terça-feira, 25 de novembro de 2025

No fundo do baú 30 - Emanuel Lomelino

Esqueçam tudo o que vos ensinaram sobre a diferença entre os humanos e os outros animais. Por muitas características diferenciadoras que encontrem, há uma que sobressai, mas ninguém a menciona porque nos é desfavorável.

Como tenho uma página inteira para preencher, vou dar algumas pistas antes da grande “revelação”.

Algum de vocês imagina uma leoa decidir, mesmo que apenas por um dia, não caçar?

Algum de vocês concebe a ideia de um salmão recusar nadar contra corrente até ao local de origem?

Algum de vocês consegue vislumbrar uma ave de rapina ignorar uma presa avistada a um quilómetro de distância?

Algum de vocês julga possível uma abelha postergar a recolha de pólen?

Algum de vocês acha viável o cancelamento da migração das orcas, dos gnus, ou dos pelicanos?

Eu podia continuar a fazer questionamentos semelhantes, mas a página está a ficar sem espaço e é chegada a hora de revelar a maior diferença entre humanos e outros animais.

A humanidade é a única espécie que dá uso à preguiça.

EMANUEL LOMELINO

Ondas de paz e contentamento (excerto 23) - Maria Helena J. Pereira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Enquanto as emoções negativas, tais como medo, ansiedade, insegurança (emoções associadas ao stress) provocam um ritmo cardíaco desordenado, as emoções positivas, como apreço, carinho, gratidão, compaixão produzem ritmos cardíacos, ordenados, harmoniosos, suaves.

EM - ONDAS DE PAZ E CONTENTAMENTO - MARIA HELENA J. PEREIRA - IN-FINITA

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

No fundo do baú 29 - Emanuel Lomelino

Sou tão paradoxo como o Fernando. Só não dei nomes às minhas esquizofrenias, como ele, genialmente, fez, porque decidi assumir os meus delírios de personalidade e concentrá-los num só indivíduo. Assim, só se enferma e destrói um corpo.

Tal como ele – o Fernando – também escrevi sobre tudo e em vários registos, no entanto, heteronimizar os meus devaneios seria demasiado penoso e confuso, pela exigência de criar – além da criação que partilhamos – outros que, sendo eu, não passariam de pedaços minúsculos, pequenos fragmentos residuais, logo, sinopses perfeitas de redundância, e eu prefiro ser personagem ortónimo, por isso único, independente e lacónico.

Neste quesito, sou como o outro Pessoa – o Joaquim – que, quando questionado sobre as razões de, em determinado momento do seu excelso percurso, escrever num estilo e não noutros, respondeu que a sua escrita já tinha passado por todos os registos possíveis e não tinha de provar mais nada.

Adoptei este conceito – do Joaquim - e uso-o para justificar a descontinuidade de alguns temas na minha paleta criativa. Já provei que sei escrever sobre eles, ponto final.

E dou graças aos céus por não ter um heterónimo associado a essas temáticas arquivadas, no tempo que já foi, porque isso implicaria ter de inventar uma morte fictícia para um pleonasmo ambulante irreal.

EMANUEL LOMELINO

domingo, 23 de novembro de 2025

No fundo do baú 28 - Emanuel Lomelino

Em certos dias, mais incertos do que a dúvida existencial, derrama-se sobre mim um desejo de não ter necessidade de extravasar, nas palavras que de mim se manifestam, a síntese de tudo o que a minha mente, insaciavelmente, cria e inventa.

No cansaço dos dias modorrentos, e de outros mais fugidios, verte-se sobre mim uma vontade de não precisar juntar verbos aos complementos; sujeitos aos predicados; advérbios às conjunções, que em mim se formam, como hera incómoda e selvagem, e não consigo conter nas margens do anonimato.

Na fadiga das horas morrentes, e outras mais cheias, espalha-se sobre mim uma ânsia de dizimar este imperativo clamor de expelir as histórias que despontam a cada olhar, a cada som, a cada angústia, a cada pensamento, como quem sangra as debilidades do que não controla.

