sexta-feira, 31 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 325 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

325

No horizonte, duas áleas de fogo-fátuo iluminam, com as suas línguas afiadas de fome, as gordas passadeiras da presunção.

Pernas torneadas, por óleos, lâminas depiladoras e solário, avançam na vaidade dos passos altivos rumo ao salão pedante, como se a vida fosse movida a esturjão e champanhe francês.

Os espelhos refletem a modesta jocosidade dos engraxadores de crinas escovadas e gravatas espampanantes, que bajulam girafas anoréticas, e outras aves-raras, de pescoços nus e manchas retocadas a botox.

Até os lustres e candelabros receberam suas doses de unguentos de brilho cristalino para irradiarem pompa e circunstância sob as ocas cabeças de gel, laca e outros gases aspergidos.

E este cenário de saltos-altos e narizes polvilhados só fica completo havendo trovoadas de flashes e adulações vocais porque, quando o sol retornar aos céus, o mundo plebeu vai querer vibrar com a ostentação dos bonecos movidos a exuberância fútil, lisonjas supérfluas e capas maquilhadas.

EMANUEL LOMELINO

quinta-feira, 30 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 324 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

324

Interrogo-me sobre o paradeiro das palavras que, por falta de caneta e papel, ficaram por escrever. Aquelas que, abandonadas a sorte nenhuma, ficaram recolhidas no orfanato do léxico à espera de serem adoptadas por outros progenitores mais merecedores e sedentos da sua significação e importância.

Quantos serão os adjectivos, vagabundos silenciados com uma folha curricular debaixo do braço, que deambulam de estômago vazio e a esperança cosida na lapela?

Por onde andarão os advérbios sem modos e de nariz empinado que emergiram num momento de lucidez jamais registada?

Para onde navegarão agora aqueles verbos imponentes, contudo esquivos, que miraram o porto da criação com olho gordo, mas não saíram da embarcação da mente?

Como estarão os substantivos que um dia afloraram e foram barrados nos portões do estro, por não haver trajes de tinta nem hábitos de papel para os embrulhar numa qualquer história sem moral?

Como pode ser esdrúxula uma tarde sem pena nem caderno e palavras reprimidas!

EMANUEL LOMELINO

A mulher madura que quero ser (excerto 3) - Katya K. Borges

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Por outro lado, compreendo que essa jornada não se dá gratuitamente em qualquer tempo – acontece quando o “antigo eu” já não faz mais sentido. A chegada na menopausa potencializa o chamado para encontrar a nossa essência. A maturidade feminina traz a possibilidade de transmutação a partir das novas alquimias que o corpo, literalmente, também vai apresentando. Acredito que é um tipo de despertar climatérico que nos convida a adentrar num portal de muitas descobertas, faz provocações que bagunçam dentro e fora da gente. É paradoxal porque, ao mesmo tempo que desorganiza, dá um sacode revitalizador; ao mesmo tempo que me sinto vulnerável, sinto-me mais segura.

EM - CONVERSAS MADURAS - COLETÂNEA - IN-FINITA

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 323 - Emanuel Lomelino

Imagem freepik

Diário do absurdo e aleatório 

323

O ginásio do polidesportivo estava apinhado de gente. Gerações de descendentes reunidos para celebrar o centenário Anselmo. Filhos (dois), filhas (quatro), netos (cinco), netas (seis), bisnetos (quinze) bisnetas (treze), trinetos (vinte e três), trinetas (vinte e seis), quatro tetranetos e duas tetranetas.

Foi numa cacofonia de conversas de ocasião, sobre futilidades, risos e gargalhadas estridentes, correria e choro de crianças, e olhares distraídos nos ecrãs da moda, que Anselmo apareceu sem ser notado.

Lentamente, aproximou-se da mesa onde estava um enorme bolo de aniversário, olhou em redor, contou os rostos presentes, um a um, sorriu pela ironia do número coincidir com o seu século de vida, soprou o mar de velas apagando todas as chamas bailarinas e formulou o mesmo desejo dos últimos vinte anos: queria ouvir a voz da sua sombra, a única entidade que jamais o ignorou.

