quinta-feira, 14 de abril de 2016

EU FALO DE... FILIGRANAS DE PALAVRAS


«Eu escrevo sobre o que sinto quando olho o mundo à minha volta».

Esta frase da autora Mena Santos, proferida no dia do lançamento do seu novo trabalho, FILIGRANAS DE PALAVRAS, realizado na Biblioteca Municipal das Caldas da Rainha, embora seja o seu argumento para justificar as razões que a levam a escrever torna-se demasiado redutor quando começamos a ler o livro.

Sendo certo que muitos dos poemas têm um cunho de análise e opinião pessoal sobre diversas situações da realidade de todos os dias; seja de exclusão social, abandono, violência, intolerância, abusos e/ou carências; não é menos verdade que a maioria dos textos apresentados, mesmo falando através dos seus sentimentos, são mais gritos de alma sobre assuntos de cariz pessoal; encontros e desencontros amorosos, ânsias, desejos e sonhos, ligação ao mais carnal, ligação ao mais espiritual e ligação à natureza.

Ao ler FILIGRANAS DE PALAVRAS fiquei com a nítida sensação que o conjunto de textos que compõem este livro funcionam mais como uma odisseia interior em busca de respostas para as dúvidas da autora, enquanto mulher, amiga, amante, mãe, ser humano.

Com um ritmo muito próprio (uma respiração só sua) Mena Santos consegue, em poemas longos mas de versos curtos, dar corpo e alma aos seus pensamentos, transmitir com clareza o que mais a atormenta, e dar-se a conhecer através das incertezas que tem sobre si e o que a rodeia, sem medo de se pintar com as cores da incoerência (característica tão humana quanto natural).

Como nota final, devo referir que cada um dos poemas deste FILIGRANAS DE PALAVRAS parece ter sido tecido palavra a palavra como se os mesmos estivessem a ser ditos, e não escritos, na hora em que foram criados.


MANU DIXIT

terça-feira, 5 de abril de 2016

EU FALO DE... ANTOLOGIA RETRATO DE MIM


Ao longo do meu percurso no universo da escrita, com o contributo que tento dar e apesar de muitas das minhas posições não merecerem (ainda bem) a concordância da maioria dos outros intervenientes do panorama cultural onde estou inserido, de vez em quando sou brindado com alguns convites que, para além da honra que me conferem, têm implícita uma certa aceitação e/ou aprovação dos caminhos que me tenho proposto seguir.

A honra mais recente foi o convite para prefaciar RETRATO DE MIM, a IV Antologia da LLO - Letras da Lagoa de Óbidos; iniciativa da criadora/administradora deste grupo facebookiano, Miká Penha.

Como é meu hábito, em circunstâncias idênticas, durante a leitura dos textos (neste caso poesia), ponho de lado os conceitos que utilizo nos meus actos de criação e, de forma imparcial e sem juízos de valor pré-estabelecidos, procuro identificar os pontos de contacto entre os diversos autores, e respectivos textos, para transmitir aos leitores da obra, com o máximo de isenção e objectividade, uma visão centrada no colectivo. Afinal, o trabalho do prefaciador de uma antologia é estimular o interesse dos leitores na obra dando algumas indicações genéricas (linhas de orientação) sobre o que podem encontrar deixando-lhes a tarefa de conferir aspectos mais particulares.

Agora que já foi feito o lançamento do livro e existem exemplares em muitas mãos posso despir a fato de prefaciador, readmitir os tais conceitos que me são tão caros e expressar uma opinião como leitor. Para isso creio que se justifica dizer que dos trinta e dois autores apenas conheço pessoalmente três (sendo com dois deles meros contactos esporádicos) e já acompanhava, minimamente, a escrita de quinze (glosei poemas de alguns deles).

A primeira nota de realce, que também anotei enquanto prefaciador, é a ligação umbilical entre os textos e os respectivos autores. Tendo por base o título da obra (RETRATO DE MIM) seria lógico que a generalidade baseasse as suas criações em redor do EU poético, contudo, numa leitura menos lúdica mas mais atenta, conseguem-se vislumbrar inúmeras ocasiões em que os textos reflectem um carácter mais intimista, diria mesmo quase confessional, e que nos transporta, no papel de leitores, para uma área de análise diferente impondo-nos uma abordagem mais catártica dentro dos próprios textos. Uns conseguem-no na perfeição, outros nem tanto.

Um segundo aspecto relevante nesta antologia, sendo um dos atributos maiores e quase obrigatório neste género de obras, reside na multiplicidade de estilos observados, quer na forma de encarar o EU poético quer na, sempre saudável, diferença sensitiva que compõe a génese criativa de cada autor.

Nesta obra colectiva encontramos as várias faces de várias moedas, o mesmo é dizer opostos estilísticos; senão vejamos: temos poesia rimada e sem rima, poesia com cunho clássico e mais moderno, discursos densos e eruditos e outros mais telúricos e simplistas.

O mesmo pode ser dito em relação aos elementos criativos de cada retrato; uns revelam o seu lado sentimental, outros expõem mais a razão; uns expressam medos e ânsias, outros desvendam desejos e esperanças; uns demonstram união com a natureza, outros são mais pele com pele ou carne com carne. Esta diversidade é extensiva a outros aspectos e, depois de ler a obra final já em formato de livro, fico com a dúvida se o primeiro poema da antologia (“Ambivalência” de Miká Penha), onde a autora fala dos seus opostos, foi propositadamente colocado nessa posição como forma de anúncio ao que se segue ou se estamos perante um mero acaso feliz. É que, ao longo de todo o livro, os leitores são colocados perante esses mesmos opostos, as várias faces das várias moedas.

Todos os diferentes ângulos explorados isentam, o acto de ler, de monotonia e permitem que, mesmo numa temática única, consigamos encontrar pontos de interesse que incentivem a necessidade de prosseguir a leitura; situação inversa à que muitas vezes encontramos ao ler livros com assinatura individual.

É evidente que cada um de nós tem gostos diferentes dos demais e eu (enquanto leitor não fujo a essa condição) tenho as minhas preferências literárias que não me permitem dizer que fiquei deslumbrado com a totalidade dos trabalhos apresentados. No entanto, o facto de alguns textos não me cativarem em absoluto nunca me impediram de fazer, apesar dos meus parâmetros de gosto, uma análise objectiva sobre aquilo que pode, ou não, ter qualidade. Eu posso não gostar de um texto mas isso não significa falta de qualidade; é apenas reflexo do meu gosto pessoal.


Dito isto e justiça seja feita, no cômputo geral, esta antologia tem um nível da qualidade (substantivo discutível como sempre tenho defendido) muito elevado mas, acima de tudo, é uma obra com um enorme grau de coerência, apesar dos diferentes estilos e abordagens. É por esta última razão que grande parte dos poemas deste livro estarão em destaque, no meu blogue de divulgação de poesia lusófona - TOCA A ESCREVER, a partir de Maio. 

MANU DIXIT