Nesses dias de lassidão e pouca pachorra, inundo-me de repulsa pelo assombro e inconveniência das palavras que germinam em mim e não sei como deixar aprisionadas nas prateleiras do descaso, como quem se renega três vezes diante da morte anunciada.

Na inabilidade de mim, em frustrar a criação, aborta-se sobre os meus ombros a força e querer, de abdicar deste estro que não pedi e alguns juram que tenho.

E tudo isto porque, por mais absurdo que possa soar e parecer, mesmo sendo eu o criador, o que crio não me define e eu não me escrevo.

EMANUEL LOMELINO

sábado, 22 de novembro de 2025

No fundo do baú 27 - Emanuel Lomelino

Cada nova alvorada é um renascimento de oportunidades: uma proposta de ar respirável; um atestado de continuidade; uma declaração de intenções; uma moção de confiança; e uma promessa por cumprir.

A cada amanhecer, nasce-me a vontade de roubar a linearidade dos dias e construir outro tempo, menos volúvel e frívolo. Cresce-me o desejo de eliminar as súplicas do corpo cansado, abrir as asas ao horizonte e estender a toalha dos sonhos por concretizar.

A cada aurora, rejuvenesce-me o apetite de seduzir os raios de sol, como quem se prostra à beleza sagrada – porque perfeita – e cegar os caóticos medos que deambulam na mente, transformando-os em memórias esquecidas. Renova-se-me a sede de enfeitiçar o voo das aves, recolher o mel das cores vívidas e abraçar o arco-íris, como quem espanta os males por vir.

A cada madrugada, brota-me, dos olhos, um sorriso de confiança estoica no correto dedilhar de mais um instante de vida. Jorra-me um concerto de esperanças e fantasias por realizar, como estrela que guia os meus passos mais trémulos e imprecisos, rumo ao apogeu de mim.

E nos dias em que não me cumpro, morro-me ao pôr-do-sol.

EMANUEL LOMELINO

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

No fundo do baú 26 - Emanuel Lomelino

Paira sobre mim, como auréola cintilante, uma angústia arrítmica que sinto, mas não vejo nem identifico. Sei que acompanha todos os meus passos e preenche todos os meus pensamentos, desde a alvorada bocejante até ao crepúsculo soporífero.

Para agravar a situação, sinto crescer-me nas costas duas asas de preocupação, que não conseguirão levitar-me – inúteis.

Tento decifrar a origem do sentimento para afastar de mim esta permanente vertigem, entre o desconforto e o vazio, que rouba o foco e a energia.

Olho em redor, como quem grita aos ventos pelo consolo de uma resposta que tarda em chegar, e nada vejo que sossegue a ânsia de outros ares, outros espaços, outros tempos.

Nos ouvidos sinto a pressão de um zumbido surdo e vago que inunda a mente de silêncio, como fosse um mar sem ondas nem rebentação.

Para impedir que eu descubra as razões deste incómodo e obrigar-me a voltar ao início de tudo, eis que tenho uma pedra no sapato, e preciso livrar-me dela. Oxalá que ao atirá-la para longe a angústia a acompanhe e, em mim, o alívio tome o seu lugar.

EMANUEL LOMELINO

O crescimento da família e da empresa (excerto 2) - Regina Brandão

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Sonhar grande é essencial, mas compreender o valor do trabalho árduo e da perseverança é o que nos permite transformar esses sonhos em realidade. Buscamos conquistar a prosperidade necessária para garantir uma vida confortável e equilibrada, mas sem excessos.

EM - MULHERES QUE CRUZARAM OCEANOS - COLETÂNEA - IN-FINITA

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

No fundo do baú 25 - Emanuel Lomelino

Quando Júpiter, Thor e Zeus fizeram ribombar os céus, todas as divindades decidiram lançar, sobre a Terra, a promiscuidade para que humanos fossem livres como os deuses.

