terça-feira, 14 de outubro de 2025

Prosas de tédio e fastio 131 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

131

Apesar do grau de exigência que me coloco, adoro a minha falibilidade. É certo que me irrito com todos os passos mal medidos, com todas as derrapagens, com todos os deslizes, no entanto, entendo que as falhas fazem parte do processo e a melhor forma de as combater é admitir o erro e seguir adiante.

A parte confusa de tudo isto está na primeira afirmação que fiz neste texto: “… adoro a minha falibilidade”. Como pode alguém, que se diz exigente, ficar satisfeito com o facto de ser falível? A resposta é tão simples quanto óbvia.

Se refletirmos um pouco, facilmente entendemos que existe uma relação de causa-efeito a unir os dois conceitos. A exigência só faz sentido havendo imperfeição e esta é impulsionadora do carácter exigente.

No fundo, aquilo que advogo é a conscientização de que a génese da minha personalidade está umbilicalmente associada ao facto de ser, ad aeternum, um Ser imperfeito. Logo, se não fosse falível também não seria exigente.

EMANUEL LOMELINO

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 44 - Emanuel Lomelino

04-02-2024

Já perdi a conta às vezes que metaforizei este paradoxo que existe em mim.

Por um lado, sou espírito eremitão, com sede de deserto e vontade de ficar em contínua meditação, abraçar os silêncios mais profundos, sentir a sangue pulsar nas veias, enxergar a passagem de cada segundo e alcançar o máximo de epifanias que o conhecimento possa outorgar.

Noutro prisma, sou o eterno amante do sedentarismo conformista; recluso num tempo que não me pertence, aonde me sinto desenquadrado, sem desejo de mudança – por revolta ou rebeldia – existindo apenas.

Por outro lado, sinto-me um nómada sem endereço certo nem rumo concreto, sedento por encontrar o lugar perfeito para instalar esta carcaça envelhecida e criar um entreposto de isolamento premeditado. Sou um beduíno, sempre irrequieto, em busca de um espaço para assentar arraiais, longe deste outro espaço que me restringe, aprisiona e bestializa.

Depois, enquanto me debato com esta triplicidade esquizofrénica, olho em redor e vejo inúmeras caravanas de camelos que circulam nos mesmos desertos que eu, com a diferença a residir nos holofotes que os acompanham. Então multiplica-se a necessidade visceral de metaforizar este labirinto temporal aonde me sinto enclausurado e de onde tenho ânsias de libertar-me.

EMANUEL LOMELINO

O branco e a preta (excerto 21) - Pedro Sequeira de Carvalho

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Cheguei ao quintal e estava tudo frio, sem sinais de presença de pessoas. Entrei o máximo que podia, mesmo assim não senti indícios de presença humana. Não chamei para não fazer alarido. Decidi sentar-me no banco debaixo da coleira, até que aparecesse alguém e pude assim descansar um pouco.

EM - A BRANCO E A PRETA - PEDRO SEQUEIRA DE CARVALHO - IN-FINITA

domingo, 12 de outubro de 2025

Prosas de tédio e fastio 130 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

130

Por vezes fico a ponderar nesta minha apetência, cada vez maior, para procurar momentos de isolamento. Dizer-me apreciador da reflexão acaba por ser redutor porque também é possível pensar estando rodeado de gente.

Ficar entregue aos pensamentos é uma forma de autoconhecimento. Fazê-lo cercado por outros pode ser comunhão, quando há partilha de ideias.

O problema está na questão do grupo. É difícil partilhar os pensamentos mais elaborados quando do outro lado só existe interesse no banal, no frívolo, no insonso, e há grande resistência à evolução das conversas.

Neste contexto sou obrigado a confessar as saudades que tenho de algumas pessoas. Daquelas que, além de saberem transmitir conhecimento em assuntos diversos, tinham a capacidade de fazer evoluir os diálogos transformando as conversas em meros convívios apaixonantes.

Muitas dessas pessoas já não estão neste plano e, tal como eu, os que ainda por aqui andam também passaram a preferir a reflexão isolada.

