quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Lomelinices 46 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

46

Há este querer sólido e verdadeiro, que me acompanha desde sempre, de encontrar a perfeição do vazio; o silêncio original.

Quanto mais me embrenho na solidão que cultivo, menor parece a distância que me separa de algo semelhante ao Nirvana. Aquele lugar puro, sem defeito, que não é celestial nem divino. Apenas um lugar de paz imorredoura que substitui uma vida inteira.

A cada passo dado dou conta de todo o peso inútil e desnecessário que tenho carregado nas costas. Desfaço-me de mais e mais, sem traumas de separação. Simplesmente largo lastro e caminho mais leve.

O percurso ainda é longo, mas completo na sua única via, num só sentido, perfeito porque é feito de coisa alguma, apenas nada. E estou a conseguir libertar-me de toda a bagagem, de toda a tralha que me tem freado o ímpeto.

Sei que ainda transporto baús encrustados no corpo, com amarras maciças e fechaduras encriptadas, cuja remoção terá um custo de luas e sal, mas blindei a minha resiliência com o aço da vontade suprema e tenho os olhos focados no amanhã, porque é para lá que caminho.

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 3) - Maria Antonieta Oliveira

 

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Uma vez em que no quarto ao lado do tal exíguo estava um casal já habitual, pois vinha a Lisboa várias vezes para consultas médicas, a menina resolveu despejar a caixa das baratas pelas costas do senhor, coitado do homem, tanto gostava da menina e ela prega-lhe tão grande partida, lógico que nunca mais foi brincar com aquela família que tanto gostava dela, não tinham filhos e aquela era a única menina naquela casa. Mais uma tareia e um ralhete daqueles que só a sua mãe sabia dar.

EM - PRISIONEIRA EM LIBERDADE - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Epístolas sem retorno 21 - Emanuel Lomelino

Vincent Van Gogh
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Caríssimo Vincent,

Por mais que admire o rigor e qualidade das tuas telas, por mais que aprecie os teus traços originais; por mais que me encante a singularidade das tuas pinceladas; por mais que respeite a profusão da tua extensa obra; não consigo deixar de te culpar, mestre Vincent, pela realidade impressionante dos meus dias.

Neste tempo de abundância e consumismo; de feitos banais e condutas impostoras; de sedentarismo intelectual; de improvisos estudados; de originalidades repetidas, a tua obra penetrou o lado mais recôndito das mentes desprovidas de conhecimento.

Nesta era de inversão de valores; desamor pelo passado; conflito com a história; contestação dos legados, a tua arte sobreviveu nos becos das memórias ocas e influencia os estranhos hábitos espontâneos de gerações tecnológicas.

A ti, Vincent, acuso de teres incentivado, ainda que sem conhecimento do facto, através do elevado número de autorretratos que produziste, este bizarro vício das selfies.

E só não te acuso dos instantâneos de repasto porque só conheço “Os comedores de batata”, e nesse os pratos mal se veem.

Satírico,

Emanuel Lomelino

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Papaguear cultura 2 - Emanuel Lomelino

Papaguear cultura 

2

A arte, nas suas diversas vertentes e dimensões, é uma actividade intimista que roça, quando não ultrapassa, o egoísmo. Mas este individualismo egocêntrico, que se exige ao criador, não é negativo, antes pelo contrário, é humanista porque permite que as dores da angústia criativa fiquem restritas ao universo da criação.

Aos apreciadores de artes deve ser apresentado o lado mais belo e sereno do objecto artístico, isto é, a arte finalizada.

Pouco importa o número de marteladas falhadas e quantas lascas de pedra rasgaram a pele do escultor, quando estamos diante de um busto. Ninguém quer saber quantas camadas de óleo foram colocadas sobre uma pincelada disforme ou quanto vapor de diluente paira no atelier do pintor, quando estamos a olhar uma tela. Não existe interesse algum no tempo que o escritor perdeu para dar vida à frase mais eloquente ou quantos rascunhos foram atirados ao lixo, quando lemos um livro. Não há relevância na quantidade de vezes que o actor titubeou ou se engasgou nos ensaios, quando estamos e ver um filme ou uma peça de teatro. Não é preciso saber quantas vezes as dançarinas tropeçaram ou erraram os passos nos treinos, quando estamos a assistir a um bailado.