Mas de boas intenções, Plutão, Hades e Hel, estavam cheios, por isso acrescentaram livre-arbítrio à enxurrada divina, na certeza de que isso originaria conflito entre os mundos celestes e terrenos.

Então a humanidade sublevou-se e decidiu fundar outras religiões e dirigir os seus agradecimentos, pelos poderes divinos, aos deuses recém-criados.

Os deuses originais enfureceram-se e formaram o maior exército de bestialidades alguma vez reunido. Ares, Marte e Odin eram os generais e tinham sob o seu comando Cérbero, Kraken e Minotauro, entre outras aberrações divinas.

Mas, com o livre-arbítrio em seu poder, a humanidade, que agora conhecia, de olhos fechados, o poder de Nirvana, nada temeu e tratou da saúde dos deuses, um a um, através de ludíbrio, engodo, embuste e promessa de memória eterna aos titãs Atlas e Prometeu, seus progenitores, Ásia e Oceano, e aos semideuses Hércules, Atena, Apolo, Dionísio, Baco e Perseu.

Muitas foram as maleitas que acometeram os deuses primevos através das doses de humanidade venenosa que lhes foram servidas em cópias de Santo Graal, forjadas pelos Ciclopes enganados por Minerva.

A história é longa e contém muitas outras histórias que não cabem aqui neste espaço. No entanto, deve ser dito que, apesar da artimanha montada, Plutão, Hades e Hel, cujas cabeças foram cortadas, tal como feito com Medusa, não escaparam à astúcia humana e foram substituídos por Lúcifer, o actual senhor das trevas que nos ensombram.

EMANUEL LOMELINO

Ondas de paz e contentamento (excerto 22) - Maria Helena J. Pereira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Se o coração está num estado de elevada coerência, como quando uma pessoa está em meditação profunda, focada numa emoção elevada (tal como gratidão, alegria, amor, compaixão) o seu campo magnético é extenso e envolve, na frequência dessa emoção, quem está à volta. Se a emoção é alegria, carinho, apreço, gratidão, as pessoas à volta vão sentir essas emoções também.

EM - ONDAS DE PAZ E CONTENTAMENTO - MARIA HELENA J. PEREIRA - IN-FINITA

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Epístolas sem retorno 47 - Emanuel Lomelino

Axel Munthe
Imagem retirada da internet

Prezado Axel

Por mais obscura que seja a realidade, o papel do cronista consiste em relatar os factos, tal qual se apresentam, sem ocultar defeitos, erros ou imperfeições. Embelezar acontecimentos e circunstâncias é abraçar a ilusão; o engano; o logro.

Aqueles que decidem cobrir a face do real com a multifuncionalidade das palavras mais não são do que fantasistas; criadores de ficção; vendedores de banha da cobra.

Um cronista, na verdadeira ascensão do termo, tem de ser imune ao desejo que emprestar encanto ao que deve ser entendido, e visto, na plenitude da sua nudez; na totalidade da sua hediondez, por inteiro na sua crueza.

É incoerente querer pintar as palavras de cores quentes e dar-lhes brilho quando, elas, nascem das sombras mais escuras e gélidas. Cada coisa é reflexo do seu entorno e, a bem da verdade, não existe maior falácia no universo das letras do que a maquilhagem.


Empiricamente

Emanuel Lomelino

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Epístolas sem retorno 46 - Emanuel Lomelino

Fernando Pessoa
Imagem pinterest

Prezado Fernando,

Eu, invariável e intransmissível paradoxo de mim mesmo, confesso a opressão que sinto no peito quando cavalgo as searas de calcário multiforme, ou os tapetes de cimento, que me deixam embrenhar nas verdes edificações vegetais desta imensa cidade que, não sendo minha, me pertence.

Sinto-me asfixiado pela grandiosidade desta floresta de pedra, como se a megalómana largueza das avenidas e praças se estreitasse a cada passo dado. Que vício, o deste pequeno país à beira-mar plantado, de deixar ocupar, desproporcionalmente ao seu tamanho, todos os monumentos, antigos e modernos, que não me representando são um pouco a minha imagem.

