segunda-feira, 18 de agosto de 2025
O branco e a preta (excerto 10) - Pedro Sequeira de Carvalho
domingo, 17 de agosto de 2025
Prosas de tédio e fastio 93 - Emanuel Lomelino
Prosas de tédio e fastio
93
Quando o tema de conversa é a Vida, existem quase tantas definições aplicáveis como gente no mundo. Para uns é isto, para outros é aquilo, para alguns é aqueloutro, para os demais é assim, para poucos é assado, para os restantes talvez não seja nada disso ou tudo junto.
Um dos aspectos comuns a todas as opiniões, mas sempre esquecido, ou melhor dito, nunca lembrado, é o facto de a Vida também ser uma unidade de tempo variável e os relógios que a medem sermos todos nós, com a particularidade de raramente estarmos no mesmo estágio de medição, porquanto cada um tem a Vida à sua medida.
A maior diferença da Vida para as outras unidades de medida do tempo é a sua perecibilidade. Enquanto os anos, os meses, as semanas, os dias, as horas, os minutos e os segundos serão eternos e existirão para lá da existência de cada um, a Vida, na especificidade aqui explicada, termina com a morte daquele a quem serviu.
Seguindo esta linha de raciocínio, pode-se aferir que cada Vida é tão única como as impressões digitais.
Assim sendo, à pergunta:
- O que é a Vida?
Pode-se responder:
- A Vida é… pessoal e intransmissível.
EMANUEL LOMELINO
sábado, 16 de agosto de 2025
Devaneios sarcásticos 26 - Emanuel Lomelino
Devaneios sarcásticos
26
Nesta bruma cerrada escondem-se os limites das sombras que nos fogem ao olhar e os enganos vestem-se camuflados de farol.
Nesta neblina fechada escondem-se os finais de tarde que, nem os mais furtivos raios de sol conseguem iluminar.
Nesta névoa trancada escondem-se as margens vampirescas que se mascaram de anjos para levar-nos ao precipício.
Neste nevoeiro selado escondem-se as barreiras da ilusão com o simples e matreiro propósito de nos ocultar os embustes.
Nesta cortina de fumo espesso escondem-se as armadilhas sedentas de sangue, de quem, com esperança e boa-fé, se deixa guiar.
Os véus do engodo aproveitam-se da cegueira dos tolos e inocentes, como se o prejuízo dos desavisados fosse a única e suprema via para matar a fome da cobiça desmedida e cobarde.
EMANUEL LOMELINO
O futuro nos espera... (excerto) - Aline de França
sexta-feira, 15 de agosto de 2025
Prosas de tédio e fastio 92 - Emanuel Lomelino
Prosas de tédio e fastio
92
Pesa-me mais o cansaço dos passos dados em vão do que os quilos de horas que se acumulam nas pernas. Nesses intermináveis momentos de fadiga, o corpo dorido implora pelo mergulho na calmaria do sentir e pede para ser anestesiado por uma qualquer chuva de verão fora de época.
Ofegante é o desejo de permanecer imóvel, sem obrigação de estender os braços aos céus em preces de mudança. Há um pedido mudo que se revela uma necessidade imperativa de ver o voo das pombas brancas, mas o mundo continua a girar inclemente.
O crepúsculo já não é de paz e serenidade porque paira no ar uma cãibra que ignora a urgência de sossego e vazio. As madrugadas são lençóis de lava e as noites prolongam as vigílias inoportunas. O sono é picotado por cada som dos megafones motorizados que fazem derrapagens tão imprudentes quanto estridentes.
Então vem a alvorada com marcas no rosto porque o sol que nasce não é novo, mas sim o pleonasmo do anterior – mais passos em vão e horas acumuladas nas pernas.
Assim passam os dias que enrugam a pele e gritam a monotonia cruel costurada nos caminhos. Uns chamam-lhe destino, outros creem ser fado. Isto é apenas o desassossego da vida e há mortes mais dramáticas.
EMANUEL LOMELINO
Ondas de paz e contentamento (excerto 3) - Maria Helena J. Pereira
quinta-feira, 14 de agosto de 2025
Devaneios sarcásticos 25 - Emanuel Lomelino
Devaneios sarcásticos
25
Não existem muitos estudos sobre a matéria e quase todos pecam pela escassez informativa, sendo pouco esclarecedores.