Saiu tão invisível como havia entrado e só foi descoberto duas horas depois, abraçado a si mesmo e com um sorriso triste, no seu leito de morte.

EMANUEL LOMELINO

Sozinho (excerto 5) - Luís Vasconcelos

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Curiosamente, naquele mesmo ano, cerca de quatro meses antes, a providência divina tinha-me presenteado com o nascimento do meu primeiro e único filho. Agora estava a tirar-me a pessoa que eu mais amava. Porque é que nesta vida doida, sempre que ganhamos alguma coisa perdemos outra? Que raio de maldição ou destino é este ao qual não conseguimos escapar? Perdi a minha mãe da mesma forma inesperada como ela perdera o meu pai há vinte e quatro anos. Saí para o trabalho, dei-lhe um beijo, ela sorriu, muito bem-disposta. Cerca de uma hora depois a minha esposa (ainda o era naquela altura), veio informar-me: “Desculpa Luís, mas o que eu tenho para te dizer não é fácil!”.

EM - COMEÇAR DE NOVO - LUÍS VASCONCELOS - IN-FINITA

terça-feira, 28 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 322 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

322

Embora o tempo esteja a esgotar-se, ainda tenho esperanças de encontrar, em vida, o contrato de adjudicação e a licença empresarial da fábrica que fornece os problemas e contratempos que cruzam o meu caminho.

Depois, caso consiga o contacto directo, pedirei uma reunião de trabalho com os máximos responsáveis da empresa (CEO, diretor criativo, chefe de produção, chefe da logística e de distribuição) para procurar entender os fundamentos-base na definição da complexidade e género de obstáculos que me destinam, conhecer os critérios usados para estabelecerem o momento exacto de confrontar-me com cada item, saber as razões para a frequência, quase diária, das entregas feitas e, mais importante de tudo, por que carga de água devo pagar as faturas de artigos que nunca encomendei.

EMANUEL LOMELINO

A qualquer hora da noite (excerto 18) - Geórgia Alves

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Antes disso tudo era contido e solenemente pensado. Sentido de tanto pensar. Um para o outro, como passos de uma valsa. Havia mais espaço para elegâncias e trocas de um bem-querer milimetricamente calculado. Jaú troca de lugar na jangada, segue de pé com as mãos apoiadas nos ombros de Cora. Contendo as lágrimas de seu belo nariz. Sentada num tronco banco da embarcação.

EM - A QUALQUER HORA DA NOITE - GEÓRGIA ALVES - IN-FINITA

segunda-feira, 27 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 321 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

321

Por vezes as memórias estendem-se, lado a lado, como toalhas de praia, alinhadas na areia fina, a olhar cenografias esgotadas, numa tentativa de fazer aflorar nostalgias.

Noutras alturas, as expectativas desenham cenários e enredos, como fossem oráculos druidas à procura de enraizar em nós teias de hipotéticos felizes augúrios.

Não lhes dou, a ambas, a atenção que pedem porque, talvez fruto de irreverência ou rebeldia, eduquei-me a valorizar o palpável e a não desperdiçar energia com as miragens do tempo, que nada mais são do que engodos da mente, cujo objectivo principal é desviar-nos o foco daquilo que realmente importa e pode impactar na vida.

Não há nada mais decisivo do que o agora; o momento; aquele ínfimo fiapo temporal que determina o nosso futuro e grava o passado que nos explica. Esse ténue instante que surge e nunca se repete, para o bem e para o mal, mas que tem o condão de ser a nossa versão mais verdadeira, mais genuína, mais espontânea.

EMANUEL LOMELINO

domingo, 26 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 320 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

320

Por mais que tentem escamotear, no universo da escrita existe uma enorme diferença entre expectativas e realidade. Para além dessa máxima incontornável, quase nunca os cenários são exactamente como se pintam. O mesmo é dizer: raramente aquilo que se espera corresponde ao que se obtém.

