terça-feira, 30 de dezembro de 2025

No fundo do baú 62 - Emanuel Lomelino

Morrerei, orgulhosamente, ignorado pelos críticos das paragonas de tiragem erudita, porque sempre respeitei os legados e defendi os meus critérios.

Morrerei, orgulhosamente, na invisibilidade de todos os fóruns oligarcas, porque nunca me sujeitei a convenções nem a tratados de mal-escrever.

Morrerei, orgulhosamente, no desterro de todas as falsas elites sem condição, porque sempre acreditei que a universalidade criativa é, além de um direito, um dever global.

Morrerei, orgulhosamente, no exílio de todas as palavras que nunca escrevi, porque os meus textos foram construídos em exercício de liberdade e expressão individual sem apegos nem compadrios.

Morrerei, orgulhosamente, no confinamento de uma tumba desconhecida, porque bebi dos melhores néctares literários e trabalhei na inspiração dos ridículos saberes.

Morrerei, orgulhosamente, embrulhado na bandeira dos autores menores, porque nunca babei os grandes nem ignorei os pequenos.

Morrerei, orgulhosamente, na embriaguez dos meus paradoxos.

EMANUEL LOMELINO

Verão - Adriana Mayrinck

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Ele voltou. Disse que precisava respirar. Mariana o abraçou no aeroporto, os olhos carregando a previsão de tempestade. 

No Rio, o sol parecia zombar do inverno que ele deixara. Reviu amigos, aproveitou as tardes de verão como nunca, fotografou a vida que passava, viajou por entre cidades, registrou as diversas facetas do Carnaval brasileiro entre o frevo, o axé e o samba, desfilava com suas lentes e luzes, mas o sorriso era só fachada. Mariana fazia videochamadas, mandava mensagens, falava de planos e datas. Exigia uma decisão.

Em uma ligação, ela disse: "Vem me ver. Não aguento mais sonhar sozinha."

Ele foi — sem saber se para um reencontro ou despedida.

EM - IDÍLIO EM FRAGMENTOS - ADRIANA MAYRINCK - IN-FINITA

segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

Contos que nada contam 51 - Emanuel Lomelino

Sinfonia interrompida

Tudo começou com o trovejar dos bombos seguido de um choro colectivo dos violinos, primeiro sussurrado, depois bradado. Só depois o clarinete buzinou uma passagem de nível e as colinas deixaram-se florir numa sinfonia de cores exóticas.

Houve uma vertigem zumbida que polinizou um dente-de-leão e as glicínias olharam o céu em prece pedindo, aos deuses florais, permissão para o regresso dos colibris.

A mariposa sacudiu a transparência das asas para receber a simpatia da brisa e serpentear entre as peónias bailarinas.

As campainhas tocaram triângulos a compasso e o salgueiro-chorão aproximou-se do rio para ver, mais próximo, a família de carpas-dragão que manchava a serenidade cristalina das águas.

O pica-pau trauteou morse no tronco rijo de uma laranjeira e a orquestra edílica deu lugar ao silêncio absoluto porque apareceu uma mochila a empurrar um ser bípede que estava noutra sintonia e decapitava margaridas.

EMANUEL LOMELINO

O paraíso são as memórias (excerto 6) - Tita Tavares

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Era como se acabasse de sair da sala de cinema. Projectado em retrospectiva, o filme de cenas fragmentadas permitia-me agora interligá-las. E em cada sucessão de imagens repetia-se a sensação de já ter lido a obra que lhe servira de argumento. Tão forte foi a vontade de cortar cenas, abolir capítulos, substituir episódios, rasurar passagens, quanto a certeza da total impossibilidade de retirar sequer uma vírgula, alterar um plano ou melhorar uma imagem.

EM - O PARAÍSO SÃO AS MEMÓRIAS - TITA TAVARES - IN-FINITA

domingo, 28 de dezembro de 2025

No fundo do baú 61 - Emanuel Lomelino

Imagem retirada da internet

Por mais que admire o rigor e qualidade das tuas telas, por mais que aprecie os teus traços originais; por mais que me encante a singularidade das tuas pinceladas; por mais que respeite a profusão da tua extensa obra; não consigo deixar de te culpar, mestre Vincent, pela realidade impressionante dos meus dias.