EMANUEL LOMELINO

sábado, 11 de outubro de 2025

Prosas de tédio e fastio 129 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

129

Olho o mundo com os olhos de quem tem fome de transformar sonhos impossíveis em realidades presentes e palpáveis. Deixo que o olhar se espraia nos horizontes da vontade e voe livremente sobre as ilusões, ignorando dogmas e utopias, na demanda dos sonhos que dão sentido à vida. Quero para mim todo o conforto da realização pessoal mesmo que os espinhos se cravem na minha carne, dilacerem o meu corpo e as cicatrizes demorem uma eternidade a sarar. Desejo para mim mais do que os meus braços alcançam, mais do que o destino me outorga, apenas e só porque mereço o inatingível. Mais não seja pela perseverança ou teimosia que desde sempre está enraizada em mim. E quando a morte chegar e beijar este meu rosto arrefecido, pode depositar tudo o que alcancei na vida, com sangue, suor e oceanos de lágrimas, na sua sala de troféus na condição de indicar a sua proveniência. A ti, ceifadora, sugiro que uses este chavão: "Aqui jazem as conquistas de um eterno sonhador".

EMANUEL LOMELINO

Transformar é verbo (excerto 1) - Milena Pedrosa

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Sempre me falaram que eu tenho uma alma cigana. Escutava, ria, brincava e achava que era pelo meu jeito meio “escandaloso” de ser. Risada alta, pulseiras e colares grandes, risada sempre pronta para gargalhar. Mas recentemente descobri que além disso tudo ser verdadeiro, também foi pela minha necessidade de liberdade de movimento. E assim, comprovando com esta mais nova jornada da escrita, minha palavra no mundo é transformação.

EM - MULHERES QUE CRUZARAM OCEANOS - COLETÂNEA - IN-FINITA

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Prosas de tédio e fastio 128 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

128

Durante anos defendi uma norma de vida que consistia em ouvir o dobro daquilo que falava, usando como argumento o facto de termos dois ouvidos e somente uma boca. O conceito é básico, quase pueril, no entanto, é dotado de uma lógica, quase, irrepreensível.

Por ter uma mente inquisitiva, comecei a pensar numa forma de ultrapassar o problema que o advérbio de modo “quase” colocava. Ele sugere falibilidade e também é lógico, porquanto, numa conversa entre duas pessoas, é impossível que ambas escutem o dobro do que falam.

Como resolver este paradoxo?

A solução parece ainda mais infantil ou rebuscada, mas a própria natureza deu-nos as pistas através da anatomia. As orelhas são laterais e simétricas, e isto significa que o importante não é ouvir em dobro, mas sim escutar de modo harmonioso.

Nesta perspectiva cheguei à conclusão de que o conceito inicial era falho e aquele que passei a usar traduz-se numa palavra aplicável à forma como se ouve (equilíbrio) e outra ao que se fala (temperança). E estes dois substantivos são indissociáveis.

EMANUEL LOMELINO

Ondas de paz e contentamento (excerto 14) - Maria Helena J. Pereira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

E foi mesmo, até agora, a energia mais forte que recebi de uma pedra, em plena natureza. Curiosa, procurei saber o que faz com que pedras, rochas e água na natureza, seja nos mares, oceanos, rios e lagos, sejam locais que libertam grande quantidade de energia, onde, por isso, nos sentimos recarregados e, ao mesmo tempo, sentimos quietude, alegria e bem-estar.

EM - ONDAS DE PAZ E CONTENTAMENTO - MARIA HELENA J. PEREIRA - IN-FINITA

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Prosas de tédio e fastio 127 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

127

Passam os dias (sempre iguais) e cada um é uma vertigem de tempo que me afasta do mundo que nunca foi meu.

Eu, o único ser mutável nesta história, enfermo de saber-me deslocado, ora abraço ou rechaço a esquizofrenia lúcida que guia todos os meus passos, todos os meus pensamentos, todas as minhas angústias, que são nada quando comparadas com o mal maior.

O sol nasce todas as manhãs sem remorso nem infelicidade por ser o mesmo que já foi e igual ao que será. Já eu, que sei o meu amanhã, mesmo sem data precisa, jamais saberei o que fui – ou poderia ter sido – no tempo que me correspondia.

Esta dúvida, que deriva de uma certeza cada vez mais sentida como absoluta, é a bagagem que carregarei até ao final dos dias (sempre iguais), composta por baús de frustração, conformismo e desconsolo.

Pior do que estar encerrado num espírito esquizofrénico é ter consciência dessa fatalidade.

