terça-feira, 11 de novembro de 2025

No fundo do baú 19 - Emanuel Lomelino

É tão, absurdamente, fácil ficarmos retidos nos muros das dúvidas e esquecermos os malefícios da inércia quando optamos por encontrar uma estrela guia em vez de desbravarmos as heras que cobrem os caminhos.

É tão, insanamente, fácil ficarmos paralisados diante dos rochedos das incertezas e olvidarmos o propósito que nos devia mover quando decidimos encontrar um trilho que nos leve ao topo do obstáculo em vez de procurar contorná-lo.

É tão, ridiculamente, fácil ficarmos parados defronte do oceano de hesitações e ignorarmos os desígnios que levam a prosseguir quando nos fixamos no medo de afogamento em vez de fabricar o remo que falta à embarcação que nos pode levar à outra margem.

É tão, insensatamente, fácil ficarmos iludidos nos jardins do sedentarismo e alegarmos um propositado embargo à nossa missão quando não temos confiança suficiente na alternativa e fingimos que tudo faz parte do plano.

É tão, humanamente, fácil ficarmos abismados nas florestas de indefinições e perdermos o controlo das prioridades quando desviamos o foco dos nossos intentos e nos deixamos enredar pela desproporcionalidade entre o esforço necessário e o prémio que nos espera no final da jornada.

EMANUEL LOMELINO

Queridas mulheres (excerto) - Ana Correia

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Acredito que tenho uma qualidade que todas as mulheres de sucesso têm em comum: a persistência. Se a pessoa tem um único objetivo, que é o fim, ela não evolui ao longo do processo. Quem tem isso claro em mente não desiste, independente dos obstáculos e dificuldades que possam surgir ao longo do percurso.

EM - MULHERES QUE CRUZARAM OCEANOS - COLETÂNEA - IN-FINITA

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

No fundo do baú 18 - Emanuel Lomelino

Sabes Mundo, vive em mim uma empatia pelas lutas que travas na actualidade e revejo-me em muitos dos novos conceitos que agora defendes, porque os considero importantes e revestidos de lógica irrepreensível.

Mas, responde-me Mundo, por que razão a execução das ideias boas vem sempre atrelada a acções que desvirtuam a pureza do que professas? Como justificas a defesa das liberdades com a criação de outros cárceres? Qual a legitimidade de suprimir pensamentos retrógrados com ameaça e perseguição? Em que medida é correcto punir quem deseja validar as filosofias modernas através do diálogo? Porventura, esta atitude de imposição não te faz relembrar os tempos sombrios que viveste? Acaso esqueceste a história que te trouxe até este momento?

Sabes Mundo, um dia inventaste um adágio, mas algures deixaste de acreditar na moral que comporta. E porque “de boas acções está o inferno cheio” acho que decidiste revelar-te como o inferno na terra, em tempo real. É assim tão complicado derrubar muros sem o uso de argumentos e posturas bélicas? É assim tão difícil abdicar de condutas conflituosas? É impossível mudar as coisas sem refregas abertas e permanentes?

Sabes Mundo, por vezes dou por mim a pensar na tendência repetitiva que tens revelado ao ferires-te amiúde, como fosses a definição de masoquismo. O meu temor é que, enveredando por este caminho de trevas constantes, acabes por cogitar a possibilidade de mudares a tua dieta e te tornes autofágico.

EMANUEL LOMELINO

Ondas de paz e contentamento (excerto 20) - Maria Helena J. Pereira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Primeiro, antes de começar a caminhar, sugiro que fique parado, de pé, a observar a sua respiração. Se estiver um pouco acelerada, faça três ou mais respirações profundas, inspirando pelo nariz e deite o ar fora pela boca, com um suspiro, deixando sair as tensões. Comece a acalmar a respiração e sinta como o ritmo cardíaco também se acalma e a mente também.

EM - ONDAS DE PAZ E CONTENTAMENTO - MARIA HELENA J. PEREIRA - IN-FINITA

domingo, 9 de novembro de 2025

No fundo do baú 17 - Emanuel Lomelino

O mundo desembaraçou-se de absolutismos geográficos, ditaduras físicas e embargos cerebrais em nome da evolução da espécie, no entanto, agora erguem-se muros de intolerância, fronteiras de radicalismo, extremismos de carácter.

