terça-feira, 23 de dezembro de 2025
Do Brasil à Suíça (excerto 5) - Samaritana Pasquier
segunda-feira, 22 de dezembro de 2025
No fundo do baú 55 - Emanuel Lomelino
Já começa a ser um acto repetitivo, como todas as repetições que cometo na vida, mas que posso eu fazer, Fernando, se sinto que és o único a quem posso falar do alto das minhas esquizofrenias.
Na minha mente tenho toda uma biblioteca de assuntos pertinentes, dúvidas recorrentes, perguntas delirantes, e diálogos por fazer. E quando recorro a ti, através das diferentes personalidades de nós, soltam-se-me os adjectivos mais esconsos como fossem exemplos do mais nivelado saber.
Conversar contigo é uma forma, talvez a mais fácil e confortável, de tentar expurgar a incompletude dos meus raciocínios, tão menores que os teus, numa tentativa, porventura, vã, de engrandecer as minhas pobres virtudes criativas.
Mas sossega, Fernando heteronímico, que, com as devidas vénias, jamais me proclamarei teu discípulo, como muitos fazem – alguns de forma leviana e fraudulenta. Ao contrário desses, não caio na ilusão da fama indevida porque, tal como lembrou outro autor, que também não é meu mestre, mas admiro – Victor Oliveira Mateus – a fama pouco mais é que uma estátua de bronze onde os pombos depositam meticulosamente os seus dejectos.
E até nisto, Fernando, tu és único, pois o teu bronze foi colocado numa cadeira para descansares e destacaram alguém para te lustrar todos os dias de modo a estares perfeito em todas as selfies.
EMANUEL LOMELINO
domingo, 21 de dezembro de 2025
No fundo do baú 54 - Emanuel Lomelino
De forma simplista, pensar na vida é vital para identificar problemas, analisar hipóteses, definir prioridades, arranjar soluções, ponderar consequências e avaliar benefícios e prejuízos.
A questão complica-se quando passamos à prática. A cabeça fica a mil, embrenhada em pensamentos oportunos, mas desgastantes porque pensar na vida é como jogar uma partida de xadrez – exige várias jogadas de antecipação.
Para cada problema identificado devem ser ponderadas várias soluções, para cada solução devem ser analisadas várias hipóteses, para cada hipótese devem ser consideradas todas as consequências, para cada consequência devem ser definidas várias prioridades. E cada solução origina um novo problema, cada hipótese demanda nova solução, cada consequência exige nova hipótese, cada prioridade causa nova consequência.
Hoje pensei tanto nos vários problemas que preciso solucionar que quase colapsei!
Definitivamente, já não tenho agilidade mental suficiente para jogar o xadrez da vida. Prejuízo maior.
EMANUEL LOMELINO
sábado, 20 de dezembro de 2025
No fundo do baú 53 - Emanuel Lomelino
Recomeçar,
uma e outra vez, não traz mal algum ao mundo. Voltar à estaca zero e tentar
fazer melhor faz parte do jogo da vida. O desafio maior é aprender a jogar à
medida que avançamos, passo a passo, com um objectivo fixo em mente. Reiniciar
a caminhada é uma nova oportunidade de reconhecer erros e procurar melhores
soluções. Tenta-se e volta-se a tentar, as vezes que forem necessárias, e cada
nova tentativa significa resiliência, perseverança, combatividade. Mantendo a
mente focada, pouco importa o cansaço físico.
Os
chavões são claros e fáceis de entender. O problema é colocar em prática toda a
extensão teórica. Sim, o corpo fica cansado, mas recupera. Já a mente. Por mais
blindada que seja, não há como evitar a perturbação das nódoas de fracasso que
se acumulam e acabam por, paulatinamente, manchar o ânimo. A vontade pode ser
férrea, mas o ferro enferruja e, mais dia menos dia, acaba por partir. E essa
noção, por si só, já é abalo suficiente.
Egoisticamente, o que nos salva é sabermos que há, por aí, alguém bem mais abalado pela vida.
EMANUEL LOMELINO
Chegada - Adriana Mayrinck
sexta-feira, 19 de dezembro de 2025
No fundo do baú 52 - Emanuel Lomelino
As noites são vazias de tudo. Vazias de sono, de pensamentos, de sons, de cor. Apenas vácuo como se a vida estivesse em piloto automático, mas sem rumo definido nem propósito.
