domingo, 31 de janeiro de 2021

Enquanto Quarentena - MARIA ESMERIZ-THOMAS

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A nossa vida é como uma tela gigante onde registamos diariamente
as nossas ações, as nossas emoções, as nossas aventuras e, por vezes
apenas nos entretemos a desenhar garatujos (que até há quem diga
que revelam muito sobre nós) em momentos de um pensar mais
profundo ou abstrato. Porém, nesta quarentena obrigatória ou
auto-imposta deparamo-nos com a nossa rotina desmantelada.
Desmantelada. Diferente. Dolorosa. Aborrecida.
Pensamos que iríamos ler todos os livros que tínhamos em
“standby” na prateleira ou a viajarem dentro das nossas bolsas,
que iríamos pintar a cozinha, consertar roupas, exterminar os
lepismas que invadiram a garagem, dormir mais ou até darmo-
-nos ao luxo de criar uma certa anarquia (ou letargia(?) à nossa
volta. Tivemos a ideia de que para além do tele-trabalho
Ainda poderíamos iniciar um hobby, uma nova e inovadora
profissão. Quem sabe. Tanta alternativa e tanto que fazer. Depois.
Mas depois, à medida que os dias passam, devagarinho, acordamos
para a dura realidade e ao percebermos que o vírus virou viral e
que a sua devastação invadiu o mundo e o nosso raciocínio, caímos
nas incertezas, constatamos que não somos os maiores, que não
somos invencíveis e então pusemos logo de imediato todos os
gadgets e redes sociais ao nosso alcance a funcionar e os noticiários
televisivos em todas as “células” da nossa casa a noticiarem o que
queríamos ouvir e a bombardear com as imagens que queríamos
ver e, desta vez, pelo menos, o spectrum da morte é verdadeiro.
A morte anunciada a cada segundo é verdadeira. A morte acontece.
A morte reclama vidas. É verdade que o “dito cujo invisível” anda
á solta e rouba-nos a vida com um ténue bafejo.
É verdade que nos priva dos nossos gestos mais nobres: dos
beijos, dos afagos.
É verdade que nos priva dos nossos direitos mais básicos e
gratuitos - do sol que através das vidraças o vemos sorrir, mas que
por enquanto não é para todos, e para quem já “partiu” este sol já
não faz falta - para sempre - aos nossos pais, aos nossos avós - para
apenas mencionar família.
Já disse que o sol sorri lá fora. A primavera. Mesmo com um
nó na garganta dizemos que a primavera chegou luminosa e luxuosamente
vestida de verde e flores. Muitas flores. Flores a bordear
os campos com as suas grinaldas coloridas, flores bordadas
na relva onde aqui e ali já uma ou outra papoila espreita. O sol
a sorrir lá fora. A primavera meiga e criativa. Andorinhas. Onde
andam as andorinhas com o seu voar de rajada rente ao chão e
olho ligeiro.
Não as vemos. Só vemos as ruas austeras, tristes, silenciosas.
As casas de janelas fechadas à Morte. Ruas desertas e o silêncio.
Silêncio aterrador onde até as casas de Deus se fecharam. As casas
de Deus. Fechadas. Ruas ermas onde apenas anjos físicos lutam
labutam para nos manter sãos e salvos nos nossos próprios lares,
confortáveis ou não, a pensar no que o futuro próximo nos reservará,
a pensar no futuro mais alargado que se adivinha ainda
pandémico(?) assolador; ou podemos ansiar/imaginar um futuro
sociocultural e económico remodelado, numa estrutura mais
humanamente abrangente. Mais inclusiva ou até simplesmente
desejando/acreditando num mundo verdadeiro, firme, transformando
as nossas reflecções em ações para que possamos contradizer
Calderon de la Barca:
La Vida es un Sueño
Que es la vida? Un frenesi.
Que es la vida? Una ilusion,
Una sombra, una ficción.
Y el mayor bien es pequeño
Que toda la vida es un sueño,
Y los sueños sueños son.

E podermos um dia abrir os braços abrir os braços e dizer
que a vida não é para se entender. A vida é para se viver e, ainda

Calderon de la Barca:
La vida es un hermoso sueño
Y lo quiero vivir despacio

EM - PANDEMIA DE PALAVRAS - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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