domingo, 28 de julho de 2024

Contos que nada contam 4 (Um homem vulgar) - Emanuel Lomelino

Um homem vulgar

Jeremias é um homem vulgar, com um caráter vulgar, uma vida vulgar, uma casa vulgar, um emprego vulgar, e uma rotina tão vulgar quanto ele. Apesar da vulgaridade, é um homem feliz.

A ambição é um pensamento estéril que só teve em duas ocasiões da sua vida, e ambas por ter sido questionado sobre o tema. Jeremias, por sua autorrecriação, nunca perdeu tempo para aprofundar a ideia.

No entanto, hoje, Jeremias confessou ao seu amigo Gervásio, ter passado toda a hora de almoço a invejar a exuberante vida do Ezequiel, companheiro de ambos nas tertúlias domingueiras no café da vila.

- Sabes, Gervásio, nem que fosse por um dia, gostaria de ter o intelecto e o carácter efusivo dele. Queria viver como ele vive, viajar constantemente, estar em lugares diferentes todas as semanas, ter uma casa maior, um emprego mais relevante, poder desfrutar das coisas que ele desfruta e ter uma vida mais agitada.

Gervásio acendeu um cigarro, bebeu um trago de cerveja, olhou o amigo com apreensão e retorquiu-lhe:

- A vida é engraçada! Ontem, nesta mesma mesa, estive a conversar com o Ezequiel, e ele disse-me que era capaz de dar tudo o que tem para ser como tu: mais contido, mais humano, mais caseiro, mais modesto, ter mais serenidade em casa, no trabalho, e poder viver a vida de forma mais tranquila, sem a obrigação moral de agradar, seja a quem for. E deixa-me que te diga, Jeremias, sinto o mesmo que ele. Ao contrário do que pensas, a simplicidade da tua vida faz de ti um homem especial. Alguém que todos nós gostaríamos de ser, mas nunca conseguimos porque ficámos obcecados em obter coisas efémeras, em vez de nos limitarmos àquilo que realmente importa – a felicidade. E, no nosso grupo, tu és o único que sabe o que é isso.

EMANUEL LOMELINO

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