Abraço o silêncio e a almofada sem motivo concreto ou necessidade aparente. Apenas um gesto instintivo sem sentido, como todos os movimentos indistintos que faço. Talvez sejam espasmos do ser autómato que agora sou.
Deixo-me ficar esticado e imóvel sobre a cama à espera de que o desconforto ou o tédio me belisquem. Apenas fico e aguardo que o balão encha e a paciência, cujo paradeiro desconheço, estoire e preencha o nada que me envolve.
Nada. Absolutamente nada. Até que o primeiro raio de sol me lembra que tenho os olhos abertos e chegou o tempo de, simplesmente, fazer-me ao dia e deixar a vida carregar-me neste sonambulismo.
EMANUEL LOMELINO
O paraíso são as memórias (excerto 4) - Tita Tavares
quinta-feira, 18 de dezembro de 2025
No fundo do baú 51 - Emanuel Lomelino
A escrita, na forma mais introspectiva e individual, seja por catarse ou lazer, deve conter elementos diferenciados. E esses surgem com o uso frequente e continuado de ferramentas e habilidades que auxiliem o acto criativo a atingir diferentes patamares qualitativos.
Praticar a escrita com regularidade ajuda a perceber a infinitude de variantes que podem ser exploradas ao criar-se um texto. Qualquer tema pode ser desenvolvido de distintos modos, dependendo dos conceitos propostos, das ideias aplicadas e, acima de tudo, da disponibilidade do autor em colocar-se perante alguns desafios, por mais vulgares ou espalhafatosos que possam parecer.
Quando um autor se consciencializa de que nem tudo o que escreve tem validade qualitativa para ser publicado, ou exposto aos olhos dos leitores, e que o treino ajuda no aperfeiçoamento, a sua mente interioriza a legitimidade do processo e, mais tarde, acaba por aplicar, de modo instintivo, os esquemas aprendidos.
Contrariando o que escrevi anteriormente, mas apenas como exemplo, caros leitores, verifiquem atentamente, com os vossos olhos de ver, como apliquei estes conceitos, que nada possuem de virtuosismo, e vos entrego um texto que, sendo apenas um exemplo dos treinos que faço e pratico com regularidade, para exercitar a vertente criativa, foi escrito e concebido, deliberadamente, sem utilizar palavras com acentos.
Passou-vos despercebido? Podem conferir com uma nova leitura. Enquanto isso, vou ali exercitar-me mais um pouco.
EMANUEL LOMELINO
Do Brasil à Suíça (excerto 4) - Samaritana Pasquier
quarta-feira, 17 de dezembro de 2025
Epístolas sem retorno 48 - Emanuel Lomelino
Mestre Anton
Escrever dentro de parâmetros minimalistas torna-se, cada vez mais, uma tarefa hercúlea, tantos são os detalhes a que devemos atentar.
No entanto, o problema maior para o criador é ajustar esse minimalismo entre duas balizas: a primeira resultante daquilo que pretende transmitir; a segunda proveniente daquilo que pode ser determinado pela percepção dos leitores.
Ao libertar as letras de excessos descritivos como quem dispensa o supérfluo, o criador perde o controlo sobre as possibilidades interpretativas dos leitores e coloca-se a jeito para análises diametralmente opostas ao seu propósito inicial.
Mesmo aceitando que a diversidade interpretativa de um texto exponencia-o, não deixa de ser verdade que a múltipla significação, ou pluralidade de sentidos, transforma os textos naquilo que nunca foram, longe dos desígnios base da sua criação e intensões.
Nos dias correntes, mais do que em épocas distantes, esta questão coloca em risco a criação e, acima de tudo, o próprio criador, uma vez que fica sujeito a ser entendido pela interpretação que fazem das suas palavras e a ser etiquetado de acordo com as mesmas interpretações.
Hoje, quem lê, já não o faz com espírito lúdico ou de aprendizagem. Simplesmente está à procura de um “deslize” vocabular que, retirado do contexto, possa colocar o criador no centro de discussões éticas, em polémicas ideológicas e/ou filosóficas, porque o mundo transformou-se num espaço bipolarizado e são as controvérsias que o fazem girar.
Na escrita, minimizar pode, ao contrário do que seria lógico e natural, maximizar oposicionismos.