Não há consenso quanto à forma de classificar este género de transtorno porque a multiplicidade de sintomas não permite deduzir se estamos perante uma tendência patológica ou uma perturbação mental. Esta dificuldade deve-se ao facto de existirem diferentes graus de manifestação do fenómeno, sempre dependente de cada infectado.
Sabe-se que é um vício. Uma dependência incontrolável que, mesmo detectada precocemente, é difícil de combater porque a ciência, ao contrário do que fez com outras adições, ainda não conseguiu identificar uma origem concreta e universal. Os únicos factos comprovados são que, em nenhuma circunstância, e apesar de ser uma condição pandémica, não há casos de regressão, apenas de progressão, mas não se conhecem casos de mortalidade associada, logo, não tem características malignas.
Assim sendo, não existindo fármacos nem tratamentos paliativos específicos, recomenda-se que todos os adictos diagnosticados prossigam as suas vidas dentro da normalidade que a sua compulsão pela escrita permite, até que se descubra um antídoto.
EMANUEL LOMELINO
quarta-feira, 13 de agosto de 2025
Prosas de tédio e fastio 91 - Emanuel Lomelino
Prosas de tédio e fastio
91
Cansado de frases feitas e clichés de ocasião, o corpo embrulha-se em si mesmo e chora todas as dores – as que tem, as que sente, e as que estão por vir.
Nesse recolhimento não há verde nem outra cor qualquer que mascare a palidez da derme triste e dormente. Só escuridão absoluta e isenta de compaixão.
Assim retraído, procura defender-se das inclementes chuvas metafóricas e mordazes que não cessam de ferroar, como ponteiros no extremo da agudeza e perversidade.
Quanto mais se fecha, na sua redoma sem escudo, mais expostas ficam as cicatrizes que o abraçam, e mais abertas ficam as feridas que o retraem.
O processo repete-se tantas vezes que acaba por transformar-se num círculo vicioso e o corpo cede ao inevitável, converte-se à dor instituída e deixa de sentir…
EMANUEL LOMELINO
O branco e a preta (excerto 9) - Pedro Sequeira de Carvalho
terça-feira, 12 de agosto de 2025
Pensamentos literários 41 - Emanuel Lomelino
Pensamentos literários
41
Nesta loucura de mim, reflexo das piscadelas de olho dos meus (apurados?) sentidos, cravo todos os verbos auxiliares de memória e construo uma história sem futuro, mas intemporal.
Como criador que sou (e me sinto?) abro o kamasutra de possibilidades ilimitadas do estro (se o tenho!) e desenho a inconveniente postura de um adjectivo concreto, para expurgar o iodo das sentenças enfermas e, assim, eliminar a linha condutora dos raciocínios exactos que me invadem.
Enquanto autor de incoerências e paradoxos redundantes, mergulho na liquidez de um pensamento firme e dou-lhe características plásticas, como quem mastiga a dor de uma revelação insonsa - de cuja falta de encanto pode germinar a frase mais contundente e acintosa.
Há propósito nos casamentos que imponho às palavras porque de nada servem as solteiras, prenhes de solidão gramatical e mais susceptíveis ao embuste e ao narcisismo.
Acredito na desformatação das fórmulas e no aniquilamento do óbvio (advérbios e derivações!) em detrimento – que não substituição – dos recursos assessórios, que não os simples e básicos, porque essenciais e necessários.
Creio na encriptação metafórica e na irónica exploração dos verbos regulares, como quem personifica uma multitude de gestos comprometedores.
Por isso, todos os meus textos podem ser explicados numa única e definitiva frase, quando não por apenas uma singela palavra.
EMANUEL LOMELINO
segunda-feira, 11 de agosto de 2025
Prosas de tédio e fastio 90 - Emanuel Lomelino
Prosas de tédio e fastio
90
Ao contrário de todos os outros sentimentos, acho que o medo ainda me espera no inesperado.
Não tenho medo de répteis, roedores ou gosmas, apenas asco e repugnância. Não tenho medo de agulhas, ou outros instrumentos pontiagudos.
Não tenho medo da solidão porque a procuro. Não tenho medo do vazio porque me preencho. Não tenho medo do escuro porque me atrai. Não tenho medo de gritos porque os ignoro. Não tenho medo de falinhas mansas porque desconfio. Não tenho medo de traições porque as sinto. Não tenho medo da desilusão porque prevejo. Não tenho medo do futuro nem da morte porque os desconheço.