Sinto-me estrangulado pela altivez dos gigantescos espelhos que refletem a modernidade edificada, como estivesse a ver, nos céus multiplicados, uma encenação da urbanidade liliputiana enquanto espera a chegada prevista de Gulliver.

Sinto-me sufocado pela exuberante beleza das estações que, ciclicamente, cobrem os solos com as tonalidades mais díspares, raras e feiticeiras, permitindo que os faunos esquilos se camuflem aos olhos de quem é, pelos deuses, privilegiado.

Durante anos senti-me tolhido, no pensamento, pela monstruosa desfaçatez do Olimpo, achando que tínhamos sido criados com a presunção de sermos os maiores, com a mania das grandezas, e termos mais olhos que barriga. Mas depois descobri que a própria natureza teve a ciclópica generosidade de nos dotar com esta vontade de querermos ser vistos pelo que fazemos e não pelo tamanho que temos, ao criar o Canhão da Nazaré.

Abismado

Emanuel Lomelino

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

No fundo do baú 24 - Emanuel Lomelino

De que serviria musicar um dia de sol com a alegria a dar ré por ter dó de si e deixar as outras notas no desconforto da solidão à espera de choverem, como se cada instante pertencesse a uma colcheia ou a um compasso, sem que existissem semibreves, pausas ou semínimas.

De que serviria pintar, numa folha de papel, as cores mais brilhantes de um arco-íris, se a paleta dos acasos só tem as tonalidades mais opacas e na palidez de um ápice não existe um pote de ouro, mirra ou incenso.

De que serviria untar as páginas de um caderno com as compotas do dia-a-dia, como quem barra manteiga na torrada, se o sabor de cada momento depende da fome que se tem, e às vezes uma fatia de pão seco é mais saboroso do que o repasto mais elaborado.

De que serviria temperar algumas frases, com as especiarias mais exóticas se a frescura das horas está no sal de uma lágrima, no mel de um sorriso, ou num olhar apimentado.

De que serviria escrever um diário, da forma tradicional que todos fazem, se fazê-lo implicaria dar nomes aos bois, e a outros jumentos, e perpetuá-los na história, enquanto o escrevente nunca alcançará melhor que o anonimato.

Mal por mal, é preferível pegar no absurdo acordeão das metáforas, rufar as gentilezas hiperbolizadas e tilintar os ferrinhos da ironia, porque o “querido diário” não é nada além de uma fanfarra eufemística, sem maestro, que só permite dançar quem saboreia o vinho de boa casta e desconhece a face do mosto, sem data, que lhe deu origem aleatória.

EMANUEL LOMELINO

domingo, 16 de novembro de 2025

No fundo do baú 23 - Emanuel Lomelino

Levantou-se um vento autoritário que varre tudo, inclusive a firmeza de ideias, qual censor desgaseificado.

Com a força do seu sopro, voam crenças, fés, certezas e uma ou outra resolução, que nem teve tempo para se vestir de gala porque, quando se perde a convicção, não vale a pena coser o bolso das calças.

Dizem que é tudo alteração climática, mas eu acho que é muito mais que isso. Sinto, na pele, que esta brisa desconfortável – que pica mais do que arame farpado ou agulhas de costureira – é uma onda de ar idiota e destemperado cuja missão é apenas instalar a discórdia.

Noutros tempos, talvez não tão humanos, mas com certeza mais, saudavelmente, filosófica, haveria espaço para debate produtivo sobre a matéria e, entre os vários argumentos, encontraríamos alguma solução pacífica para combater este fenómeno.

No entanto, as sociedades modernas abraçaram o sedentarismo extremo e a preguiça não permite o pensamento livre. Os conceitos válidos são os básicos, que não demandam raciocínio e vigora a lei de quem gritar mais alto tem razão.

O único ponto positivo de tudo isto é que já existem por aí muitos moinhos de vento e a produção de energia eólica pode vir a ficar mais em conta e assim vai ficar mais barato comprar calças e sapatos novos.