Por outro lado, e porque aquilo que move os autores contemporâneos é muita coisa menos devoção à escrita, os leitores menos avisados – ou desatentos – acabam por comer gato por lebre pela forma hipnótica como os “produtos” lhes são escarrapachados nos focinhos e pela ofuscação propositada que os holofotes virtuais provocam.

De alguns anos a esta parte, a literatura tem vindo a ser preterida em detrimento de carnavais e circos de escrita, com os autores a submeterem-se ao papel de malabaristas - alguns com inusitada prepotência e falsa modéstia (porque acreditam ficar-lhes bem).

Já não se discute literatura. Ninguém fala de criação. Só existe apetência para a autopromoção, para o elitismo folclórico alicerçado na troca de favores e louvores, para o fogo-de-artifício fátuo que maravilha mais do que as letras.

Por tudo isto acredito que, hoje em dia, as tendas circenses são, maioritariamente, preenchidas por iletrados.

EMANUEL LOMELINO

Entre valsas e mazurcas (excerto) - JackMichel

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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O sol estava esplendoroso e os pares não paravam de dançar naquela Aranhol infinita, que estava a balançar! 
O General Aranhão dançou, dançou, dançou com a Duquesa Aranhenta que, brigou, brigou, brigou... 
Já o Frade Aranhinha, orou-dançou com Nôrzinha, por entre rezas e ladainha... 
A Condessa Aranhal, que era liberal, dançou com o sorridente Comandante Aranhito e, tão rápidos rodavam, que parecia esquisito... 
A pomposa Marquesa Aranhosa dançou com o Barão Aranhêta que, sorrindo de tudo, dizia que havia visto um cometa... 
A Princesa Aranha Preta, mais ardida do que nunca, dançava sozinha, como se fosse adunca... 
O pançudo Coronel Aranhôlo se fartou com doces e salgados e explicou que, melhor que dançar, era ficar entre empadinhas e bombocados...

EM - NA CORTE DE MADAME ARANHA - JACKMICHEL - IN-FINITA

sábado, 25 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 319 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

319

Há uma tendência mística para qualificar todos os seres. Existem ligações aos elementos da natureza: água, terra, fogo, ar e o éter (clássicos); e aos atómicos: sólido, líquido, gasoso e plasma.

Se fizermos a ligação entre os elementos da natureza e os atómicos vamos encontrar correspondências lógicas: água/líquido, ar/gasoso, terra/sólido, fogo/plasma. E o éter?

Se pensarmos nas características do quinto elemento, os seres de éter são vazios, logo completos pela natureza do nada, do vácuo, de não-matéria.

Deste modo, e enquanto os cientistas continuam à procura de provas irrefutáveis que confirmem a existência do éter, talvez distinto dos conceitos divinos consagrados pelos filósofos, podemos concluir que os seres etéreos não existem ou, quanto muito, são confundidos na essência e, identificar alguém como ser de éter, é uma presunção descabida que roça a imbecilidade. E imbecis existem, tal como os buracos negros.

EMANUEL LOMELINO

A mulher madura que quero ser (excerto 2) - Katya K. Borges

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Vi que precisava mesmo de atenção integral e orientações acerca da nova pauta. Precisava de acolhimento aos meus processos psíquicos, de um olhar empático e esperançoso aos desafios que se apresentavam a cada dia. Tudo ficou confuso e contraditório, porque, no fundo, sempre acreditei que chegar na maturidade deveria ser um evento especial a ser celebrado. Não me conformava com o que encontrava, até chegar à formação de Cuidado Integral da Mulher Madura, uma jornada de um ano e meio junto a outras mulheres da mesma faixa etária, que me dei de presente como selo comemorativo.