Não tenho medo de monstros, bestas, feitiços, crenças, seitas ou outras criações fantasiosas da humanidade porque também as sei criar.
Tenho vertigens, mas nunca me recuso subir ao penhasco mais alto e íngreme porque sou combativo mesmo sentindo angústia e desconforto.
Dizem que o medo dá arrepios, também a febre. Dizem que o medo faz tremer, também o frio. Dizem que o medo faz suar, também o ginásio. Dizem que o medo deixa a garganta seca, também a sede. Dizem que o medo dá nós no estômago, também a fome. Dizem que o medo gera apreensão, também a pobreza. Dizem que o medo causa ansiedade, também as drogas. Dizem que o medo acorda os sentidos, também o sexo. Dizem que o medo origina desconfiança, também a política. Dizem que o medo provoca lágrimas, também a cebola. Dizem que o medo assusta, também eu.
EMANUEL LOMELINO
Construção de um legado (excerto) - Aline de França
domingo, 10 de agosto de 2025
Pensamentos literários 40 - Emanuel Lomelino
Pensamentos literários
40
O meu modo de criação é distinto e dá-me imenso trabalho, porque sou um autor estranho.
Leio uma frase, escuto uma conversa, oiço uma música, vejo uma imagem, e logo acende-se em mim uma estranha necessidade, impossível de controlar, de desenvolver a ideia.
Estranhamente, chamo os meus vizinhos dicionários, sondo verbos, adjectivos e substantivos, estudo sinónimos e antónimos, examino advérbios e pronomes, pesquiso significados e curiosidades, enfim, faço trabalho de laboratório. Experimento conceitos, construo frases, burilo daqui, pinto dali, desenho acolá, escrevo e reescrevo até que o texto me informe da sua disponibilidade para ir ao forno, secar a tinta e temperar o aço que o sustenta. E espero…
Espero que o sujeito – meu ortónimo (mais estranho que eu) – decida se deve ou não divulgar o que escrevi. Quando há aval positivo, ele pré-agenda e tudo fica em suspenso, até à data de publicação.
O processo faz com que exista uma grande distância temporal entre o dia que vê nascer o texto e o momento em que lhe é dado sentir a luz da visibilidade.
Este texto, escrito hoje, certamente só terá leitores daqui a um mês, ou mais. Ou devo dizer: este texto que escrevi há um mês, ou mais, só está a ser lido hoje.
Seja qual for a forma correcta de expressar a ideia, de uma coisa tenho certeza: por causa do pré-agendamento, dependendo do ritmo de criação, só saberão da nossa morte – minha e do ortónimo obsessivo-compulsivo – meses depois de acontecer. E isso será um estranho prolongamento da nossa vida. Uma espécie de imortalidade temporária.
EMANUEL LOMELINO
Ondas de paz e contentamento (excerto 2) - Maria Helena J. Pereira
sábado, 9 de agosto de 2025
Prosas de tédio e fastio 89 - Emanuel Lomelino
Prosas de tédio e fastio
89
Em certos dias, mais incertos do que a dúvida existencial, derrama-se sobre mim um desejo de não ter necessidade de extravasar, nas palavras que de mim se manifestam, a síntese de tudo o que esta mente, insaciavelmente, cria e inventa.
No cansaço dos dias modorrentos, e de outros mais fugidios, verte-se-me uma vontade de não precisar juntar verbos aos complementos; sujeitos aos predicados; advérbios às conjunções, que se formam, como hera incómoda e selvagem, e não consigo conter nas margens do anonimato.
Na fadiga das horas morrentes, e outras mais cheias, espalha-se sobre mim uma ânsia de dizimar este imperativo clamor de expelir as histórias que despontam a cada olhar, a cada som, a cada angústia, a cada pensamento, como quem sangra as debilidades do que não controla.
Nesses dias de lassidão e pouca pachorra, inundo-me de repulsa pelo assombro e inconveniência das palavras que germinam em mim e não sei como deixar aprisionadas nas prateleiras do descaso, como quem se renega três vezes diante da morte anunciada.
Na inabilidade de mim, em frustrar a criação, aborta-se-me sobre os ombros a força e querer de abdicar deste estro que não pedi e alguns juram que tenho.
E tudo isto porque, por mais absurdo que possa soar e parecer, mesmo sendo eu o criador, o que crio não me define e eu não me escrevo.
