quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Pensamentos literários 43 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

43

Olho o passado de relance, mas não deixo de moldar o barro do presente com a experiência adquirida, sabendo, de antemão, que as construções futuras serão, também elas, edificadas de modo distinto.

Por mais que nos instruamos na arte da concepção, o tempo, na sua maestria incontestável, arranja sempre forma de condicionar cada momento, provando, assim, que a vida, embora pareça uma sucessão de círculos, é uma espiral contínua e as linhas que separam os tempos (passado, presente e futuro) são mais ténues do que uma célula hexagonal.

É por isso que o acto de escrever é o próprio passado a acontecer.

EMANUEL LOMELINO

O branco e a preta (excerto 13) - Pedro Sequeira de Carvalho

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Despedimo-nos. O dono do quintal que só estava lá por minha causa, saiu, enquanto eu ainda permaneci por lá. Má Dêçu trouxe o tal vinho de palma prometido, o chamado vinho original. Ela preocupou-se em colocá-lo numa vasilha de um litro, a mais limpa de que dispunha.

EM - A BRANCO E A PRETA - PEDRO SEQUEIRA DE CARVALHO - IN-FINITA

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Prosas de tédio e fastio 105 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

105

Não preciso molhar-me na fúria desta chuva madrugadora para conseguir dissertar sobre a impermeabilidade que me escasseia.

Cada gota que desliza da nebulosidade do céu negro para abater-se sobre mim, com a ferocidade tropical de todas as tempestades, apenas cumpre o seu destino - e o meu.

Gotícula a gotícula, de mãos dadas com a liquidez desconfortável, transformo-me num leito de rio cujas correntezas percorrem de nascente à foz, sem resistência de dique ou barragem.

Inundo-me desde as margens até ao âmago em cascatas incessantes de rebeldia, qual desfiladeiro íngreme com protuberâncias escorregadias.

No centro do dilúvio, sou como um navio sem leme nem rumo, e o vento – irregular como só ele – não me permite mais do que andar, trémulo, à deriva.

Depois, como uma criança inocente, mas travessa, o céu afasta as nuvens e sorri um arco-íris, sem remorso por ter lançado toneladas de água sobre este pobre coitado que apenas saiu à rua para ir trabalhar, num sábado, e agora vai gastar os ganhos de um dia em paracetamol.

EMANUEL LOMELINO

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Papaguear cultura 14 - Emanuel Lomelino

Imagem 123rf

Papaguear cultura 

14

Há um aqueduto de frases por escrever entre as areias do Hudson e as praias vicentinas.

Os verbos correm ferventes desde as encostas do Corno dos Romanos até à mais recôndita ilhota do Pacífico.

Os adjectivos viajam desde as grutas que nunca foram de Salomão até às cidades perdidas na tropical Amazónia.

Cada substantivo percorre as planícies subsaarianas rumo aos planaltos Tártaros.

Existem estepes de versos inovadores, entre as tundras escandinavas e os pomares nipónicos, com ânsia de nascerem virados para as águas santas do Ganges, mas idolatrando as correntes de Yangtzé. 

Há complementos empalados nas calotas polares, em ambos os hemisférios, só a aguardar o degelo para irem em busca de Everestes sujeitos e predicados.

Existem virgulas a bolinar ventos alísios (algumas de pontos às costas), com o mesmo ímpeto que as reticências cavalgam as dunas do Saara, em busca de dois pontos, parágrafos e travessões.

As ondas do Índico são tiles disfarçados, por não quererem ser vistos na companhia dos apreensivos circunflexos. Assim como os graves só querem ver os agudos pelas costas.

As interrogações não são mais do que exclamações vergadas ao peso de múltiplas dúvidas sugeridas pelas irrequietas marés lunares.

E assim se juntam dois mundos numa chuva descritiva cheia de figuras de estilo e com o epílogo esperado (ponto final).

EMANUEL LOMELINO

O mar... (excerto 2) - Gláucia Souza Freitas

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Na travessia mais recente conheci a nascente do rio Mondego, o Mondeguinho, vê-lo tão pequenino me fez pensar em nossos sonhos, como começam pequenos e ganham volume, assim como as águas dos rios que percorrem caminhos, por vezes tortuosos, mas nunca param. Seguem adiante até desaguarem na imensidão do mar - assim como as nossas vidas, sempre em movimento.

EM - MULHERES QUE CRUZARAM OCEANOS - COLETÂNEA - IN-FINITA