Saímos de dois milénios de dogmas e estigmas para mergulharmos numa era de paradigmas irracionais e verdades forjadas apenas porque tudo deve ser desmoronado, mesmo o que deveria estar solidificado.

Mudou-se o cimento autoritário pelo despotismo cimentado. Substituiu-se a imposição da força pela força da imposição. Trocou-se a luta por liberdade pela liberdade de lutar. Alterou-se a defesa de valores pelos valores de ataque.

O mundo transformou-se num gigantesco paradoxo em tão ínfimo espaço de tempo que temo estarmos a caminhar para a loucura coletiva.

Tudo isto faz-me lembrar a história verídica daquele que foi diagnosticado com obsessão compulsiva por, a toda a hora, desinfetar-se da cabeça aos pés. Todos o recriminaram e chamaram de louco, e no momento em que saiu do sanatório, terminado o tratamento forçado e dado como recuperado, o mundo passou a esfregar-se com álcool gel.

EMANUEL LOMELINO

sábado, 8 de novembro de 2025

No fundo do baú 16 - Emanuel Lomelino

Odeio que façam algo em meu lugar, tampouco gosto de adjudicar trabalhos a terceiros, porque os “voluntários” e “solícitos” julgam que qualquer uma das situações faz de nós eternos devedores de um favor que nunca foi pedido, e por vezes até já foi pago.

Odeio as frases feitas porque são sinais de alerta para a presença de alguém que nada de novo tem para acrescentar, por preguiça de formular uma opinião própria.

Odeio as conversas de circunstância que só existem para expressar o quão insonsa é a comunicação entre os envolvidos e servem apenas para matar o tempo até que algo interessante aconteça a um dos intervenientes.

Odeio as perguntas que exigem uma resposta monossilábica, porque demonstram o completo desinteresse do questionador sobre o questionado.

Odeio os exaustivos e enfadonhos discursos, multitemáticos, proferidos na sequência de uma pergunta concreta e objectiva, como se a questão fosse abstrata e abrangente.

Odeio a falsa exacerbação dramática e a exaltação excessiva de regozijo, porque ambas padecem de exagero tão desmedido quanto desnecessário.  

Odeio os elogios fáceis porque são os mesmos que fazem a outros. O elogio devia ser como um cartão de cidadão ou bilhete de identidade: pessoal e intransmissível.

Odeio tantos outros comportamentos de incoerência, mas não tenho tempo para detalhá-los como estivesse a compilar uma tetralogia sobre gente de múltiplas máscaras.

EMANUEL LOMELINO

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

No fundo do baú 15 - Emanuel Lomelino

Lê-se um texto, uma frase, e algo aciona o elo do código genético responsável pela necessidade criativa.

Ouve-se uma sentença, uma palavra, e algo despoleta a vontade de inventar uma história e contá-la como se de uma verdade absoluta se tratasse.

Escuta-se uma música, um som, e algo faz nascer o desejo de dar ritmo metafórico às palavras.

Sente-se o parto de um pensamento, uma ideia, e algo aponta os caminhos a serem trilhados para a parição do texto.

Sempre que acometido por uma destas singularidades, brota de mim a arte mais absurda de sentido.

Sempre que iluminado pelas forças invisíveis do estro, germina de mim o espírito peregrino de uma conjugação verbal.

Sempre que desafiado pela obsessão criativa, floresce de mim a dissertação mais fluída e natural.

Sempre que invadido pelo interruptor do entendimento, jorra de mim o conceito mais aleatório da razão que me alimenta.

EMANUEL LOMELINO

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

No fundo do baú 14 - Emanuel Lomelino

Na dúvida do que está por vir e enquanto não surge a certeza do futuro, embrenho-me na escrita, tal qual a penso e sinto, mas sempre na esperança de que cada mote se justifique por si mesmo, sem me explicar.