EMANUEL LOMELINO
sexta-feira, 8 de agosto de 2025
Epístolas sem retorno 40 - Emanuel Lomelino
Doutor Sigmund,
Sou tão paradoxo como o Fernando. Só não dei nomes às minhas esquizofrenias, como ele, genialmente, fez, porque decidi assumir os meus delírios de personalidade e concentrá-los num só indivíduo. Assim, só se enferma e destrói um corpo.
Tal como ele – o Fernando – também escrevi sobre tudo e em vários registos, no entanto, heteronimizar os meus devaneios seria demasiado penoso e confuso, pela exigência de criar – além da criação que partilhamos – outros que, sendo eu, não passariam de pedaços minúsculos, pequenos fragmentos residuais, logo, sinopses perfeitas de redundância, e eu prefiro ser personagem ortónimo, por isso único, independente e lacónico.
Neste quesito, sou como o outro Pessoa – o Joaquim – que, quando questionado sobre as razões de, em determinado momento do seu excelso percurso, escrever num estilo e não noutros, respondeu que a sua escrita já tinha passado por todos os registos possíveis e não tinha de provar mais nada.
Adoptei este conceito – do Joaquim - e uso-o para justificar a descontinuidade de alguns temas na minha paleta criativa. Já provei que sei escrever sobre eles, ponto final.
E dou graças aos céus por não ter um heterónimo associado a essas temáticas arquivadas, no tempo que já foi, porque isso implicaria ter de inventar uma morte fictícia para um pleonasmo ambulante irreal.
Indivisível
Emanuel Lomelino
O branco e a preta (excerto 8) - Pedro Sequeira de Carvalho
quinta-feira, 7 de agosto de 2025
Prosas de tédio e fastio 88 - Emanuel Lomelino
Prosas de tédio e fastio
88
Cada nova alvorada é um renascimento de oportunidades: uma proposta de ar respirável; um atestado de continuidade; uma declaração de intenções; uma moção de confiança; e uma promessa por cumprir.
A cada amanhecer, nasce-me a vontade de roubar a linearidade dos dias e construir outro tempo, menos volúvel e frívolo. Cresce-me o desejo de eliminar as súplicas do corpo cansado, abrir as asas ao horizonte e estender a toalha dos sonhos por concretizar.
A cada aurora, rejuvenesce-me o apetite de seduzir os raios de sol, como quem se prostra à beleza sagrada – porque perfeita – e cegar os caóticos medos que deambulam na mente, transformando-os em memórias esquecidas. Renova-se-me a sede de enfeitiçar o voo das aves, recolher o mel das cores vívidas e abraçar o arco-íris, como quem espanta os males por vir.
A cada madrugada, brota-me, dos olhos, um sorriso de confiança estoica no correto dedilhar de mais um instante de vida. Jorra-me um concerto de esperanças e fantasias por realizar, como estrela que guia os meus passos mais trémulos e imprecisos, rumo ao apogeu de mim.
E nos dias em que não me cumpro, morro-me ao pôr-do-sol.
EMANUEL LOMELINO
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Prosas de tédio e fastio 87 - Emanuel Lomelino
Prosas de tédio e fastio
87
Paira sobre mim, como auréola cintilante, uma angústia arrítmica que sinto, mas não vejo nem identifico. Sei que acompanha todos os meus passos e preenche todos os meus pensamentos, desde a alvorada bocejante até ao crepúsculo soporífero.
Para agravar a situação, sinto crescer-me nas costas duas asas de preocupação, que não conseguirão levitar-me – inúteis.
Tento decifrar a origem do sentimento para afastar de mim esta permanente vertigem, entre o desconforto e o vazio, que rouba o foco e a energia.
Olho em redor, como quem grita aos ventos pelo consolo de uma resposta que tarda em chegar, e nada vejo que sossegue a ânsia de outros ares, outros espaços, outros tempos.
Nos ouvidos sinto a pressão de um zumbido surdo e vago que inunda a mente de silêncio, como fosse um mar sem ondas nem rebentação.
Para impedir que eu descubra as razões deste incómodo e obrigar-me a voltar ao início de tudo, eis que tenho uma pedra no sapato, e preciso livrar-me dela. Oxalá que ao atirá-la para longe a angústia a acompanhe e, em mim, o alívio tome o seu lugar.
EMANUEL LOMELINO