EM - CONVERSAS MADURAS - COLETÂNEA - IN-FINITA

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 318 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

318

As gaivotas estão alinhadas no pontão, à espera do momento certo para agitarem as asas, enquanto os cágados sobem aos solários para aquecerem as carapaças e os patolas dividem pasto com os pombos – oportunistas-mor do parque.

Na outra margem do lago, a avó delicia-se com o espanto infantil que a netinha demonstra ao ver o aspersor regar a relva luxuriosamente verde.

Os bancos de jardim começam a ficar ocupados por gente sem horário, viciados em ecrãs táteis, novos românticos e apreciadores de solidão ao ar livre.

Num canto resguardado, o PT da moda dá instruções gímnicas ao escanzelado que, banhado pelo esforço, tenta transparecer atleticismo para impressionar as loiras saradas que usam o trilho próximo.

Joggers, runners, ciclistas e trotineteiros cruzam-se invisíveis, na pista de alcatrão laranja, com a voluptuosa patinadora quase desnuda, cuja movimentação acelerada provoca alvoroço no pontão. Uma a uma, as gaivotas abrem as asas, levantam voo e grasnam à sua passagem. Os cágados mergulham para arrefecer as carapaças, os patolas refugiam-se sob a água aspergida e só os oportunistas-mor continuam, impávidos e serenos, entregues à rapinagem, numa indiferença pombalina.

EMANUEL LOMELINO

Sozinho (excerto 4) - Luís Vasconcelos

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Naquela triste tarde ao ver a minha mãe ser sepultada, queria chorar, mas não conseguia. Sentia-me só, tremendamente só. Um vazio profundo invadira a minha alma. Não imaginava um futuro sem ela, sem a sua força, determinação, aconchego e proteção. Mal sabia eu que começava ali o período mais negro da minha vida, em que tive, à custa de muitos erros, de aprender a sobreviver e a defender-me sozinho. Partira a única pessoa que ainda conseguia ter algum controle sobre mim, por quem eu ainda era capaz de ceder e reconsiderar as minhas decisões, impedindo assim algumas atitudes mais impulsivas, obsessivas e drásticas da minha parte. Fiquei literalmente entregue a mim mesmo, mergulhado no meu estranho mundo de fobias, superstições, vícios, rituais e obsessões provocadas por uma doença psiquiátrica que, se não despoletou ali, aconteceu algures na minha vida e que pouco a pouco começou a assumir o comando dela.

EM - COMEÇAR DE NOVO - LUÍS VASCONCELOS - IN-FINITA

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 317 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

317

Sonhei que as páginas de um caderno abriam as linhas, como bocas famintas, para se alimentarem das palavras que, devoradas, ficavam caducas na sua essência.

Os verbos perderam força, os adjectivos secaram e os substantivos cortaram os pulsos com as vírgulas afiadas, com medo de ficarem, eles próprios, enfermos de amnésia.

De repente as metáforas deixaram de ser funcionais e os pontos de interrogação tentaram agarrar-se aos rodapés íngremes como penhascos, numa tentativa de protelar a sua extinção.

O apocalipse parecia estar a ganhar vida quando, no momento em que o frémito de todos os vocábulos pegou fogo, as labaredas envolveram o caderno que começou a contorcer-se até transformar-se num monte de cinzas-negras e um sol apareceu no horizonte anunciando renovação.

As palavras sacudiram o pânico dos ombros, deram os braços chamuscados, umas às outras, e prometeram continuar a sua função de retratar por extenso toda a amplitude das línguas de Babel.

EMANUEL LOMELINO

A qualquer hora da noite (excerto 17) - Geórgia Alves

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Levantam, sem preposição, quatro da manhã. O pescador faz saber, por acaso, a hora de partir. Lá estão. Paulo e Simão rolam jangada sobre troncos. Passa meio corpo além da coberta. Não saltitam ao verem vultos se chegam. Paulo levanta lanterna e a fumaça do querosene queima a narina de Cora. Em viva carne, já era dada às crises de rinite. Fritou mais por dentro. Assustado, ficou dizendo baixinho em seu ouvido, “afinal recebo meu primeiro espirro sincero”, Jaú brinca com o zelo que levou o amor às alturas, até ali. 