EMANUEL LOMELINO

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 43 - Emanuel Lomelino

21-12-2024

Por natureza, e porque procuro desenvolver ideias próprias sobre várias temáticas, sou crítico dos radicalismos modernos, que só existem por falta de validade argumentativa e preguiça intelectual.

Reflectir deve ser sempre o primeiro passo para a existência de discussões construtivas e é através das divergências que se podem alcançar consensos e encontrar as melhores soluções para cada problema.

Neste contexto, e porque há assuntos que merecem debates amplos e sérios, congratulo-me pelo crescente interesse na problemática da saúde mental.

Apesar da questão ter sido levantada, recentemente, por figuras de relevo do universo desportivo, este problema não é novo, é mais abrangente e deve preocupar cada um de nós.

Sem retirar importância ao debate sobre as origens, motivos ou soluções, creio que a prioridade deve ser a consciencialização colectiva de estarmos perante uma situação grave que requer o máximo de sensibilidade nas abordagens e, por isso, são dispensáveis as ideias pré-concebidas e preconceituosas do passado.

As sociedades só evoluem quando os pensamentos acompanham.

EMANUEL LOMELINO

O branco e a preta (excerto 20) - Pedro Sequeira de Carvalho

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Eles usavam alicates, ganchos de cortar cacau e auxílio de cordas de trepar palmeiras para conseguirem alcançar os fios e cortarem-nos, de modo a garantir que não houvesse comunicação entre as autoridades policiais, dando conta da sua localização. Lamentei do deserto em que, de um dia para outro, se havia tornado a vila da Trindade.

EM - A BRANCO E A PRETA - PEDRO SEQUEIRA DE CARVALHO - IN-FINITA

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Prosas de tédio e fastio 126 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

126

Quando a manhã se acende num sorriso, a geada, afectuosamente, desmancha-se em lágrimas cintilantes, que o sol prestigia num afago morno.

No céu despontam os primeiros voos, num bailado de brisa e penas, acompanhados pela beleza sinfónica de um chilrear indefinido, nascido de gargantas irrequietas, contudo melódicas.

Há um gingar vaidoso nos passos mudos de um gato pardo, que atravessa o jardim florido, como quem festeja sete vidas preenchidas, apenas interrompido pelo rouco canto de um galo que anuncia a boa-nova.

De repente, com a pontualidade de um relógio suíço, todos os sons se evaporam para que o vento assobie na folhagem de uma laranjeira, libertando as fragrâncias cítricas e impulsionando o voo de uma alva mariposa.

Os sentidos estão a formigar de entusiasmo quando o despertador toca e a chuva, que bate feroz na janela, revela que tudo não passou de um sonho primaveril e a realidade, de mais um dia, é cinzenta como ontem.

EMANUEL LOMELINO

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Prosas de tédio e fastio 125 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

125

Quando surgem aqueles dias em que só queremos deitar o esqueleto e simplesmente abraçar a inércia, é necessário um esforço sobre-humano para nos obrigar a cumprir algumas tarefas que, não sendo essenciais, nos propomos executar.

Hoje é um desses dias. Depois de um retemperador banho quente, o corpo começou a insinuar a vontade de ficar estático, imóvel, quieto, estatelado sobre a cama, e não fazer coisa alguma. Creio que ainda houve um momento de hesitação, da minha parte, mas o que tem de ser tem muita força e não posso abrir um precedente porque quando se facilita uma vez…

Para se atingir esta capacidade de não embalar na preguiça é fundamental ter-se um elevado grau de disciplina mental que, no meu caso, acaba por auxiliar bastante, quase como factor determinante para que não haja um só dia sem que eu faça, entre algumas outras coisas, pelo menos, um exercício de escrita.

EMANUEL LOMELINO

O sim que mudou meu futuro (excerto) - Marley Castro

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Naquele dia, eu acordei com um misto de ansiedade e medo. Eu queria muito aquela oportunidade, mas a única certeza que eu tinha era que havia feito a minha parte. Escolhi as peças mais bonitas do meu estoque e arrumei com capricho na bandeja de veludo. Será que as peças iam agradar? Será que eles estavam antenados com a moda, veriam valor no meu material?

EM - MULHERES QUE CRUZARAM OCEANOS - COLETÂNEA - IN-FINITA

domingo, 5 de outubro de 2025

Prosas de tédio e fastio 124 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

124

Os dias cozinham-se iguais, numa mesmice tão sórdida quanto submissa, sem ensejos nem revoltas.

