Diário do absurdo e aleatório
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Esgotou-se-me o sono, como acontece em todas as madrugadas de preguiça, e fico aqui, estaticamente deitado, a observar o silêncio aleatório da noite alta.
Na fluorescência dos pensamentos, que roem as sobras da modorra corporal, dou por mim a vaguear entre sonhos esbatidos, convicções dormentes, desejos impertinentes, certezas dúbias e outras leviandades do espírito, que só o próprio poderia explicar se fosse essa a sua vontade (que nunca é).
No meio desta sessão de tramas tão absurdas quanto despropositadas – porque a clareza das ideias nocturnas hão de esbater-se nos labirintos do mundo real – oiço o início da sinfonia piadora das aves, empoleiradas nos inexpressivos salgueiros, como estivessem a culpar-me pela sua insónia.
Abeiro-me da janela e solto um chiu mental para não acordar a vizinhança, e os pássaros, que parecem entender-me durante meio segundo, regressam às suas reclamações chilreadoras com vigor redobrado.
Perante a insolência canora, volto ao leito que esfria e sou esbofeteado pelo único pensamento lúcido que os primeiros raios solares iluminam: ainda estou de estômago vazio.
EMANUEL LOMELINO
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