Simplesmente
Emanuel Lomelino
terça-feira, 16 de dezembro de 2025
No fundo do baú 50 - Emanuel Lomelino
Neste dia de faxina nos destroços de mim, entre passagens de espanador nas prateleiras da revolta e borrifos desinfectantes nos espelhos do conformismo, encontro o tapete das memórias puídas sobreposto às lembranças dolorosas de uma realidade que eu próprio ocultei.
Neste dia de limpar os escombros de mim, desengorduro a loiça dos gestos impensados, vejo o meu reflexo envelhecido nos talheres curvados pela dureza dos dias e redescubro os fios rombos das facas que apunhalaram os desejos que eu próprio descartei.
Neste dia de higienizar os entulhos de mim, purifico os lençóis de lágrimas nunca vertidas, lavo as fronhas tecidas com linhas de insónia e emendo os cobertores da inércia com retalhos da sujeição que eu próprio alimentei.
Neste dia de limpeza e expurgação de mim, vejo no brilho dos espelhos reciclados a verdade nua e crua: há muito que vagueio somente pelas margens da vida.
EMANUEL LOMELINO
segunda-feira, 15 de dezembro de 2025
No fundo do baú 49 - Emanuel Lomelino
O banho limpa das poeiras acumuladas, mas o pesado
sarro das horas intermináveis continua grudado na pele e emperra os sentidos
que pedem clemência. Nem o sabão consegue descontaminar o corpo dorido. Os
braços, com duas tonalidades de bronze porque o sol só queima onde não há
manga, contrariam a gravidade e as mãos, com a mistura de escaras antigas e
recentes, já não têm agilidade para se transformarem em punhos de revolta. As
pernas rangem pela montanha de esforço despendido e os pés, coitados, gritam misericórdia
por terem suportado tudo sozinhos.
Mas a mente, apesar de tão ou mais fatigada que todos os membros juntos, é quem manda e pede mais umas passadas de sacrifício para se ir comprar qualquer coisa para restabelecer as forças e, assim, evitar pensar nos novos pelos brancos que avistou no rosto cansado e que o espelho denunciou.
EMANUEL LOMELINO
Encontro - Adriana Mayrinck
domingo, 14 de dezembro de 2025
No fundo do baú 48 - Emanuel Lomelino
Por vezes a ansiedade supera a imperativa urgência de
resposta imediata e as intensões ficam por cumprir. A mente como que bloqueia e
as acções ficam presas na vontade, como se uma força hipnótica tomasse as
rédeas da vida.
O primeiro impulso é abraçar a inércia e deixar-se
envolver no vazio de ficar sem chão para caminhar. A energia esvai-se como um
sopro rápido e o vigor evapora com o calor da perplexidade de ficar de calças
na mão.
O corpo quer recolher-se sobre si mesmo e a razão
finge não existir por sentir-se culpada e não querer agravar a desfaçatez cruel
de um instante de infâmia e desonra.
Com a desorientação encavalitada nos ombros, as costas vergam sob o peso da vergonhosa incapacidade de reverter o destino traçado e, tal como no jogo da glória, mais uma vez, regressa-se à casa de partida – lugar, há muito, indesejado.
EMANUEL LOMELINO
O paraíso são as memórias (excerto 3) - Tita Tavares
sábado, 13 de dezembro de 2025
No fundo do baú 47 - Emanuel Lomelino
Farto-me de rir com a preocupação da moda centrada na
inteligência artificial. Fala-se do tema e toda a gente fica histérica com a
possibilidade de as máquinas substituírem os humanos, e choram, e gritam, e
esperneiam, e…
E ninguém atenta que nada disto é novo, tudo começou
com a chamada revolução industrial e tem sido a humanidade, geração após
geração, a encontrar formas de manter as estruturas sociais convenientes ao seu
funcionamento.
E o percurso da humanidade fez-nos chegar a este
momento temporal em que aparece a geração Z, que roça a inutilidade por, apesar
de ser mais instruída, não ser capaz de entender que a vida é bem mais do que
lutar por ideais e combater o sistema.
Porventura, não é esta geração que contesta a
“escravidão” horária das profissões modernas? Não são estes génios das causas
que querem impor um regime alimentício diferente para que deixemos de ser
aquilo que somos por natureza: omnívoros?
Ora, para que tudo isso seja possível, é preciso
desprogramar a humanidade e arranjar quem nos substitua nas actividades que só
existem porque somos como somos. O mesmo é dizer: venha daí a inteligência
artificial.
