldade do engavetamento, não fosse alguma lembrar-se de ganhar vida e azucrinar, com feitio igual ao meu, o dia-a-dia de alguém.

E assim, quase sem traços visíveis da aparência anterior, mas honrado pelo desenho do tempo, caminho de cabeça erguida mostrando ao mundo a prata que a vida me vem outorgando.

EMANUEL LOMELINO

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Devaneios sarcásticos 28 - Emanuel Lomelino

Devaneios sarcásticos 

28

Estou grato aos céus por ser filho de uma divindade menor – assim nomeada porque Zeus estava afogado em hidromel cítrico, logo, com as capacidades cognitivas alcoolicamente desvirtuadas – e por isso ter nascido sem a presunção de ser mais do que aquilo que realmente sou.

Não me autonomeio coisa alguma e sempre resistirei aos cognomes que muitos ostentam como medalhas imerecidas – para não dizer heréticas.

Percorro os caminhos que me traço sem pretensão de pisar tapetes urdidos para desfile de vaidades sensaboronas e sem motivo de existência. Recuso dar passos nas calçadas da visibilidade ganha pelo metal, nem quero trajar-me com fardas de cetim fabricado nos cárceres da aceitação.

Sou filho de um deus menor e tudo o que faço, digo, penso e escrevo é fruto dessa minha reduzida dimensão e iluminado pelas ténues luzes de um estro diminuto, quase invisível, por incompatibilidade entre a natureza que me formou e a fama que não me merece.

EMANUEL LOMELINO

O branco e a preta (excerto 14) - Pedro Sequeira de Carvalho

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Talvez para evitar o tamanho constrangimento que já me punha fora do meu controlo, consegui encontrar alguma força para tomar um banho, trocar de roupas, tomar uma sopa e um chá morno, verdejante e meio amargo preparado pela Sebá sob a fiscalização do Txóco.

EM - A BRANCO E A PRETA - PEDRO SEQUEIRA DE CARVALHO - IN-FINITA

domingo, 7 de setembro de 2025

Prosas de tédio e fastio 108 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

108

Volta e meia deparo-me com momentos de feroz lassidão – como agora – em que sou inundado por uma chuva de memórias entrelaçadas, de tempos cruzados sem cronologia, de sangramentos, de glória, de lágrimas, de risos, de luto, de paz, de erupção, de anseios…

São períodos breves, mas intensos, que desgastam o ânimo até à fronteira da vulnerabilidade. Um cansaço indescritível apodera-se do espírito e do corpóreo, com a mesma violência irrespirável.

São instantes esparsos, contudo, paridos pelo eterno dilema entre o uso da resiliência e a vontade de prescindir. A mente transforma-se num fórum e os argumentos jorram, com fúria combativa, criando um caos híbrido que deambula entre o desejo e a razão.

Nessas alturas – como agora – procuro refúgio na sabedoria clássica e entrego-me aos pensamentos de Schopenhauer, Púchkin, Nietzsche, Sá-Carneiro, Pessoa… para descobrir, na pele e com assombro, que a vida é como uma viagem de comboio e cada encontro é um apeadeiro.

EMANUEL LOMELINO

sábado, 6 de setembro de 2025

Prosas de tédio e fastio 107 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

107

Converti as mãos em peneiras e deixei tombar, pelos caminhos trilhados, todos os grãos de ânimo que, misturados com o cimento da vontade, serviriam para fortificar os meus passos calculados e de rumo certo.

Os objectivos lúcidos amoleceram com o impacto das tempestades sem senso e, aos poucos, de forma camuflada e impiedosa, evaporaram-se sem deixar rasto.

A caminhada não terminou, mas os propósitos abraçaram a caducidade não deixando terra suficientemente fértil para que outras raízes germinem nem para que a determinação ganhe fôlego renovado.

A velha máxima “nada se perde, tudo se transforma” nunca foi tão pungente e, apesar da miopia destes meus olhos falhos, dei por mim a enxergar tudo com uma clareza tão pura quanto reveladora. Há quem lhe chame epifania. Eu prefiro dizer que despertei.

EMANUEL LOMELINO

Constelando minha vida (excerto) - Kátia Cilene

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Agradeço aos ancestrais da Família Ferreira e da Família Cardoso pela vida dos meus pais Maria e Lombardo e, também, pela minha vida. Uma curiosidade sobre a minha família é que minhas avós são irmãs, então meus pais são primos. A Constelação nesse capítulo vai acontecer como desafios que foram importantes na minha trajetória.

EM - MULHERES QUE CRUZARAM OCEANOS - COLETÂNEA - IN-FINITA

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Epístolas sem retorno 41 - Emanuel Lomelino

Ernest Hemingway
Imagem pinterest

Caro Ernest,

Dizem os sábios mais velhos que a verdadeira honestidade é exclusiva do mar. Segundo a experiência destes anciãos sem idade, não há elemento da natureza mais fiel a si mesmo, em todos os seus estados, formas e geometrias, independentemente de meridianos ou paralelos; latitudes ou longitudes; pontos cardeais ou hemisférios.

A sua essência mantém-se inalterada quer se evapore, solidifique ou liquefaça. Manifesta-se sem artimanhas nem engodos, tampouco escangalha de véspera nem reclama o que não lhe pertence porque é força dominante que responde apenas por si, nos seus domínios.

Mas, apesar de todas estas características íntegras, é no cheiro que a honestidade é mais flagrante. Ao contrário de outros elementos (fogo, terra e ar) que exibem odores emprestados, o mar exala somente o seu perfume de encanto (maresia) com que nos enfeitiça, sem truques ou ultrajes.

Ao sabor da maré

Emanuel Lomelino