sábado, 7 de agosto de 2021

E nem sei o dia - ROSE PEREIRA

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Amanheceu, e já estava atrasada quando avistei da janela uma flor nova no meu jardim.
Parei, simplesmente parei.
Esqueci do tempo, da hora, e das roupas já prontas no corpo, e me permiti, conscientemente, quebrar as regras do dia. Dediquei-me inteiramente aquela flor diferente que nunca tinha visto, tomada pela sua beleza que me atraia como uma mensagem de amor.
Aproximei-me o quanto pude.
Observei sem pressa seus detalhes, a cor, os traços, os minúsculos fios em suas pétalas, suas imperfeições...
Aparei-lhe os galhos secos, em outros me atrapalhei, catei a folhas mortas que nos cercavam, e não senti as dores dos espinhos.
A terra pediu água, e sem me despir das coisas do dia, encharquei-me com os apertos do peito. Tomei banho de mangueira numa hora imprópria e molhei as flores.
Senti-me menina outra vez, e mesmo assim, não prevaleceu o gosto de eternizá-la nas mãos como fazia nos vasos de outrora. Os pensamentos agiram por mim.
Perdi a noção dos afazeres, das responsabilidades e do humano, e somente a alma, serena, encantava-me.
Por alguns instantes recorri ao jardim do meu quintal.
Sorri pra mim, para a flor que me descobriu... e percebi que precisava mesmo revirar o solo, adubar, tirar as roupas molhadas, e enxugar o corpo.
Tudo agora esperava.

 EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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