Ao longo do meu percurso no universo da escrita, com o
contributo que tento dar e apesar de muitas das minhas posições não merecerem
(ainda bem) a concordância da maioria dos outros intervenientes do panorama
cultural onde estou inserido, de vez em quando sou brindado com alguns convites
que, para além da honra que me conferem, têm implícita uma certa aceitação e/ou
aprovação dos caminhos que me tenho proposto seguir.
A honra mais recente foi o convite para prefaciar
RETRATO DE MIM, a IV Antologia da LLO - Letras da Lagoa de Óbidos; iniciativa
da criadora/administradora deste grupo facebookiano, Miká Penha.
Como é meu hábito, em circunstâncias idênticas,
durante a leitura dos textos (neste caso poesia), ponho de lado os conceitos
que utilizo nos meus actos de criação e, de forma imparcial e sem juízos de
valor pré-estabelecidos, procuro identificar os pontos de contacto entre os
diversos autores, e respectivos textos, para transmitir aos leitores da obra,
com o máximo de isenção e objectividade, uma visão centrada no colectivo.
Afinal, o trabalho do prefaciador de uma antologia é estimular o interesse dos
leitores na obra dando algumas indicações genéricas (linhas de orientação)
sobre o que podem encontrar deixando-lhes a tarefa de conferir aspectos mais
particulares.
Agora que já foi feito o lançamento do livro e existem
exemplares em muitas mãos posso despir a fato de prefaciador, readmitir os tais
conceitos que me são tão caros e expressar uma opinião como leitor. Para isso
creio que se justifica dizer que dos trinta e dois autores apenas conheço
pessoalmente três (sendo com dois deles meros contactos esporádicos) e já acompanhava,
minimamente, a escrita de quinze (glosei poemas de alguns deles).
A primeira nota de realce, que também anotei enquanto
prefaciador, é a ligação umbilical entre os textos e os respectivos autores.
Tendo por base o título da obra (RETRATO DE MIM) seria lógico que a
generalidade baseasse as suas criações em redor do EU poético, contudo, numa
leitura menos lúdica mas mais atenta, conseguem-se vislumbrar inúmeras ocasiões
em que os textos reflectem um carácter mais intimista, diria mesmo quase
confessional, e que nos transporta, no papel de leitores, para uma área de
análise diferente impondo-nos uma abordagem mais catártica dentro dos próprios
textos. Uns conseguem-no na perfeição, outros nem tanto.
Um segundo aspecto relevante nesta antologia, sendo um
dos atributos maiores e quase obrigatório neste género de obras, reside na
multiplicidade de estilos observados, quer na forma de encarar o EU poético
quer na, sempre saudável, diferença sensitiva que compõe a génese criativa de
cada autor.
Nesta obra colectiva encontramos as várias faces de
várias moedas, o mesmo é dizer opostos estilísticos; senão vejamos: temos
poesia rimada e sem rima, poesia com cunho clássico e mais moderno, discursos
densos e eruditos e outros mais telúricos e simplistas.
O mesmo pode ser dito em relação aos elementos
criativos de cada retrato; uns revelam o seu lado sentimental, outros expõem
mais a razão; uns expressam medos e ânsias, outros desvendam desejos e
esperanças; uns demonstram união com a natureza, outros são mais pele com pele
ou carne com carne. Esta diversidade é extensiva a outros aspectos e, depois de
ler a obra final já em formato de livro, fico com a dúvida se o primeiro poema
da antologia (“Ambivalência” de Miká Penha), onde a autora fala dos seus
opostos, foi propositadamente colocado nessa posição como forma de anúncio ao
que se segue ou se estamos perante um mero acaso feliz. É que, ao longo de todo
o livro, os leitores são colocados perante esses mesmos opostos, as várias
faces das várias moedas.
Todos os diferentes ângulos explorados isentam, o acto
de ler, de monotonia e permitem que, mesmo numa temática única, consigamos
encontrar pontos de interesse que incentivem a necessidade de prosseguir a
leitura; situação inversa à que muitas vezes encontramos ao ler livros com
assinatura individual.
É evidente que cada um de nós tem gostos diferentes
dos demais e eu (enquanto leitor não fujo a essa condição) tenho as minhas
preferências literárias que não me permitem dizer que fiquei deslumbrado com a
totalidade dos trabalhos apresentados. No entanto, o facto de alguns textos não
me cativarem em absoluto nunca me impediram de fazer, apesar dos meus
parâmetros de gosto, uma análise objectiva sobre aquilo que pode, ou não, ter
qualidade. Eu posso não gostar de um texto mas isso não significa falta de
qualidade; é apenas reflexo do meu gosto pessoal.
Dito isto e justiça seja feita, no cômputo geral, esta
antologia tem um nível da qualidade (substantivo discutível como sempre tenho
defendido) muito elevado mas, acima de tudo, é uma obra com um enorme grau de
coerência, apesar dos diferentes estilos e abordagens. É por esta última razão
que grande parte dos poemas deste livro estarão em destaque, no meu blogue de
divulgação de poesia lusófona - TOCA A ESCREVER, a partir de Maio.
MANU DIXIT