Neste tempo de abundância e consumismo; de feitos banais e condutas impostoras; de sedentarismo intelectual; de improvisos estudados; de originalidades repetidas, a tua obra penetrou o lado mais recôndito das mentes desprovidas de conhecimento.

Nesta era de inversão de valores; desamor pelo passado; conflito com a história; contestação dos legados, a tua arte sobreviveu nos becos das memórias ocas e influencia os estranhos hábitos espontâneos de gerações tecnológicas.

A ti, Vincent, acuso de teres incentivado, ainda que sem conhecimento do facto, através do elevado número de autorretratos que produziste, este bizarro vício das selfies.

E só não te acuso dos instantâneos de repasto porque só conheço “Os comedores de batata” e nesse os pratos mal se veem.

EMANUEL LOMELINO

Do Brasil à Suíça (excerto 6) - Samaritana Pasquier

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Indo ao encontro dele durante este período, logo após as eleições, pude participar do cerimonial de posse dos novos eleitos e do seu pronunciamento como presidente da Câmara. Estava tão orgulhosa de ter um pai com tanto reconhecimento público... Sua casa, bem simples, era construída de barro com o telhado de palha. Esse tipo de construção pegava fogo facilmente. Ver sua casa despertou em mim uma triste lembrança.

EM - DO BRASIL À SUÍÇA - SAMARITANA PASQUIER - IN-FINITA

sábado, 27 de dezembro de 2025

No fundo do baú 60 - Emanuel Lomelino

A arte, nas suas diversas vertentes e dimensões, é uma actividade intimista que roça, quando não ultrapassa, o egoísmo. Mas este individualismo egocêntrico, que se exige ao criador, não é negativo, antes pelo contrário, é humanista porque permite que as dores da angústia criativa fiquem restritas ao universo da criação.

Aos apreciadores de artes deve ser apresentado o lado mais belo e sereno do objecto artístico, isto é, a arte finalizada.

Pouco importa o número de marteladas falhadas e quantas lascas de pedra rasgaram a pele do escultor, quando estamos diante de um busto. Ninguém quer saber quantas camadas de óleo foram colocadas sobre uma pincelada disforme ou quanto vapor de diluente paira no atelier do pintor, quando estamos a olhar uma tela. Não existe interesse algum no tempo que o escritor perdeu para dar vida à frase mais eloquente ou quantos rascunhos foram atirados ao lixo, quando lemos um livro. Não há relevância na quantidade de vezes que o actor titubeou ou se engasgou nos ensaios, quando estamos e ver um filme ou uma peça de teatro. Não é preciso saber quantas vezes as dançarinas tropeçaram ou erraram os passos nos treinos, quando estamos a assistir a um bailado.

EMANUEL LOMELINO

sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

No fundo do baú 59 - Emanuel Lomelino

O provérbio popular diz que a esperança é a última a morrer. Já Balzac afirmou que o homem morre pela primeira vez quando perde o entusiasmo.

Juntando, a ambas as frases, todas as minhas distintas mortes, fica provado que o homem perece toda a vida até que a derradeira morte reclame o seu prémio e encerre o assunto de vez.

Contudo, no meio de toda esta filosofia necrológica, levantam-se algumas questões pertinentes:

Entre cada morte existe renascimento ou ressurreição?

Todas as mortes permitem renovação ou apenas ressuscitamento? 

Há alguma morte mais nefasta que as demais?

Até que ponto o acúmulo de mortes não é, em si mesmo, mais uma morte?

Sejam quais forem as respostas a estas perguntas, existem duas garantias absolutas e incontestáveis sobre todas as mortes. As intercalares apenas nos amputam. A definitiva, tal como também disse Balzac: … é mais verdadeira – ela nunca renuncia a nenhum homem.

EMANUEL LOMELINO

quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

No fundo do baú 58 - Emanuel Lomelino

É no mutismo do silêncio que as vozes ganham clarividência e as palavras vencem a timidez dos grandes públicos.