Não falo de mim nem me denuncio, porque sou abstrato, livre e obcecado pela minha privacidade. Antes crio meadas que teço com os fios velhos que reaproveito. Antes burilo gemas sem brilho que encontro nos troços que percorro. Antes cultivo as sementes do raciocínio, que é comum ao mais comum dos mortais. Antes cinzelo ideias universais com a perícia de quem desconhece tudo, mas suspeita. Antes refino o carvão dos sentidos e dou corpo de diamante às palavras que uso. Antes lavro pensamentos vulgares com fitas coloridas e enfeitadas de verdades.

Depois sou engolido pela noção errada das interpretações que me fazem por ser avaliado pelo que escrevo, como se isso, de alguma forma imperativa, pudesse definir o meu mais recôndito, misterioso e oculto interior.

O homem existe, somente, na intimidade de mim e para conhecimento de quem está próximo. O que está além disso é apenas sombra e o instrumento que dá corpo ao autor. 

Esse sim, encontra-se, em toda a plenitude e substância, regido pelo devaneio de dar a conhecer a sua capacidade instintiva de criar a partir do zero. Esse sim, tal qual um heterónimo, merece interpretação, nunca pelo que é, mas pelo que constrói com o estro vulgar que detém e trabalha.

EMANUEL LOMELINO

Kuala Lumpur: Coragem (excerto) - Rafaela Graf

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Quando me formei, estava vivendo o que muitos consideravam um sonho. Trabalhava em uma das startups mais renomadas da cidade, meu trabalho era constantemente elogiado e, no final da graduação, ganhei o prêmio de melhor monografia. Mas, apesar disso, havia sempre uma voz dentro de mim dizendo que eu não merecia tudo aquilo.

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quarta-feira, 5 de novembro de 2025

No fundo do baú 13 - Emanuel Lomelino

Há um contragosto fatigado e dorido que fere a vontade de mudança rumo ao júbilo.

Existe uma feroz tristeza, que é real e inibe o ambicioso desejo de subir, degrau após degrau, até patamares mais ousados.

Permanece a inoportuna febre que restringe as passadas necessárias para que o arrojo triunfe.

Há um fúnebre cansaço que pesa no corpo como quem proíbe uma progressão legítima e impede o regozijo da glória.

Permanece uma indolente escravidão, sem grilhões, mas bem mais carcerária que as celas de Alcatraz, que dificulta a mais insignificante conquista.

Há uma fragilidade prenhe de restrições que prende os movimentos suaves e singelos, como quem maniata os avanços mais naturais e precisos.

Existe um melancólico acanhamento do ânimo que, pouco a pouco, desfalece por inércia imposta pelas punitivas circunstâncias de todos os dias.

Permanece o insucesso do querer por imposição de um dever odiado, mas crucial para que as metas sejam cruzadas.

Há, existe e permanece um temor ofegante de que todo o esforço despendido seja inócuo e em vão.

EMANUEL LOMELINO

Ondas de paz e contentamento (excerto 19) - Maria Helena J. Pereira

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Depois de assentar completamente no chão o pé da perna que avançou é a vez de, conscientemente, dar um passo em frente com a outra perna seguindo os mesmos princípios, isto é apercebendo-me dos músculos e articulações envolvidos e sensações associadas.

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terça-feira, 4 de novembro de 2025

Epístolas sem retorno 45 - Emanuel Lomelino

Agatha Christie
Imagem pinterest

Digníssima Agatha,

Neste mundo cibernético ou, como ousa dizer-se comummente, neste mundo digital, passado que está o período de novidade, constata-se que, entre benefícios e prejuízos, o maior impacto reflete-se na fusão entre a realidade e o virtual.

Por mais que ouçamos vozes da razão, cheias de legítimas intenções e, sobretudo, boas pretensões, essas não passam de murmúrios sussurrados porque, na prática, ninguém quer ser visto, neste novo paradigma de anonimato selvagem, como cordeiro.

Cultivou-se um género de necessidade básica de pertencer a uma horda opinativa, seja qual for a opinião defendida – que não defensável –, como de pão para a boca, porque a fome de visibilidade é insaciável.

O que ninguém ou muito poucos percebem é que o ciberespaço, tal como se apresenta e é usado, ao contrário da obra de Machado de Assis, é coisa que não edifica mas destrói.

