Caríssimo Vincent,
Por mais que admire o rigor e qualidade das tuas telas, por mais que aprecie os teus traços originais; por mais que me encante a singularidade das tuas pinceladas; por mais que respeite a profusão da tua extensa obra; não consigo deixar de te culpar, mestre Vincent, pela realidade impressionante dos meus dias.
Neste tempo de abundância e consumismo; de feitos banais e condutas impostoras; de sedentarismo intelectual; de improvisos estudados; de originalidades repetidas, a tua obra penetrou o lado mais recôndito das mentes desprovidas de conhecimento.
Nesta era de inversão de valores; desamor pelo passado; conflito com a história; contestação dos legados, a tua arte sobreviveu nos becos das memórias ocas e influencia os estranhos hábitos espontâneos de gerações tecnológicas.
A ti, Vincent, acuso de teres incentivado, ainda que sem conhecimento do facto, através do elevado número de autorretratos que produziste, este bizarro vício das selfies.
E só não te acuso dos instantâneos de repasto porque só conheço “Os comedores de batata”, e nesse os pratos mal se veem.
Satírico,
Emanuel Lomelino