É na quietude do vazio que os timbres se ajustam às pautas e os verbos glorificam a sagacidade da linguagem.

Simon & Garfunkel alertaram para as conversas que existem na mudez; para os diálogos ouvidos, mas jamais escutados e para a falta de atrevimento em reproduzir-se, vocalmente, tudo o que foi escrito. E isto porque o silêncio pode representar mil palavras; o silêncio pode ser mais significativo que discursos intermináveis; o silêncio pode ser a base do entendimento.

Por tudo isto se diz que “o silêncio também fala”, “o silêncio é de ouro”, “o silêncio é a alma do negócio”.

No entanto, alerto eu, o silêncio não é um lugar feito à medida de todos porque requer isolamento, introspecção e raciocínio, e é incompatível com autofóbicos e claustrofóbicos.

O silêncio é uma seara de pensamentos à espera de serem segados, colhidos, debulhados e transformados em alimento nutritivo, para quem não lhe tem fobia e sabe reconhecer-lhe os benefícios.

EMANUEL LOMELINO

Inverno - Adriana Mayrinck

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A burocracia era um labirinto gelado, denso como o nevoeiro de Schaerbeek. Marcos começou a se encolher por dentro, perdido entre formulários, entrevistas e negativas. O frio tornava-se uma prisão de vidro. Mariana, envolta em sua rotina, não via que ele murchava em silêncio.

Vagava sozinho enquanto ela dedicava-se ao novo projeto. Visitava locais turísticos como um estranho em terra de ninguém. Fotografava sombras, mas não via beleza. Em cada clique, um pedido de socorro disfarçado de arte.

Em casa, Mariana oferecia amor em gestos pequenos. Mas cada vez mais, ele se afastava. Não era Bruxelas que o afastava. Era o eco da impossibilidade — e o silêncio crescente entre os dois.

EM - IDÍLIO EM FRAGMENTOS - ADRIANA MAYRINCK - IN-FINITA

quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

No fundo do baú 57 - Emanuel Lomelino

Toda a arte é dual. Pode ser objectiva ou arbitrária; inspiradora ou castradora; provocadora ou rasa; alegre ou melancólica; séria ou lúdica; satírica ou insonsa; deliciosa ou intragável; imortal ou efémera; contagiosa ou lacónica; bela ou monstruosa; etc, etc, etc…

Em outras ocasiões é polissémica. Pode ser início, meio e fim; tudo, nada e alguma coisa; abstrata, genérica e indefinida; excêntrica, estranha e rebelde; catarse, prazer e vício; etc, etc, etc…

A arte pode ser tanto e de tantas formas, dependendo de quem a vê e do modo como a entende.

Já foram tantos aqueles que dissertaram sobre a arte que é impossível dizer quem se aproximou mais da verdade. No entanto, para mim, a observação mais pertinente foi feita por Johann Goethe quando disse este quase paradoxo: "Não existe meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte, e não há forma mais segura de se unir a ele do que a arte".

EMANUEL LOMELINO

O paraíso são as memórias (excerto 5) - Tita Tavares

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E os compêndios, ainda que consumidos pelo estímulo de muita prosa às refeições, eram insuficientes para satisfazerem a minha curiosidade. Quanto às cerejas, sempre exerceram sobre mim um fascínio invulgar. Delas fazia brincos, cujo ar ataviado que emprestavam às orelhas me enchia de vaidade. E o seu sabor, ao degustá-las, não se ficava atrás do resplendor do seu enfeite. Em minha opinião, assemelham-se. Quando boas, são gostosas e refrescantes tal como uma boa conversa.

EM - O PARAÍSO SÃO AS MEMÓRIAS - TITA TAVARES - IN-FINITA

terça-feira, 23 de dezembro de 2025

No fundo do baú 56 - Emanuel Lomelino

Planto as sementes dos sossegos de cada instante dócil com a esperança de um abraço inquebrável entre as raízes e a terra fértil. Há um desejo inviolável de frutificar os rebentos da brandura como quem quer muscular a vontade.