EM - A QUALQUER HORA DA NOITE - GEÓRGIA ALVES - IN-FINITA

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 316 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

316

Dizem que a morte é eterna, mas creio que este adjectivo não é o mais adequado. Para mim é mais correcto dizer que a morte é definitiva.

Para algo ser eterno é necessário apresentarem-se as provas substantivas dessa eternidade. E, até agora, ninguém foi capaz de nos garantir que a morte é estendida no tempo, para todo o sempre.

Já a condição definitiva prova-se por si mesma porque a prova reside no facto de, da própria morte, ninguém ter vindo refutar a sua irrevogabilidade.

O problema não está na morte, mas sim da adjectivação que se lhe dá. É uma característica humana qualificar e quantificar tudo, e mais alguma coisa, sem levar em consideração a etimologia das palavras.

Posto isto, e porque nada mais tenho a acrescentar sobre gramática fúnebre, resta-me mencionar outra certeza definitiva: tal como na vida, também na morte ninguém conseguiu inventar uma máquina do tempo. Se isso algum dia acontecer, pode ser que alguém nos venha esclarecer sobre o tema central deste texto.

EMANUEL LOMELINO

terça-feira, 21 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 315 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

315

Há um fio condutor na disposição de cada palavra nas frases contundentes. O discurso, mesmo irreverente e atribulado, é explícito e não sobram dúvidas por esclarecer. Sente-se a força vital de cada verbo à medida que avançamos na leitura, sem problemas interpretativos. Tudo é cristalino na pureza dos sentidos, sem segundas intenções nem desejos ocultos.

Depois temos a descrição palpável dos cenários e personagens verosímeis até ao tutano, que nos entram corpo adentro, sem pedir licença, provocando-nos espasmos internos a cada reflexo espelhado de nós mesmos.

A trama injeta-se-nos na pele com toda a impetuosidade da sua essência aditiva e ficamos dependentes da curiosidade que nos assola e só conseguimos saciar juntando as peças do puzzle, eliminando as pontas soltas e desvendando todos os ângulos do enredo.

Depois de decifrada a última página, ficamos com a boca seca enquanto os níveis de adrenalina baixam à normalidade e desejamos ardentemente uma sequela ou que a próxima leitura nos faça sentir as mesmas arritmias. Assim são os bons livros. Aqueles que realmente valem a pena.

EMANUEL LOMELINO

Chegam os convivas! (excerto) - JackMichel

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Era verdade! Era verdade, sim... os convidados chegavam prestigiando o festim! 
O General Aranhão foi o primeiro a chegar, todo condecorado... com vontade de dançar! 
A despeito de tudo, chegou a Duquesa Aranhenta... com suas joias de nobre e com seu jeito de briguenta! 
Já o Frade Aranhinha, muito magro e encovado... não parava de rezar o Pai Nosso, pedindo proteção ao sol e à todo povo de Aranhol! 
A chegada da Condessa Aranhal foi muito legal... pois todos sabiam que ela era liberal e não levava nada a mal! 
O Comandante Aranhito sorriu ao chegar... pois Aranhol era, para ele, o seu segundo lar! 
Delicada mesmo foi a chegada da Marquesa Aranhosa... que dizia que era simples, com cara de pomposa! 
O Barão Aranhêta chegou rindo de tudo... e explicou, em seguida, que fazia aquilo porque não era mudo!

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segunda-feira, 20 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 314 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

314

No resumo de mais um dia, sem brilho e vazio de sonhos, sobressaem as novas fissuras nas palmas das mãos e a rugosidade da pele indiferente a hidratações.

O crepúsculo é somente mais um virar de página e a lua apenas ilustra a negritude que paira, como ave de rapina, nesta rotina repetidamente sensaborona.

