domingo, 8 de abril de 2018

EU FALO DE... HUMILDADE E LENÇÓIS


Não raras vezes, em conversa com outros autores, abordam-se temas interessantes e que merecem reflexão. Apesar de ter os meus próprios conceitos sobre a poesia, tenho a abertura suficiente para compreender pontos de vista distintos dos meus. No entanto, essa disponibilidade de entendimento só marca presença quando, do outro lado, existe capacidade argumentativa, logo pensada, que justifique o que é defendido. Essa forma, de estar e compreender o outro, é a razão primeira para a minha evolução enquanto autor.

Não me cai nenhum braço se afirmar que, ao longo do meu percurso, fiz algumas alterações significativas no meu modo de criar e, acima de tudo, no modo de entender fórmulas e conceitos mais válidos e lógicos que aqueles que tinha anteriormente.

Posso dar como exemplo uma conversa com, talvez, seis ou sete anos, e que mudou a minha percepção sobre os primeiros escritos editados.

Ao falar com um autor, com muitos mais anos de experiência e criação, consequentemente com uma visão mais abrangente e conhecedora, entendi algumas coisas que hoje são, para mim, pedras basilares naquilo que escrevo e na forma como o faço. Depois dessa conversa, consegui perceber a diferença entre poema e poesia. Depois dessa conversa, consegui entender o que distingue um bom poema de um mero poema. Depois dessa conversa, a minha escrita evoluiu e, acredito, atingiu patamares mais elevados que, caso não tivesse escutado o que me foi transmitido, muito dificilmente atingiria.

Não raras vezes, uma simples conversa com outros autores pode alterar as nossas percepções e levar-nos a mudanças que, à primeira vista, são mínimas mas que marcam e definem, de forma impactante, todo o nosso trajecto. Mas para que essa mudança exista e ajude a criar novas bases de sustentação para aquilo que escrevemos, temos de trabalhar em nós a tal capacidade de ouvir os outros; evoluir no nosso pensamento e, talvez o mais importante, sabermos admitir que, por muito bem fundamentados que sejam os nossos argumentos, por mais lógicos e assertivos que sejam os nossos conceitos, o simples facto de sermos humanos leva-nos ao erro e devemos, em todas as circunstâncias, ter a humildade de reconhecer essa nossa condição.

Tal como a grande maioria dos autores que conheço, eu também escrevia autênticos lençóis de versos e apelidava-os de poesia. Bastava ter caneta na mão e, enquanto houvesse espaço branco numa folha de papel, escrevia, sem dar-me conta que aquilo que eu achava um grande poema, uma quase obra-prima, não passava de um mero poema que, seu eu tivesse, na época, os conhecimentos que ganhei com a dita conversa, talvez pudesse ter transformado em três ou quatro bons poemas.

Essa conversa ensinou-me que poema é o texto e poesia é a obra. Com essa conversa aprendi que um poema grande raramente é um grande poema, Após essa conversa entendi que a excelência de um poema não está na quantidade de versos produzidos, está sim na qualidade dos próprios versos e, se fazer um bom verso já é difícil, criar um poema com inúmeros versos de qualidade é tarefa complicada, quase utópica, que apenas alguns génios foram capazes de produzir.

Através dessa conversa consegui entender que uma ode não é feita por quem quer, mas sim por quem pode e sabe. Percebi também que, por mais esforço que um autor possa empregar no acto de criação, poucos são capazes de atingir a excelência, menos ainda quando a consciência de autor não existe e todo e qualquer escrevinhador acredita, na sua total ausência de humildade, ser Álvaro de Campos, Ruy Belo ou José Carlos Ary dos Santos, para não mencionar mais.

Depois dessa conversa, não passei a ser defensor intransigente da poesia minimalista, mas compreendo melhor o quanto é necessário ter os pés bem assentes na terra e que, em vez de tentar, em permanência, criar uma nova Ode Marítima, posso fazer três ou quatro poemas mais reduzidos que, em conjunto, podem beneficiar qualitativamente a minha poesia.

A poesia é a soma dos poemas que criamos e a qualidade dela não depende do tamanho dos poemas, depende sim do valor com que cada poema contribui para o todo. As boas obras de poesia não são unanimemente compostas por poemas grandes. As boas obras de poesia são alicerçadas na grandeza dos versos, na grandeza dos poemas, na consistência qualitativa do que se cria.

Depois dessa conversa, não passei a ser defensor da poesia minimalista e também não sou adverso aos escritos mais longos. Depois dessa conversa cheguei à conclusão que teria mais a ganhar entregando-me com todo o vigor e esforço à criação qualitativa em detrimento dos lençóis.

Bem vistas as coisas, cada um deita-se na cama que faz.

MANU DIXIT

1 comentário:

Toca a falar disso