Rego os caules de serenidade com as cristalinas águas da calmaria plácida que pacifica os frémitos pulsares da inquietude. Há um segredo por revelar em cada broto que rasga, entre sorrisos e sonhos, o ventre do solo maternal.

Nos limites da inocência, entre a lucidez mansa e a loucura pacata, sussurro palavras meigas e brandas à planta que desponta. Há um aroma meloso a impregnar-se na sensibilidade dos sentidos apurados, como uma essência virgem a deambular no etéreo silêncio de pasmos e espantos.

Por fim colho as flores da solidão, com as pétalas pintadas de paz e céu, de trégua e mar, de nirvana e nada. Enlaço um buquê inteiro com a delicadeza de pai orgulhoso e realizado. Esta primavera, fora de estação, apazigua-me as lágrimas e cicatriza-me os lamentos. Então, condensa-se em mim a honradez da criação e o mundo volta a ser um lugar de pausa e restauro.

Eis-me agricultor de palavras e armistício.

EMANUEL LOMELINO

Do Brasil à Suíça (excerto 5) - Samaritana Pasquier

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Ele era uma personalidade política conhecida na região. Minhas irmãs falavam dele com muito orgulho, pois ele era muito apreciado por sua inteligência. Era autodidata, o que lhe permitiu ser reconhecido como advogado provisionado. Conhecia as leis, sobretudo aquelas relacionadas aos litígios de terra. Quando os camponeses lhe confiavam seus problemas jurídicos, ele podia representá-los diante da justiça.

EM - DO BRASIL À SUÍÇA - SAMARITANA PASQUIER - IN-FINITA

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

No fundo do baú 55 - Emanuel Lomelino

Imagem retirada da internet

Já começa a ser um acto repetitivo, como todas as repetições que cometo na vida, mas que posso eu fazer, Fernando, se sinto que és o único a quem posso falar do alto das minhas esquizofrenias.

Na minha mente tenho toda uma biblioteca de assuntos pertinentes, dúvidas recorrentes, perguntas delirantes, e diálogos por fazer. E quando recorro a ti, através das diferentes personalidades de nós, soltam-se-me os adjectivos mais esconsos como fossem exemplos do mais nivelado saber.

Conversar contigo é uma forma, talvez a mais fácil e confortável, de tentar expurgar a incompletude dos meus raciocínios, tão menores que os teus, numa tentativa, porventura, vã, de engrandecer as minhas pobres virtudes criativas.

Mas sossega, Fernando heteronímico, que, com as devidas vénias, jamais me proclamarei teu discípulo, como muitos fazem – alguns de forma leviana e fraudulenta. Ao contrário desses, não caio na ilusão da fama indevida porque, tal como lembrou outro autor, que também não é meu mestre, mas admiro – Victor Oliveira Mateus – a fama pouco mais é que uma estátua de bronze onde os pombos depositam meticulosamente os seus dejectos.

E até nisto, Fernando, tu és único, pois o teu bronze foi colocado numa cadeira para descansares e destacaram alguém para te lustrar todos os dias de modo a estares perfeito em todas as selfies.

EMANUEL LOMELINO

domingo, 21 de dezembro de 2025

No fundo do baú 54 - Emanuel Lomelino

De forma simplista, pensar na vida é vital para identificar problemas, analisar hipóteses, definir prioridades, arranjar soluções, ponderar consequências e avaliar benefícios e prejuízos.

A questão complica-se quando passamos à prática. A cabeça fica a mil, embrenhada em pensamentos oportunos, mas desgastantes porque pensar na vida é como jogar uma partida de xadrez – exige várias jogadas de antecipação.

Para cada problema identificado devem ser ponderadas várias soluções, para cada solução devem ser analisadas várias hipóteses, para cada hipótese devem ser consideradas todas as consequências, para cada consequência devem ser definidas várias prioridades. E cada solução origina um novo problema, cada hipótese demanda nova solução, cada consequência exige nova hipótese, cada prioridade causa nova consequência.

Hoje pensei tanto nos vários problemas que preciso solucionar que quase colapsei!

