Há algum tempo foi-me oferecido um exemplar de uma
antologia e pediram-me que escrevesse um artigo de opinião sobre essa obra.
Comecei a ler o livro e, sem grande surpresa, tendo em
conta os primeiros autores, até à página 41 o nível qualitativo foi elevado.
Sendo certo que neste género de obras é tremendamente difícil manter uma linha
uniforme de qualidade, pela diversidade de autores e respectiva capacidade,
confesso que não estava preparado para o que se seguiu. A descida qualitativa
revelou-se tão acentuada que decidi colocar de lado a ideia de escrever sobre o
livro. Não por recusar-me a escrever uma crítica negativa; isso nunca seria
impedimento; mas pelo facto de, apesar do meu constante desagrado com a forma
como muitos autores tratam a língua portuguesa, eu ser defensor de que,
independente da qualidade (tema sempre subjectivo) ou dom de quem escreve,
todos têm o direito a fazê-lo e esse direito jamais deve ser negado, seja a
quem for.
Não raras vezes, tenho feito ouvir a minha voz na luta
pelo aperfeiçoamento dos autores mas nunca ninguém me ouvirá dizer que este ou
aquele deve deixar de escrever; nunca o disse, não o digo e jamais o direi. Eu
acredito que é importante e saudável para o crescimento cultural de um povo que
haja cada vez mais gente a escrever. Também acredito que quanto mais gente
escrever mais probabilidades existirão de se encontrar escrita de qualidade. No
entanto, não é menos verdade que, para que a quantidade se transforme em
qualidade, tem de existir vontade dos autores em se aperfeiçoar constantemente.
Por esta altura alguns devem estar a perguntar-se
porque razão eu comecei por afirmar que não escreveria sobre a antologia
quando, no fundo, estou a fazê-lo? A resposta é simples. Algum tempo depois de
me entregarem a antologia, aconteceu uma verdadeira tentativa de linchamento
público de um autor na rede social Facebook. Foi colocado um texto seu,
devidamente identificado com nome do autor e do livro onde esse texto pode ser
encontrado, e colocou-se em causa a construção do próprio texto apelidando-o de
mau português. Conhecendo a forma de escrever desse autor e fugindo um pouco ao
meu hábito de não comentar textos que não gosto, decidi deixar um comentário
explicando uma regra da poesia, chamada LICENÇA POÉTICA, que permite a
construção frásica que ali era colocada em causa. Expliquei também que naquele
texto o grande erro do autor foi colocar em prática essa regra mas de forma
deficiente, por omissão e/ou colocação errada de pontuação. Tudo o resto não tinha
nada que pudesse ser apontado, não existiam erros ortográficos apenas erros de
pontuação. Pois bem, em sequência do meu comentário surgiu a voz dos Orishas a
concordar com a existência da dita regra (como se eu precisasse de confirmação
espiritual) mas a persistir na tese do português mal empregue rebatendo alguns
dos meus argumentos, e ao autor em questão foi sugerido que deixasse de
escrever. Como a minha intenção no comentário era apenas explicar a regra, não
voltei a contestar aquele ponto de vista errado. Em vez de responder, decidi
voltar a pegar na dita antologia e forçar-me a ler até ao fim, na certeza que
iria encontrar exemplos práticos da validade das opiniões que eram dadas no tal
linchamento público.
Para não ser muito maçador, porque os exemplos são
inúmeros, deixo-vos apenas duas ou três passagens da antologia para demonstrar
quão coerentes são os linchadores na apreciação dos textos:
Página 141 - "As lágrimas que caiem no meu
rosto..." "AS LÁGRIMAS/ são a vós do coração..."
Página 240 - "... todas juntas não
faltava-mos."
Página 241 - "Tinha-mos o suficiente..."
Na minha opinião, alguém que deixa passar estes erros
na elaboração de uma antologia não tem moral para acusar um autor de empregar
mau português, menos ainda quando o referido autor não cometeu nenhum erro
ortográfico; simplesmente não soube aplicar uma regra, omitindo e/ou colocando
erradamente a pontuação.
Perante tudo isto, há uma questão que eu gostaria de
ver respondida. Sabendo eu que o autor em questão não contribuiu com textos
seus na dita antologia mas já tem participado em outras publicações da mesma
editora, porque razão foi alvo desta tentativa de linchamento? Será que, porque
as comadres se zangaram e ele (tal como eu) não tomou partido, acabou por se
transformar no alvo mais fácil por ser um paz d'alma que nem se deve ter
apercebido do que fizeram com um texto seu (o nome dele foi colocado mas não
identificado, como se pode fazer no FB).
Não sou nenhum justiceiro, não tenho procuração de
ninguém para ser seu defensor público mas há coisas que não posso deixar passar
em claro. E neste género de situações, não me interessa se o autor é meu
conhecido ou se a sua escrita tem qualidade ou falta dela. Erros a escrever
todos cometemos e, muitas vezes, por mais que passemos os olhos pelo que
escrevemos, não detectamos aquela letra trocada, aquela vírgula em falta,
aquele erro de concordância. Estes erros, que eu chamo erros de simpatia,
acontecem a todos os que escrevem. Mas neste caso concreto não havia nada
disso... Pura e simplesmente tentaram fazer um linchamento público de alguém
que, tal como os autores das calinadas acima descritas, já deu dinheiro a
ganhar à editora. As razões dessa atitude tão baixa só os responsáveis as podem
justificar mas que esta história esconde outras histórias, lá isso esconde.
MANU DIXIT