Entre tomos de coisa alguma, e outros nadas, sobrevivem rasuras de lucidez revoltosa, mas sobretudo apática.

Este cenário de apocalipse existencial é filho de um conformismo oxigenado pelas batalhas travadas em nome de crenças desfasadas, no tempo e espaço, como um ritual masoquista de louvor a um desenquadramento consciente e impregnado no âmago.

E com a nova alvorada reiniciam-se os passos flagelados e os voos espirais que justificam as ampulhetas.

EMANUEL LOMELINO

Maria: As mulheres em Mim (excerto 3) - Sofia Preto

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Assim, ao jeito da inspiração da mulher que se levanta e apressa, todas intuímos que é preciso reconhecer as forças e as finitudes, e, com elas, cair na conta da Alegria íntima e profunda… para cuidar, pedir ajuda e Ser na multiplicidade de dons e talentos.
A biologia da mulher ajuda a narrar o movimento e a pressa… Parece que, primeiro, partimos para um outro e esquecemos o “Eu Sou”, deixamos o círculo sagrado – a mandala feminina – desencontrar-se de uma escuta e intimidade premente. Teremos que ressignificar o ritmo como se ele falasse na primeira pessoa da conjugação verbal… Não de um modo indiferente, mas de um modo atravessado e integrado.

EM - CONVERSAS MADURAS - COLETÂNEA - IN-FINITA

domingo, 19 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 313 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

313

Já fui crédulo nas marés lunares, mas o voo dos pelicanos, em contraluz, revelou-se tão frouxo quanto as ondas que desmaiam nas areias costeiras.

Já acreditei na frescura primaveril, mas todas as migrações deixam um rastro de negritude e as savanas escondem melodias necrófagas.

Já confiei nas brisas refrescantes de verão, mas de todas as luzes nascem sombras que ocultam a natureza dos horizontes mais ambicionados.

Algures, nas inúmeras encruzilhadas percorridas, perdi a chave da candura e, pela primeira vez, enxerguei as verdadeiras cores da cobiça e do embuste.

Por mais que os abutres de ocasião abram as asas com sorrisos luminosos, há sempre notas de rodapé no final de cada página de gentileza.

EMANUEL LOMELINO

Sozinho (excerto 3) - Luís Vasconcelos

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Tínhamos sido não apenas o maior foco da sua atenção, preocupação e dedicação, era muito mais profundo e intenso! Fôramos a sua única e exclusiva razão de viver. Se eu e o meu irmão não existíssemos, quando o meu pai foi varrido desta vida de uma forma tão bárbara, brutal e cruel por um comboio assassino, ela não teria resistido e tenho a certeza absoluta que não ficaria por cá muito mais tempo. Aguentou-se por nós, sacrificou-se por nós, deu-se por nós, esqueceu-se de si mesma por nós. Na vida pode-se ter o amor de muitos homens e mulheres, mas ninguém nos faz sentir tão amados incondicionalmente como uma mãe.

EM - COMEÇAR DE NOVO - LUÍS VASCONCELOS - IN-FINITA

sábado, 18 de maio de 2024

Diário do absurdo e aleatório 312 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

312

Dou por mim a pensar no quão estranho é a ideia de sermos ímpares no universo. De não haver outro lugar com o mesmo género de beleza natural que desfrutamos aqui, neste nosso planeta solar.

Quão bizarro é o conceito de habitarmos o único espaço com as características da Terra, sabendo que o cosmos é composto por uma infinitude de geologias.

As dúvidas e questionamentos atropelam-se na mente e, de hipótese em hipótese, o grau de aleatoriedade chega a parâmetros inenarráveis.

No meio das incertezas brota a esperança de que todo o conceito que envolve a nossa singularidade seja falho e, noutro qualquer ponto de qualquer galáxia, existam mais Terras habitadas, mas com melhor exploração das capacidades intelectuais.

Se for para ser igual nos defeitos, é mil vezes preferível sermos o único aborto cósmico.

EMANUEL LOMELINO