EMANUEL LOMELINO

O crescimento da família e da empresa (excerto 1) - Regina Brandão

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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A vida seguiu seu curso, os filhos cresceram e o apartamento já não comportava nossa família. Construímos nossa casa dos sonhos, com varanda, jardim e muito espaço para as crianças brincarem. Com a chegada do quinto filho, em 1989, nossa família estava completa.

EM - MULHERES QUE CRUZARAM OCEANOS - COLETÂNEA - IN-FINITA

sábado, 15 de novembro de 2025

No fundo do baú 22 - Emanuel Lomelino

Já ninguém acode ao “aqui d’el rei” porque quem manda é o umbigo e os aflitos de hoje são mais que as mães.

Já ninguém acredita no “olh’o lobo” porque deixaram de existir cordeiros e todos estão iludidos com a possibilidade de serem predadores.

Já ninguém aceita “descalçar a bota” porque os caminhos são pontiagudos e não há quem se dê ao trabalho de grandes trabalheiras.

Já ninguém quer saber das “pedras no sapato” porque os sapateiros são espécie em vias de extinção e as meias-solas estão fora de moda.

Já ninguém grita “fogo” porque, em vez de bombeiros, os primeiros a chegar são os inúteis alarmes ambulantes pixelizados, que desconhecem a existência de baldes e mangueiras e, tampouco sabem como se abre uma torneira, ou o que é uma boca de incêndio.

EMANUEL LOMELINO

Ondas de paz e contentamento (excerto 21) - Maria Helena J. Pereira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Como estamos a andar descalços, os pés são massajados pelo movimento. Há contato entre a planta do pé e a areia no fundo. Esse contato, durante a caminhada, constitui uma boa massagem. E porque nos pés há pontos de acupunctura de vários meridianos – rins, bexiga, fígado, baço, estômago e vesícula biliar – este contato e esta massagem, melhora a circulação da energia e do sangue, pois estimula esses meridianos.

EM - ONDAS DE PAZ E CONTENTAMENTO - MARIA HELENA J. PEREIRA - IN-FINITA

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Contos que nada contam 49 (Um dia de Verão) - Emanuel Lomelino

Um dia de Verão

O dia está soalheiro. Apenas alguns flocos de nuvens esbranquiçadas pontilham o céu azul. Num dos bancos do jardim, alguém folheia o jornal como quem não se surpreende com notícia alguma. Ao seu lado, uma senhora tricota, pachorrentamente, talvez um cachecol para o Outono que aí vem, ou uma manta para o rigor do distante Inverno. Mais adiante, na esplanada, fronteira ao quiosque, onde uma miscelânea de transeuntes se reveza num interesse fingido pelas parangonas, vários casais – com e sem crias – degustam lanches rápidos antes de voltarem aos seus afazeres diários. Junto ao lago, onde são inúmeros os jovens que se banham, há uma miríade de sujeitos (homens e mulheres) em trajes formais, com os olhares vidrados em tudo quanto lhes surge nos ecrãs pixelizados, que mantém presos nas mãos, como se a vida dependesse desses apetrechos, enquanto, de uma coluna portátil, em alto e bom som, saem notas distorcidas e vozes estridentes. Adultos, crianças e várias raças de canídeos, em diferentes ritmos e passadas, partilham um espaço relvado mais amplo e sem árvores, ladeados por uma faixa rubra asfaltada onde se mesclam distintos amantes do exercício físico.

No meio desta azáfama, de um dia de Verão, Fulgêncio, vestido com o seu fato de bombeiro, uma mochila de primeiros socorros suspensa nas costas e a transportar, com a ajuda do seu colega, a maca onde colocaram mais um desafortunado morador de rua, que retiraram do edifício devoluto que estava a ser consumido pelas chamas há, pelo menos, duas horas, perante o desinteresse generalizado, questiona-se se tem o poder da invisibilidade ou é apenas mais uma vítima da indiferença reinante.

