O fado do Fanã
Fanã, mesmo estando atrasado, como sempre, abrandou a passo, antes de entrar na casa de fados, onde Dália ia actuar, nessa noite. Esbarrou em dois sujeitos que bloqueavam a entrada. Pediu desculpas por ser desastrado e foi até ao balcão, com um sorriso ardiloso colado nos lábios e uma carteira acabada de colar-se aos seus dedos experimentados.
No momento em que se preparava para ver o produto da sua manha, ouviram-se os primeiros acordes da guitarra portuguesa. Apesar dos seus quase cinquenta anos e ter ganhado fama de durão, ele nunca foi capaz de fazer, fosse o que fosse, quando ouvia o trinar de uma guitarra. Era como se o instrumento tivesse um poder hipnótico sobre si.
No momento seguinte, aproveitando o silêncio que a música provocou na sala abarrotada de gente, a voz rouca, mas doce, de Dália ecoou-lhe até ao fundo da alma.
Quase por instinto, abriu a carteira que havia surripiado na entrada e a primeira coisa que viu foi uma foto de família.
- Maldita sejas, Dália! – murmurou entredentes.
Foi até à porta, onde ainda estavam os dois sujeitos, e disse, esticando a mão para um deles:
- Acho que isto lhe pertence.
Sem esperar resposta, voltou para o seu lugar, no balcão. Cruzou o olhar com Dália, que lhe sorriu, orgulhosa, enquanto cantava “O fado do malandro arrependido”.
EMANUEL LOMELINO
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