EMANUEL LOMELINO

domingo, 10 de novembro de 2024

Pensamentos literários 2 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

2

O provérbio popular diz que a esperança é a última a morrer. Já Balzac afirmou que o homem morre pela primeira vez quando perde o entusiasmo.

Juntando, a ambas as frases, todas as minhas distintas mortes, fica provado que o homem perece toda a vida até que a derradeira morte reclame o seu prémio e encerre o assunto de vez.

Contudo, no meio de toda esta filosofia necrológica, levantam-se algumas questões pertinentes:

Entre cada morte existe renascimento ou ressurreição?

Todas as mortes permitem renovação ou apenas ressuscitamento? 

Há alguma morte mais nefasta que as demais?

Até que ponto o acúmulo de mortes não é, em si mesmo, mais uma morte?

Sejam quais forem as respostas a estas perguntas, existem duas garantias absolutas e incontestáveis sobre todas as mortes. As intercalares apenas nos amputam. A definitiva, tal como também disse Balzac: … é mais verdadeira – ela nunca renuncia a nenhum homem.

EMANUEL LOMELINO

Entre raízes e frutos (excerto) - Viviane Bouçós

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Investiguei sobre a minha etnia, reconheci a minha ancestralidade, agarrei minha essência, assumi a minha vida e encontrei novamente um sentido. Percebi que somos muito diferentes, mas são essas distinções que nos tornam tão iguais. Sou a soma de tudo isso, junto e misturado. O ciclo da vida familiar é uma sequência de transformações em constante movimento. Quando compreendi isso, me senti de volta ao ninho, e menos estrangeira na minha família.

EM - ESTRANGEIRAS - COLETÂNEA - IN-FINITA

sábado, 9 de novembro de 2024

Pensamentos literários 1 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

1

Não sei quantas vezes confessei o quão paradoxo sou. Mas isso também não é importante porque convivo bem com este adjectivo e não perspectivo desfazer-me dele.

Acho que até alimento essa faceta por ser a forma mais fácil de me equivaler, ou aproximar, da duplicidade dos outros, que, para esse efeito, usam máscaras.

Estive quase para usar o termo bipolaridade, mas, analisando bem as alternativas, duplicidade é, efectivamente, a forma mais correcta de caracterizar a urgência que as pessoas têm de querer passar, delas próprias, imagens diferentes daquilo que são. E um bipolar não tem duas caras nem usa máscaras, tem um transtorno.

Neste contexto, de aproximação àquilo que os outros são, revela-se, uma vez mais, a minha vertente paradoxal.

Se por um lado contesto a duplicidade, por vê-la como embuste, por outro lado canto loas aos usuários de máscaras por, com a sua falsidade identitária, darem provimento a uma máxima lançada por Kundera: Nunca somos nós mesmos quando há plateia.

Abençoados pensamentos literários. Abençoada literatura, que é eterna e sempre actual.

EMANUEL LOMELINO

O princípio do mundo (excerto 8) - Jorge Chichorro Rodrigues

 

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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O azul chegava ao infinito, a sombra no horizonte desapareceu, mas havia agora a certeza, gritada a plenos pulmões pelo privilegiado observador, de que não podia fugir a terra avistada como que por milagre. «Deus está connosco!», ouviu-se gritar. O clima de festa espalhou-se pela frota, houve quem tocasse gaitas e trombetas, os frades oraram agradecendo ao bom Deus, e as atenções concentraram-se naquele que, durante grande parte da viagem, tinha desanuviado o ambiente.

EM - O PRINCÍPIO DO MUNDO - JORGE CHICHORRO RODRIGUES - IN-FINITA

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Papaguear cultura 1 - Emanuel Lomelino

Papaguear cultura 

1

Toda a arte é dual. Pode ser objectiva ou arbitrária; inspiradora ou castradora; provocadora ou rasa; alegre ou melancólica; séria ou lúdica; satírica ou insonsa; deliciosa ou intragável; imortal ou efémera; contagiosa ou lacónica; bela ou monstruosa; etc, etc, etc…

Em outras ocasiões é polissémica. Pode ser início, meio e fim; tudo, nada e alguma coisa; abstrata, genérica e indefinida; excêntrica, estranha e rebelde; catarse, prazer e vício; etc, etc, etc…

A arte pode ser tanto e de tantas formas, dependendo de quem a vê e do modo como a entende.

