Em
certos dias, mais incertos do que a dúvida existencial, derrama-se sobre mim um
desejo de não ter necessidade de extravasar, nas palavras que de mim se
manifestam, a síntese de tudo o que a minha mente, insaciavelmente, cria e
inventa.
No
cansaço dos dias modorrentos, e de outros mais fugidios, verte-se sobre mim uma
vontade de não precisar juntar verbos aos complementos; sujeitos aos
predicados; advérbios às conjunções, que em mim se formam, como hera incómoda e
selvagem, e não consigo conter nas margens do anonimato.
Na
fadiga das horas morrentes, e outras mais cheias, espalha-se sobre mim uma
ânsia de dizimar este imperativo clamor de expelir as histórias que despontam a
cada olhar, a cada som, a cada angústia, a cada pensamento, como quem sangra as
debilidades do que não controla.
Nesses
dias de lassidão e pouca pachorra, inundo-me de repulsa pelo assombro e
inconveniência das palavras que germinam em mim e não sei como deixar
aprisionadas nas prateleiras do descaso, como quem se renega três vezes diante
da morte anunciada.
Na
inabilidade de mim, em frustrar a criação, aborta-se sobre os meus ombros a
força e querer, de abdicar deste estro que não pedi e alguns juram que tenho.
E
tudo isto porque, por mais absurdo que possa soar e parecer, mesmo sendo eu o
criador, o que crio não me define e eu não me escrevo.
EMANUEL LOMELINO