O caminhante
Silvério encostou o corpo cansado à parede rochosa, tentando encontrar, com os olhos baços, a linha do horizonte, como quem tem urgência em molhar os lábios ressequidos, no meio do deserto. Olhou à esquerda. Observou à direita. Apenas copas de árvores em relevos de irregularidade, e, aos seus pés, tão literal como respiração ofegante, a falésia íngreme e instável. Tremeu. Todo aquele cenário era uma analogia, tão real quanto apropriada, à sua vida.
Sentia-se envolvido por um deslumbrante mundo de beleza que não podia tocar, sob risco de perder o equilíbrio e desabar, em queda livre, ao primeiro passo mal calculado. As pernas opuseram-se ao reinício da marcha, paralisadas pela responsabilidade dos próximos passos. Todos os membros foram atingidos por um calafrio sufocante, como se uma corrente elétrica acabasse de os trespassar. Silvério nunca sentiu a eternidade como naquele momento.
Cravou os olhos na cruz plantada à beira do precipício e, mesmo não professando religião alguma, murmurou uma pequena prece como quem coloca o cinto de segurança antes de conduzir.
Afastou-se da parede granítica, palpou as escoriações de quedas anteriores, baixou a cabeça, certificou-se da firmeza do terreno a seus pés, inspirou fundo e retomou a caminhada, ladeira acima, determinado a prosseguir sem olhar para trás porque, por mais obstáculos que viesse a encontrar, a sua vontade de alcançar o planalto da tranquilidade era mais férrea do que aparentava e ele sentia necessidade de provar, a si mesmo, que era dono e senhor do seu destino.
EMANUEL LOMELINO
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