Já foram tantos aqueles que dissertaram sobre a arte que é impossível dizer quem se aproximou mais da verdade. No entanto, para mim, a observação mais pertinente foi feita por Johann Goethe quando disse este quase paradoxo: Não existe meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte, e não há forma mais segura de se unir a ele do que a arte.

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 2) - Maria Antonieta Oliveira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Mais ou menos no centro daquela enorme cozinha, havia uma mesa grande, quadrada, onde comiam todos, que servia também para passar a ferro, à noite, a Maria Rosa, a empregada da D. Joaquina, assim se chamava a dona da casa, ou outra que veio depois, mas não me recordo o nome, já com outra roupa vestida, toda limpinha, passava um a um, todos os lençóis e toalhas, usados durante a noite anterior pelos utentes que tinham saído da pensão.

EM - PRISIONEIRA EM LIBERDADE - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Lomelinices 45 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

45

Planto as sementes dos sossegos de cada instante dócil com a esperança de um abraço inquebrável entre as raízes e a terra fértil. Há um desejo inviolável de frutificar os rebentos da brandura como quem quer muscular a vontade.

Rego os caules de serenidade com as cristalinas águas da calmaria plácida que pacifica os frémitos pulsares da inquietude. Há um segredo por revelar em cada broto que rasga, entre sorrisos e sonhos, o ventre do solo maternal.

Nos limites da inocência, entre a lucidez mansa e a loucura pacata, sussurro palavras meigas e brandas à planta que desponta. Há um aroma meloso a impregnar-se na sensibilidade dos sentidos apurados, como uma essência virgem a deambular no etéreo silêncio de pasmos e espantos.

Por fim colho as flores da solidão, com as pétalas pintadas de paz e céu, de trégua e mar, de nirvana e nada. Enlaço um bouquet inteiro com a delicadeza de pai orgulhoso e realizado. Esta primavera, fora de estação, apazigua-me as lágrimas e cicatriza-me os lamentos. Então, condensa-se em mim a honradez da criação e o mundo volta a ser um lugar de pausa e restauro.

Eis-me agricultor de palavras e armistício.

EMANUEL LOMELINO

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Epístolas sem retorno 20 - Emanuel Lomelino

Fernando Pessoa
Imagem pinterest

Prezado Poeta,

Já começa a ser um acto repetitivo, como todas as repetições que cometo na vida, mas que posso eu fazer, Fernando, se sinto que és o único a quem posso falar do alto das minhas esquizofrenias.

Na minha mente tenho toda uma biblioteca de assuntos pertinentes, dúvidas recorrentes, perguntas delirantes, e diálogos por fazer. E quando recorro a ti, através das diferentes personalidades de nós, soltam-se-me os adjectivos mais esconsos como fossem exemplos do mais nivelado saber.

Conversar contigo é uma forma, talvez a mais fácil e confortável, de tentar expurgar a incompletude dos meus raciocínios, tão menores que os teus, numa tentativa, porventura, vã, de engrandecer as minhas pobres virtudes criativas.

Mas sossega, Fernando heteronímico, que, com as devidas vénias, jamais me proclamarei teu discípulo, como muitos fazem – alguns de forma leviana e fraudulenta. Ao contrário desses, não caio na ilusão da fama indevida porque, tal como lembrou outro autor, que também não é meu mestre, mas admiro – Victor Oliveira Mateus – a fama pouco mais é do que uma estátua de bronze onde os pombos depositam meticulosamente os seus dejectos.

E até nisto, Fernando, tu és único, pois o teu bronze foi colocado numa cadeira para descansares e destacaram alguém para te lustrar todos os dias de modo a estares perfeito em todas as selfies.

Simplesmente

Emanuel Lomelino

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Lomelinices 44 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

44

De forma simplista, pensar na vida é vital para identificar problemas, analisar hipóteses, definir prioridades, arranjar soluções, ponderar consequências e avaliar benefícios e prejuízos.