Definitivamente, já não tenho agilidade mental suficiente para jogar o xadrez da vida. Prejuízo maior.

EMANUEL LOMELINO

sábado, 20 de dezembro de 2025

No fundo do baú 53 - Emanuel Lomelino

Recomeçar, uma e outra vez, não traz mal algum ao mundo. Voltar à estaca zero e tentar fazer melhor faz parte do jogo da vida. O desafio maior é aprender a jogar à medida que avançamos, passo a passo, com um objectivo fixo em mente. Reiniciar a caminhada é uma nova oportunidade de reconhecer erros e procurar melhores soluções. Tenta-se e volta-se a tentar, as vezes que forem necessárias, e cada nova tentativa significa resiliência, perseverança, combatividade. Mantendo a mente focada, pouco importa o cansaço físico.

Os chavões são claros e fáceis de entender. O problema é colocar em prática toda a extensão teórica. Sim, o corpo fica cansado, mas recupera. Já a mente. Por mais blindada que seja, não há como evitar a perturbação das nódoas de fracasso que se acumulam e acabam por, paulatinamente, manchar o ânimo. A vontade pode ser férrea, mas o ferro enferruja e, mais dia menos dia, acaba por partir. E essa noção, por si só, já é abalo suficiente.

Egoisticamente, o que nos salva é sabermos que há, por aí, alguém bem mais abalado pela vida.

EMANUEL LOMELINO

Chegada - Adriana Mayrinck

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O som dos alto-falantes anunciava chegadas e partidas como sussurros do destino. No aeroporto, Mariana apertava as mãos com força. Não sabia se conseguiria encarar Marcos após tanto tempo. Mas ao vê-lo, com a mochila nas costas e os olhos cheios de mar, ela correu. E ele, sem pensar, largou tudo e a abraçou.

O reencontro teve gosto de cerveja artesanal e chocolate. Passaram dias em um pequeno apartamento no centro de Bruxelas, entre lençóis e promessas sussurradas. Caminharam de mãos dadas, dividiram batatas fritas, riram das pequenas diferenças como se o mundo fosse deles. Dois meses intensos de muita paixão, caminhos percorridos de bicicleta, passeios por lugares cinematográficos, alegrias e estranhezas.

Em um fim de semana, falaram de futuro. "E se você viesse morar aqui de vez?", ela perguntou. Marcos não respondeu. Mas sorriu — e nesse sorriso morava um abismo.

EM - IDÍLIO EM FRAGMENTOS - ADRIANA MAYRINCK - IN-FINITA

sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

No fundo do baú 52 - Emanuel Lomelino

As noites são vazias de tudo. Vazias de sono, de pensamentos, de sons, de cor. Apenas vácuo como se a vida estivesse em piloto automático, mas sem rumo definido nem propósito.

Abraço o silêncio e a almofada sem motivo concreto ou necessidade aparente. Apenas um gesto instintivo sem sentido, como todos os movimentos indistintos que faço. Talvez sejam espasmos do ser autómato que agora sou.

Deixo-me ficar esticado e imóvel sobre a cama à espera de que o desconforto ou o tédio me belisquem. Apenas fico e aguardo que o balão encha e a paciência, cujo paradeiro desconheço, estoire e preencha o nada que me envolve.

Nada. Absolutamente nada. Até que o primeiro raio de sol me lembra que tenho os olhos abertos e chegou o tempo de, simplesmente, fazer-me ao dia e deixar a vida carregar-me neste sonambulismo.

EMANUEL LOMELINO

O paraíso são as memórias (excerto 4) - Tita Tavares

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Voltei à porta para colocar a corrente de segurança, não fosse a Ritinha entrar de rompante e encontrar-me naquele esparrame de pensamentos.
No quarto, virado a poente, àquela hora, já a intensidade com que o Sol fazia penetrar os seus raios era própria de quem não tardaria em despedir-se. Mas, ainda assim, o calor que libertavam era suficiente para me aquecer a alma predispondo-me à letargia.

EM - O PARAÍSO SÃO AS MEMÓRIAS - TITA TAVARES - IN-FINITA