Agradecemos à autora ARACELI SOBREIRA a disponibilidade em responder ao nosso questionário
1 –
Como você vê o papel da mulher na literatura atual?
As
perspectivas de escrita de autoria feminina na literatura atual envolvem muitos
esforços. Muito embora as novas tecnologias tenham aberto espaços para a voz
literária das mulheres contemporâneas, é necessário abrir veredas para que
gerações de mulheres leiam mulheres. Pessoalmente, tenho acompanhado a
trajetória de muitas escritoras que, assim como eu, viveram as transformações
sociais, culturais e econômicas dos últimos trinta anos e, ao escreverem, se
colocam não apenas como protagonistas de uma escritura, mas também como
mulheres, mães, negras, brancas, pobres, exploradas, violentadas, silenciadas,
e isso muda muito para quem lê.
2 – Em
que medida o universo feminino influencia na hora de escrever?
Venho
de uma família cujas mulheres tiveram que exercer muitos papéis ao mesmo tempo.
Minha mãe, minha avó materna, minha avó paterna e minhas tias tiveram que
vencer a violência doméstica, a pobreza e as dificuldades com maridos doentes,
o “cangaço” (minha avó paterna Maria Pereira de Lima teve o marido morto por
Lampião), o preconceito (minha mãe foi a “outra” e a “mãe solteira” apontada na
rua), a solidão, os casamentos desfeitos, a solteirice, entre tantas outras
situações. As histórias dessas mulheres me influenciaram quando decidi que elas
precisavam de minha voz, como um modo de não deixar em “silêncio” as conquistas
e desafios (e muitas perdas) que elas tiveram.
3 – Em
que corrente literária acha que a sua escrita se enquadra?
A
literatura fantástica está presente em minha escrita de prosa. Em poesia, gosto
da linha simbolista (sou amante da poesia de Florbela Espanca), em uma linha
mais contemporânea. Acredito que destaco com força a presença da linguagem
nordestina (Brasil), pela enorme influência que o sertão exerce sobre mim.
4 - Que
importância dá aos movimentos de integração da mulher?
Esses
movimentos são muito significativos, principalmente para quem está no início de
carreira como escritora. Digo muito que se houvesse esse tipo de militância,
quando eu tinha meus vinte anos, tudo seria diferente. Apesar de ter
participado, nos tempos de faculdade (Faculdade de Letras do Ceará, Fortaleza)
de grupos de criação literária, naquela época tudo era muito restrito ao âmbito
local, dos amigos e familiares, a projeção não tinha o alcance que os
movimentos criados nesses últimos cinco anos possuem.
5 – O
que acredita ser essencial para divulgar a literatura?
Entendo
que a literatura é uma prática social. E evidentemente, como prática social, é
resultado de ações não individuais: as famílias precisam ter acesso à livros,
as escolas precisam ter acesso a livros, é necessário ampliar os acervos das
bibliotecas, que devem estar abertas ao público. Trabalho nessa área como
professora de Literatura há 28 anos e acredito que em todo lugar dá para se
criar uma prática de leitura de contos, poesias, romances, entre outros textos.
Contudo, livro ainda é um objeto cultural muito caro, principalmente no Brasil.
O acesso à literatura não deveria ser outro que não o aprender o “gosto” pela
linguagem literária. Assim, é essencial democratizar o acesso aos livros, a
eventos literários, a encontros com escritoras de diferentes países e de culturas variadas.
6 -
Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita?
Eu sou
suspeita para falar em aspecto negativo. Dedico muitas horas de trabalho para
estudar o processo de aquisição, de divulgação e as teorias sobre
leitura/escrita. Então, não vejo o ato de ler e escrever como negativo. Ao
contrário, entendo que o acesso ao universo da escrita, principalmente ao da
palavra literária como caminho para a compreensão e a construção das
identidades sociais. Como escritora, as dificuldades para ser lida por pessoas
da minha área de trabalho (outr@s professor@s)) é algo que me faz questionar
sobre meus caminhos de escrita: antes de ser professora, eu era poeta. Fui
forjada em palavra-poética desde muito menina. Escolher ser professora veio
depois. Por isso, invisto muito na
formação literária de professores. A tendência
de leitura literária de autoria feminina no ambiente escolar ainda é pauta
muito recente no Brasil.
7 – O
que pretende alcançar enquanto autora?
Pretendo
que meus leitores se emocionem com minhas ideias, que minhas palavras atinjam o
mais profundo de seus sentimentos, que minhas histórias causem a mesma sensação
que tive ao buscá-las, enquanto palavra.
8 –
Cite um projeto a curto prazo e um a longo prazo.
A curto
prazo pretendo lançar três livros de poesia para crianças e outro livro de
poemas (todos prontos!). No futuro, usar a magia da linguagem para recontar as
muitas histórias das mulheres de minha vida.
9 -
Sugira uma autora e um livro (contemporâneos).
Zila
Mamede, autora potiguar falecida em 1985, mas cuja obra é tão contemporânea
quanto instigadora.
10 -
Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?
Uma
pergunta interessante: “O que você quer, Araceli?”. E Araceli responde com a
voz da cantora Rita Lee*:
Não quero
luxo nem lixo
Meu sonho é ser imortal
Meu amor!
Não quero luxo nem lixo
Quero saúde pra gozar no final
* Nem
luxo nem lixo (Rita Lee e Roberto de Carvalho)
Sobre a
autora:
Araceli Sobreira nasceu em 1996, em
São Paulo. Filha de nordestinos, assumiu-se “sertaneja”, após viver no Ceará e
no Rio Grande do Norte. Reside em Parnamirim (RN, Brasil), onde escreve
contos, minicontos e poesias. Com formação em Letras, leciona literatura, sua
grande paixão. Participou da Coletânea Mulherio das Letras Prosa (Brasil, 2018)
e publicou recentemente o livro “O espelho de Eloísa e outras histórias de
mulheres sábias” (Editora CJA), obra que destaca o poder das mulheres
sertanejas.
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