A questão complica-se quando passamos à prática. A cabeça fica a mil, embrenhada em pensamentos oportunos, mas desgastantes porque pensar na vida é como jogar uma partida de xadrez – exige várias jogadas de antecipação.

Para cada problema identificado devem ser ponderadas várias soluções, para cada solução devem ser analisadas várias hipóteses, para cada hipótese devem ser consideradas todas as consequências, para cada consequência devem ser definidas várias prioridades. E cada solução origina um novo problema, cada hipótese demanda nova solução, cada consequência exige nova hipótese, cada prioridade causa nova consequência.

Hoje pensei tanto nos vários problemas que preciso solucionar que quase colapsei!

Definitivamente, já não tenho agilidade mental suficiente para jogar o xadrez da vida. Prejuízo maior.

EMANUEL LOMELINO

Menina (excerto) - Valéria Macedo

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Queria um recomeço cheio de frescor. Estava indo morar pertinho do mar. Sentia-me mais viva do que nunca ao trocar as doze horas diárias de trabalho em meu consultório pelo prazer de sentir a brisa no corpo, andar descalça, passar mais tempo sob o sol do que dentro de casa, acompanhar os seres da água e do céu e me banhar de mar e piscina quase todos os dias. Parecia que a rotação do planeta havia desacelerado em nossa nova morada. Nesta parada, me senti renascer.

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segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Contos que nada contam 32 (Início de férias) - Emanuel Lomelino

Início de férias

Pulquéria acordou com um cadeado de remelas a prender-lhe as pálpebras e uma bigorna pousada na cabeça. Proferiu dois jargões cabeludos que lhe feriram os tímpanos como se os sinos de Notredame estivessem hospedados nos seus ouvidos. Rangeu os dentes, que lhe pareceram poluídos de poeira, e repetiu os impropérios, desta vez só em pensamento para que as badaladas não se repetissem.

Todo o corpo alertava para um forte aumento da força gravitacional que a prendia ao seu leito, onde nunca tinha sentido tamanho desconforto. Tentou mover-se em vão. Só os dedos respondiam aos comandos do seu cérebro descompensado. Por mais que tentasse, não conseguia alcançar a lucidez de raciocínio que a ajudasse a compreender as razões para uma revolta corporal tão intensa. Essa circunstância só aumentava a opressão que sentia no peito, quase no limite do necessário para a existência de respiração – uma espécie de claustrofobia (algo de que nunca padecera).

Para agravar a ansiedade, havia um silêncio absurdo que só era quebrado por uma goteira longínqua e um expressivo cansaço que a puxava, invariavelmente, para sonos picotados, dos quais despertava com a sensação de ter escutado uma voz murmurar: - Está aí alguém?

Na dúvida, entre estar presa num sonho mau ou a perder a sanidade, Pulquéria respondeu: - Estou aqui! – O esforço despendido empurrou-a, mais uma vez, para um sono forçado.

Quando voltou a despertar, tinha um pano húmido sobre o rosto e sentiu que o seu corpo flutuava aos solavancos. Gemeu e ouviu uma voz masculina, firme mas tranquilizadora: - Está tudo bem!

Ainda não sabia, mas tinha sido a única sobrevivente da derrocada da residencial, onde estava hospedada desde o início da semana. Que rica maneira de começar as férias.

EMANUEL LOMELINO

O princípio do mundo (excerto 7) - Jorge Chichorro Rodrigues

 

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Era ele próprio, Antão, com a poesia que trazia dentro de si, transparente como a natureza? Pois tinham-lhe pedido que se calasse, talvez porque se parecesse demasiado com a natureza que desviava os homens da sua sina, trazida do Velho Mundo, de serem opacos e duros como pedras... Apesar de tudo, ninguém podia mantê-lo eternamente calado pois o destino, como a natureza, eram seus aliados, e uma visão miraculosa fê-lo gritar: «Terra! Terra à vista! Eis o princípio de um novo mundo!»

