Diário do absurdo e aleatório
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As gaivotas estão alinhadas no pontão, à espera do momento certo para agitarem as asas, enquanto os cágados sobem aos solários para aquecerem as carapaças e os patolas dividem pasto com os pombos – oportunistas-mor do parque.
Na outra margem do lago, a avó delicia-se com o espanto infantil que a netinha demonstra ao ver o aspersor regar a relva luxuriosamente verde.
Os bancos de jardim começam a ficar ocupados por gente sem horário, viciados em ecrãs táteis, novos românticos e apreciadores de solidão ao ar livre.
Num canto resguardado, o PT da moda dá instruções gímnicas ao escanzelado que, banhado pelo esforço, tenta transparecer atleticismo para impressionar as loiras saradas que usam o trilho próximo.
Joggers, runners, ciclistas e trotineteiros cruzam-se invisíveis, na pista de alcatrão laranja, com a voluptuosa patinadora quase desnuda, cuja movimentação acelerada provoca alvoroço no pontão. Uma a uma, as gaivotas abrem as asas, levantam voo e grasnam à sua passagem. Os cágados mergulham para arrefecer as carapaças, os patolas refugiam-se sob a água aspergida e só os oportunistas-mor continuam, impávidos e serenos, entregues à rapinagem, numa indiferença pombalina.
EMANUEL LOMELINO
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