Lábios gretados, frieiras nas mãos, escaras soltas, narinas empoeiradas, vontade que se esvai, conformismo que se instala.

O cansaço apodera-se, sem tréguas nem piedade. Reavivam-se vis emoções, já sentidas na plenitude da miserabilidade. Também aquela inércia tão lancinante como grilhetas carcerárias.

Mas nem tudo é ácido porque, no final de cada dia, chega sempre o silêncio crepuscular, com livros debaixo dos braços e a habilidade de teletransportar a mente para mundos que anestesiam até que a realidade regresse no buzinar do despertador.

EMANUEL LOMELINO

Ondas de paz e contentamento (excerto 13) - Maria Helena J. Pereira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Adoro fazer passeios até ao cerro de S. Miguel e, muito particularmente, ao cerro da Cabeça, na companhia da minha grande amiga Bertinha. Às vezes são passeios longos e fazemos, alegremente, o nosso piquenique ao almoço, na companhia de pássaros, às vezes de abelhas, mas tudo em harmonia. É natureza.

EM - ONDAS DE PAZ E CONTENTAMENTO - MARIA HELENA J. PEREIRA - IN-FINITA

sábado, 4 de outubro de 2025

Epístolas sem retorno 44 - Emanuel Lomelino

Friedrich Nietzsche
Imagem pinterest

Professor Friedrich,

Não foi sem assombro que descobri a existência de niilismo na minha personalidade.

Apesar do termo não me ser estranho, por razão do meu interesse artístico-literário, e até conhecer um pouco desta corrente filosófica, nunca deduzi que uma parte de mim pudesse ser influenciada, mesmo que ligeiramente, por esta doutrina.

A verdade é que, em relação à percepção que tenho da vida, com todas as minhas dúvidas e questionamentos, nunca me considerei mais do que céptico, pela simples razão de não conseguir vislumbrar, com carácter decisivo, uma razão válida que justifique a existência de um propósito, ou sentido, pré-definido.

Eis senão quando, nesta fase adiantada da minha existência física, descubro que a descrença num sentido para a vida, tal como ela se revela para mim, é considerado niilismo existencial. Só não sou completamente niilista porque não vejo a humanidade, como um todo, insignificante.

Boquiaberto

Emanuel Lomelino

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Epístolas sem retorno 43 - Emanuel Lomelino

Arthur Schopenhauer
Imagem pinterest

Prezado Arthur,

Por mais que pense, não consigo encontrar uma razão inequívoca e definitiva que justifique o medo que a generalidade das pessoas tem de estar sozinha, como se ficar ou estar só fosse o tormento mais nefasto que alguém pode experimentar.

Mais incompreensível é o descrédito dado ao isolamento, enquanto fonte de ignição para o raciocínio pacífico, que é o único caminho estável para que exista clareza de ideias e o pensamento não se revelar contaminado pelo entorno.

Creio que a génese desta aversão global é fruto de uma conotação, errada, entre quietude e solidão. Uma não origina nem é, obrigatoriamente, consequência da outra.

O silêncio é a casa da reflexão mais séria e íntegra, logo é benéfica para quem dele usufrui.

Apenas

Emanuel Lomelino

O branco e a preta (excerto 19) - Pedro Sequeira de Carvalho

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Saí da cama, coloquei a primeira roupa que vi e fui ver do que se tratava. Era uma multidão, composta por cerca de duas centenas de pessoas armadas com azagaias e machins, totalmente furiosa com o assassinato de Pontes.

EM - A BRANCO E A PRETA - PEDRO SEQUEIRA DE CARVALHO - IN-FINITA

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Prosas de tédio e fastio 123 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

123

A vida dedilha-se ao ritmo das horas e, mesmo nas pausas inoportunas, tudo soa a orquestração eterna.

Há um género de maestro invisível – tempo – que cadencia cada passo, como estivéssemos, desde o berço, sujeitos a rigor e disciplina harmónica.

Quando sou assaltado por este pensamento absurdo emerge em mim uma tremenda e imperativa vontade de fazer um improviso jazzístico e deixar-me levar numa pauta em contramão.

Talvez seja o meu lado irreverente a querer demonstrar-me que não se esgotou e ainda tem muitos acordes para tocar e, assim, preencher com novas melodias o grande concerto que tem sido a minha vida.

EMANUEL LOMELINO