EM - O PRINCÍPIO DO MUNDO - JORGE CHICHORRO RODRIGUES - IN-FINITA

domingo, 3 de novembro de 2024

Lomelinices 43 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

43

Recomeçar, uma e outra vez, não traz mal algum ao mundo. Voltar à estaca zero e tentar fazer melhor faz parte do jogo da vida. O desafio maior é aprender a jogar à medida que avançamos, passo a passo, com um objectivo fixo em mente. Reiniciar a caminhada é uma nova oportunidade de reconhecer erros e procurar melhores soluções. Tenta-se e volta-se a tentar, as vezes que forem necessárias, e cada nova tentativa significa resiliência, perseverança, combatividade. Mantendo a mente focada, pouco importa o cansaço físico.

Os chavões são claros e fáceis de entender. O problema é colocar em prática toda a extensão teórica. Sim, o corpo fica cansado, mas recupera. Já a mente. Por mais blindada que seja, não há como evitar a perturbação das nódoas de fracasso que se acumulam e acabam por, paulatinamente, manchar o ânimo. A vontade pode ser férrea, mas o ferro enferruja e, mais dia menos dia, acaba por partir. E essa noção, por si só, já é abalo suficiente.

Egoisticamente, o que nos salva é sabermos que há, por aí, alguém bem mais abalado pela vida.

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 1) - Maria Antonieta Oliveira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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O quarto era exíguo, não teria mais que cinco metros quadrados. Não tinha porta nem janela, com fecho e chave, era separado por uma cortina de pano, pesada, de um corredor estreito que dava acesso a um outro quarto com janela de (sacada) varanda para a Rua de Santo António à Sé. Nesse corredor existia um lavatório de ferro, pintado de branco, com um balde por baixo, onde caia a água suja; ao lado o jarro também ele de ferro, com água limpa, para ser usada em lavagens diversas do corpo. Mais ao lado uma espécie de bidé com armação de ferro e interior de esmalte, tudo em branco. Existia também uma espécie de mala/arca, onde a mãe guardava roupas.

EM - PRISIONEIRA EM LIBERDADE - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

sábado, 2 de novembro de 2024

Lomelinices 42 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

42

As noites são vazias de tudo. Vazias de sono, de pensamentos, de sons, de cor. Apenas vácuo como se a vida estivesse em piloto automático, mas sem rumo definido nem propósito.

Abraço o silêncio e a almofada sem motivo concreto ou necessidade aparente. Apenas um gesto instintivo sem sentido, como todos os movimentos indistintos que faço. Talvez sejam espasmos do ser autómato que agora sou.

Deixo-me ficar esticado e imóvel sobre a cama à espera de que o desconforto ou o tédio me belisquem. Apenas fico e aguardo que o balão encha e a paciência, cujo paradeiro desconheço, estoire e preencha o nada que me envolve.

Nada. Absolutamente nada. Até que o primeiro raio de sol me lembra que tenho os olhos abertos e chegou o tempo de, simplesmente, fazer-me ao dia e deixar a vida carregar-me neste sonambulismo.

EMANUEL LOMELINO

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Epístolas sem retorno 19 - Emanuel Lomelino

Eça de Queiroz

Prezado José Maria,

Uma das maravilhas desta era digital é a possibilidade de ter, ao alcance de um dedo no teclado, e em tempo real, acesso a qualquer coisa, de qualquer ponto do mundo.

Neste contexto, volta e meia dou por mim a acompanhar, via internet, uma rubrica literária transmitida pela rádio espanhola (Cadena SER), que me permite descobrir alguns autores ou alargar o meu conhecimento sobre outros, cujas obras já tive oportunidade de ler.

A razão desta missiva nasceu após ouvir os surpreendentes sessenta minutos que aquela estação de rádio lhe dedicou recentemente. Não pela escolha do autor, porque sei da sua relevância e influência noutras latitudes (comprovadas pelas inúmeras traduções do seu espólio), mas pela forma como dissecaram e, acima de tudo, avaliaram a importância do romance O Primo Basílio na história da literatura universal, a par de Os Maias, O Crime Do Padre Amaro, A Tragédia Da Rua Das Flores e A Ilustre Casa De Ramires.

Eu não precisava deste testemunho, vindo de terras hispânicas, para justificar a razão pela qual tenho toda a obra queirosiana na secção dos clássicos da literatura.

Com vénia

Emanuel Lomelino