No entanto, rejubilem, o processo será longo porque
ainda não foi encontrada solução para que o nosso sistema digestivo e dentição
ganhem a robustez herbívora necessária.
E queiram os deuses que, entretanto, não haja um cataclismo digital. Se tal acontecer estamos tramados porque esta geração vai ter um colapso nervoso e passará a chamar-se geração zombie.
EMANUEL LOMELINO
Do Brasil à Suíça (excerto 3) - Samaritana Pasquier
sexta-feira, 12 de dezembro de 2025
No fundo do baú 46 - Emanuel Lomelino
Carl Jung alertou para as características viciantes do
silêncio e para as consequências que essa adição provoca naqueles que enferma.
Concordo que o silêncio vicia e que há efeitos visíveis nos que usam o silêncio
como uma forma de estar e entender a vida. No entanto, no desenvolvimento da
ideia, tenho de manifestar opinião contrária à tese de Jung.
Para começo de conversa, a minha primeira discordância
com o psiquiatra suíço está na catalogação deste estado como sendo uma doença.
Talvez por não ser psiquiatra, creio ser abusivo classificar todo e qualquer
comportamento, lateral aos convencionalismos, como doença. Chamem-lhe desvio,
excentricidade, rebeldia, bizarria, mania, exotismo, capricho, ou qualquer
outro substantivo, mas não doença.
Na explicação de Jung, os viciados em silêncio ficam tão deslumbrados com a sensação de paz que tendem a perder interesse na interação com os humanos. Neste ponto creio que a análise foi feita em contramão. Os amantes do silêncio não perdem interesse nas interações por sentirem paz, mas sim, sentem paz, quando estão em silêncio, por terem interagido em demasia. O silêncio acaba por transformar-se no único remédio eficaz para alcançar paz e reverter a toxidade das relações com os outros.
EMANUEL LOMELINO
quinta-feira, 11 de dezembro de 2025
No fundo do baú 45 - Emanuel Lomelino
Há uma tendência mística para qualificar todos os
seres. Existem ligações aos elementos da natureza: água, terra, fogo, ar e o
éter (clássicos); e aos atómicos: sólido, líquido, gasoso e plasma.
Se fizermos a ligação entre os elementos da natureza e
os atómicos vamos encontrar correspondências lógicas: água/líquido, ar/gasoso,
terra/sólido, fogo/plasma. E o éter?
Se pensarmos nas características do quinto elemento,
os seres de éter são vazios, logo completos pela natureza do nada, do vácuo, de
não-matéria.
Deste modo, e enquanto os cientistas continuam à procura de provas irrefutáveis que confirmem a existência do éter, talvez distinto dos conceitos divinos consagrados pelos filósofos, podemos concluir que os seres etéreos não existem ou, quanto muito, são confundidos na essência e, identificar alguém como ser de éter, é uma presunção descabida que roça a imbecilidade. E imbecis existem, tal como os buracos negros.
EMANUEL LOMELINO
quarta-feira, 10 de dezembro de 2025
No fundo do baú 44 - Emanuel Lomelino
O maior inimigo de quem escreve é o ócio; aquilo que alguns chamam como falta de inspiração, mas eu prefiro apelidar de preguiça criativa.
Aqueles que se dedicam, de alma e coração, à escrita, desenvolvem técnicas e hábitos que deixam a mente sempre pronta para desenvolver um texto.
Aqueles que consagram o acto de escrever, fazem uso de diversos exercícios que fortalecem a espontaneidade de ordenar palavras, com desenvoltura e em qualquer circunstância.
Aqueles que, de forma regular, dão vida e utilidade aos seus raciocínios, sabem que anotar os pensamentos ajuda a criar memória e fluência na criação.
Aqueles que doam o seu tempo às palavras, sabem que nem tudo o que se escreve tem valor para ser público, mas não ignoram a importância dos textos deficitários no desenvolvimento criativo.
Aqueles que souberam criar hábitos regulares de escrita, treinaram a mente, exercitaram géneros e conceitos, guardaram rascunhos e textos medíocres, nunca são acometidos pela preguiça criativa, bem pelo contrário, até escrevem sobre o “nada” da mesma forma fluída como fazem quando escrevem sobre “tudo”.
EMANUEL LOMELINO