Agatha, dissertar sobre este assunto é um exercício fastidioso por natureza, contudo, imagino como seria a sua vida se a internet coexistisse com a sua obra. Só não sei quantos energúmenos, ao ler trechos dos seus livros, apresentariam queixas formais às autoridades por suspeitarem que, por tanto escrever de roubos, assaltos e mortes, estaria envolvida no crime organizado. Tampouco sei quantos encheriam as suas caixas de comentários e mensagens com vernáculo ofensivo, apenas porque a horda funciona desse jeito.

Curioso

Emanuel Lomelino

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

No fundo do baú 12 - Emanuel Lomelino

Nasce-se para se morrer, independentemente daquilo que se fizer no intervalo.

Já nasci e morri tantas vezes que a cronologia natural desses feitos deixou de fazer sentido.

Todas as mortes foram diferentes, enquanto os nascimentos foram tremendamente dolorosos para mim, com excepção do primeiro, cujas dores nem recordo.

Nasci e morri de tantas formas distintas que, em algumas delas, senti-me um personagem de Lovecraft.

Foram tantos os partos que nem deu tempo para fazer certidões de nascimento, porque as mortes estavam ao virar da esquina.

Foram tantos os óbitos que nem a necrologia conseguiu acompanhar e ninguém foi notificado.

Morri e renasci tantas vezes que já nem gato sou.

Com tantas parições e falecimentos foi-me permitido confirmar que, por mais que se faça tudo certinho em cada vida, de múltiplas e diferentes formas possíveis, nunca seremos capazes de impedir o desfecho final. E essa circunstância implica que no final das contas, o número de nascimentos será sempre igual ao de mortes.

EMANUEL LOMELINO

domingo, 2 de novembro de 2025

No fundo do baú 11 - Emanuel Lomelino

É preciso abrir os olhos, para lá dos limites da fisionomia, para avistarmos tudo aquilo que, pintado com as cores da nossa inocência, nada mais é que engodo e simulação.

É preciso ver além do alcance da vista para entendermos como estes espectros furtivos, que nos iludem na invisibilidade das intensões, são seres de carácter pérfido, dissimulado, vil.

É preciso atenção microscópica e redobrada para entendermos quão elásticas (como interesseiras) são as aproximações que nos fazem, dependendo da utilidade, ou falta dela, que nos outorgam.

É preciso dar uso a toda a prudência, que a natureza nos emprestou, para sabermos quando sugam o ar que nos mantém ou sopram o veneno que nos intoxica, como insecticida.

É preciso reparar que, quase sempre, os benefícios de um ombro, que vislumbramos como gesto puro e sincero, são maças armadilhadas de gentileza encantatória e enganadora.

É preciso enxergar para lá do horizonte mais próximo e observar a distância mais remota para vermos com clareza o quão camufladas são as pretensões daqueles que, com vozes sussurradas, nos entoam aos ouvidos cantos de sereia.

EMANUEL LOMELINO

sábado, 1 de novembro de 2025

No fundo do baú 10 - Emanuel Lomelino

O ar não é respirado em uníssono e as palavras deixaram de ser comuns. Contudo, mesmo que os olhos pouco, ou nada, se cruzem ainda temos os corações que batem do mesmo jeito – arfantes, porque arrítmicos.

Os gestos não são sincronizados e os passos são dados em direcções opostas. No entanto, mesmo com as esperanças reduzidas a novas realidades, ainda temos o sentimento vivo – pulsante, porque presente.

As vontades não são conjuntas e os objectivos distanciaram-se no espaço. Todavia, mesmo com os sorrisos pálidos e tristes, ainda existe forte conexão – elo, porque une.

Os abraços são esporádicos e os beijos são doces memórias de outrora. Porém, mesmo sabendo que, tal como dizia Mia Couto, com outras palavras, “nos acendemos uns nos outros”, ainda ardem em nós as labaredas – fogo, porque ardente.

As mãos não estão entrelaçadas e as vidas voltaram a ser independentes. Apesar disso, mesmo sabendo que o futuro passou a ser dois, ainda temos a história que será sempre nossa – eterna, porque imortal.