EMANUEL LOMELINO

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

No fundo do baú 21 - Emanuel Lomelino

Não há mal algum em ser-se ambicioso, desde que haja plena consciência das dificuldades e não exista medo de enfrentar qualquer Adamastor que cruze o caminho traçado.

Não há inconveniente algum em ter-se objectivos desde que exista uma vontade férrea e inabalável de ultrapassar todos os obstáculos, por mais árdua que seja a tarefa.

Não há indolência alguma em querer alcançar-se determinadas metas, desde que exista total comprometimento e convicção da utilidade de cada jornada.

Não há arrogância alguma em desejar um aprimoramento pessoal, desde que exista clareza sobre a legitimidade daquilo que se pretende obter.

Só há problema quando não existe tolerância aos pequenos fracassos, boa capacidade de recuperação das inúmeras quedas que sempre acontecem, resistência às dores dos hematomas.

Só há entraves quando não existe ética de trabalho, grau de resiliência necessário para superar a grandeza dos desafios, sobriedade para distinguir as lutas que podem ser travadas.

Só há limites quando não existe espírito de sacrifício, determinação para aceitar os percalços como aprendizado, coragem para transformar as fraquezas em força renovada.

Só há embaraço quando não existe esperança em superar as próprias limitações, coerência nos passos que devem ser dados, humildade para aceitar voltar ao ponto de partida e recomeçar.

EMANUEL LOMELINO

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

No fundo do baú 20 - Emanuel Lomelino

Tento dedilhar a guitarra da vida, mas os acordes são disformes e não sou capaz de criar uma harmonia que não me fira os ouvidos. Definitivamente não sou músico.

Tento pintar a tela da vida, mas as pinceladas saem irregulares e não consigo acertar nas tonalidades, sombras e brilhos que contrastam com aquilo que quero retratar. Infelizmente não sou pintor.

Tento esculpir o rochedo da vida, mas os vértices que faço ficam rombos a cada passagem do escopro e a burilagem é tão desgastante que apenas consigo gravar migalhas. Compreensivelmente não sou escultor.

Tento refinar os troncos da vida, mas os sulcos que moldo são incompatíveis com os encaixes que modelo e os entalhes ficam tão amorfos que nem as fogueiras os querem como lenha. Miseravelmente não sou marceneiro.

Tento avigorar o ferro da vida, mas não tenho habilidade para dar à forja o calor suficiente para temperar o metal, que quebra na primeira martelada e o pesado malho trilha-me as mãos mais do que me fortalece. Categoricamente não sou ferreiro.

Perante tão humilhante incompetência, conclui-se que é a vida que me dedilha, pinta, esculpe, refina e avigora, e eu sou simplesmente a obra do seu ofício. 

EMANUEL LOMELINO

terça-feira, 11 de novembro de 2025

No fundo do baú 19 - Emanuel Lomelino

É tão, absurdamente, fácil ficarmos retidos nos muros das dúvidas e esquecermos os malefícios da inércia quando optamos por encontrar uma estrela guia em vez de desbravarmos as heras que cobrem os caminhos.

É tão, insanamente, fácil ficarmos paralisados diante dos rochedos das incertezas e olvidarmos o propósito que nos devia mover quando decidimos encontrar um trilho que nos leve ao topo do obstáculo em vez de procurar contorná-lo.

É tão, ridiculamente, fácil ficarmos parados defronte do oceano de hesitações e ignorarmos os desígnios que levam a prosseguir quando nos fixamos no medo de afogamento em vez de fabricar o remo que falta à embarcação que nos pode levar à outra margem.

É tão, insensatamente, fácil ficarmos iludidos nos jardins do sedentarismo e alegarmos um propositado embargo à nossa missão quando não temos confiança suficiente na alternativa e fingimos que tudo faz parte do plano.

É tão, humanamente, fácil ficarmos abismados nas florestas de indefinições e perdermos o controlo das prioridades quando desviamos o foco dos nossos intentos e nos deixamos enredar pela desproporcionalidade entre o esforço necessário e o prémio que nos espera no final da jornada.

EMANUEL LOMELINO