quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Diário do absurdo e aleatório 30 - Emanuel Lomelino

Imagem publico

Diário do absurdo e aleatório 

30

Eu, invariável e intransmissível paradoxo de mim mesmo, confesso a opressão que sinto no peito quando cavalgo as searas de calcário multiforme, ou os tapetes de cimento, que me deixam embrenhar nas verdes edificações vegetais desta imensa cidade que, não sendo minha, me pertence.

Sinto-me asfixiado pela grandiosidade desta floresta de pedra, como se a megalómana largueza das avenidas e praças se estreitasse a cada passo dado. Que vício, o deste pequeno país à beira-mar plantado, de deixar ocupar, desproporcionalmente ao seu tamanho, todos os monumentos, antigos e modernos, que não me representando são um pouco a minha imagem.

Sinto-me estrangulado pela altivez dos gigantescos espelhos que refletem a modernidade edificada, como estivesse a ver, nos céus multiplicados, uma encenação da urbanidade liliputiana enquanto espera a chegada prevista de Gulliver.

Sinto-me sufocado pela exuberante beleza das estações que, ciclicamente, cobrem os solos com as tonalidades mais díspares, raras e feiticeiras, permitindo que os faunos esquilos se camuflem aos olhos de quem é, pelos deuses, privilegiado.

Durante anos senti-me tolhido, no pensamento, pela monstruosa desfaçatez do Olimpo, achando que tínhamos sido criados com a presunção de sermos os maiores, com a mania das grandezas, e termos mais olhos que barriga. Mas depois descobri que a própria natureza teve a ciclópica generosidade de nos dotar com esta vontade de querermos ser vistos pelo que fazemos e não pelo tamanho que temos, ao criar o Canhão da Nazaré.

EMANUEL LOMELINO

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