EMANUEL LOMELINO

Petra Mãe (excerto) - Petra Munhoz

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Ser mãe sempre foi o meu maior sonho. Mas o caminho para a maternidade não foi fácil. Passei anos de tratamento, consultando os melhores médicos do país porque tudo conspirava contra esse meu sonho. Até que aos 25 anos, resolvi adotar um filho e adotei. A espera foi angustiante até que meu primeiro filho nasceu em Alfenas e a emoção que tive, ao sentir a presença dele nos meus braços é indescritível.

EM - MULHERES QUE CRUZARAM OCEANOS - COLETÂNEA - IN-FINITA

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Pensamentos literários 45 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

45

Quando os pensamentos querem ser vistos transfiro-os para um suporte e visto-os de palavras. Essas dão os braços, umas às outras, como numa roda de dança, e fluem a seu belo prazer sem a minha intervenção.

No início, na inocência do meu desconhecimento, mal se expunham, tentava dar-lhes um sentido mais legível, mas esse processo acabava, inevitavelmente, por lhes cortar o fluxo e, o que era uma ideia sólida, diluía-se no tempo com a busca da alternativa de discurso e perdia a força da mensagem base.

Com o tempo, e a experiência, aprendi a ser paciente e comecei a esperar o fim da transição para depois, então, fazer as alterações necessárias.

É por isso que, mais do que escrever, gosto da transpiração de limar verbos, raspar pontuação, desbastar complementos, cinzelar advérbios, polir sentenças.

E se me perguntarem a razão deste trabalho eu respondo que o meu cérebro é disléxico e tem sempre muita dificuldade em estar sincronizado com os pensamentos que lê.

EMANUEL LOMELINO

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

No fundo do baú 9 - Emanuel Lomelino

Não existe falácia na ânsia causada por um silêncio violado pela maliciosa verve, intencionalmente impostora, que fere de garras afiadas os órgãos mais frágeis, como lâmina aquecida a perfurar matéria inflamável.

Não há remorso nas labaredas que beijam os sentidos na esperança de postular uma cauterização lenta até ao cessar dos dias, como a queda num precipício infindo.

Ninguém percebe a vontade intrínseca do sal líquido derramado como consequência do fétido ardor que um verbo pode causar quando penetra o interior imaculado – como floresta virgem - isento de mágoas e nódoas.

Ninguém entende a extensão dos danos perpetrados pela radioatividade das palavras ácidas, propositadamente regurgitadas como cuspidela traiçoeira de um réptil mal-intencionado.

Ninguém compreende o desgosto de um tímpano ferido de inverdades. Há um mórbido desejo de surdez permanente, que é herético, mas apetecido como água fresca em dia desértico.

EMANUEL LOMELINO

Ondas de paz e contentamento (excerto 18) - Maria Helena J. Pereira

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Na caminhada, o importante é estarmos completamente atentos à forma como nos movimentamos: o movimento de levantar o pé, a perna, levar o pé à frente e pousar o pé no chão. São três fases: levantar o pé, movê-lo para a frente e pousá-lo no chão.

EM - ONDAS DE PAZ E CONTENTAMENTO - MARIA HELENA J. PEREIRA - IN-FINITA

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

No fundo do baú 8 - Emanuel Lomelino

Quando os vidros e espelhos se transformam em estilhaços espalhados de modo arbitral no solo roído pelos passos de outrora, não estão sós e isolados. Ficam na companhia da caliça que já foi reboco; de alguns tufos de pelos com proveniência incerta; de heras que se atreveram a romper o betão para despontar entre as frestas de um chão que já foi imaculado; de pedaços de mosaicos quebradiços que a passagem do tempo libertou; de fragmentos de papel retalhado e amarelado pelo mofo; de poeira bafienta originária de múltiplas fontes; de lascas de madeira caídas de armários descoloridos e empenados, cujas portas estão seguras por uma única dobradiça enferrujada; de uma poça de água choca que, volta e meia, é alimentada pela goteira que o telhado esburacado deixou formar, e por onde entram aves para o descanso nocturno ou para se protegerem.

Todo este entulho de ruína e caos é cúmulo de memórias descartáveis que alguém – que pode ser plural – deixou para trás como estivesse a abandonar o mais irrelevante de si.

EMANUEL LOMELINO