segunda-feira, 28 de março de 2022

Casamento arranjado (excerto) TEREZINHA PEREIRA

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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O homem rezava a missa de sétimo dia da falecida esposa. Ruminava. O que faria com cinco filhos a criar? A mulher se vai, sem mais nem menos. Da noite para o dia. E agora? Os cinco pequeninos e ele, as terras para cuidar...
Acabada a missa, o homem procura o vigário. Quanta desolação. Como fazer, indaga-lhe. O padre remói, cisma, presume... Em seguida, confessa algo ao homem aflito. Porventura. Quiçá. Acaso. Talvez. Uma ideia. Uma coisa, podia ser, que lhe mitigasse as carências. Ou dos órfãos, pelo menos. Arre! Acalmado, homem traça um sinal da cruz, beija a mão do padre e sai como se estivesse a perder o último trem da noite.
A mulher tinha dois filhos. Tivera três. O do meio se fora dois dias antes do amado, idolatrado marido. Gripe espanhola. Pandemia que abalou o mundo no final da segunda década do século XX. (No país, havia levado até o recém-eleito presidente da república.) Há seis meses estava ela viúva, pobre, casa alugada, duas crianças para criar.
Ela ouve um batido à porta. Já era noite. Desconfiada, atende. Era um conhecido a fazer-lhe uma proposta. Dito o que queria dizer, o homem despede-se e sai sem esperar resposta. Viria outro dia. Ela fecha a porta. Meio desnorteada, entra no único quarto da casa. Os filhos dormem enroscados na sua estreita cama de casal. Senta-se com cuidado para não fazer muito barulho com as palhas do colchão. Que dó. Tão magrinhos. Vara a noite a chorar.

EM - ECOS BRASIL - COLECTÂNEA - IN-FINITA 

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