quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

FALA AÍ BRASIL... JOÃO AYRES (XVIII)

Tragédia 11
Freitas e Armando ou Armando que se aproxima do bar cujo dono está a lavar o substantivo mais do que concreto chão.
A classificação gramatical neste caso encerra contextualizações premonitórias, pois o substantivo chão que agora está sendo lavado pelo pronome indefinido alguém traz à baila verbos como tropeçar, escorregar, machucar, ferir, quebrar e coisas do tipo.
Armando se aproxima e escorrega em virtude do sabão em pó usado para a lavagem do chão e quebra a perna direita e Freitas que tentou em pretérito perfeito em terceira do singular ajudá-lo também escorrega e se machuca consideravelmnte.
Não se sabe se os dois iriam em futuro do pretérito tramar o assassinato de Matias.  Fato é que os dois jaziam naquele chão, um sobre o outro.
Para piorar as coisas, o revólver comprado por Armando que por sua vez não tinha porte de arma para matar o tal Matias estava em imperfeito do indicativo destravado e disparou atingindo o ombro do dono do bar de raspão provocando um alvoroço sem igual no tal estabelecimento.
Lá estavam os dois estirados no chão quando o tal Matias passou por acaso por eles e ironicamente indagou acerca do câncer do tal Freitas e também ofereceu ajuda ao seu Armando que com o olhar tomado de ódio cuspiu em seu rosto.

Matias que limpou aquela sujeira de sua face e seguiu seu caminho resoluto sem sentir absolutamente nada.

mini-Biografia: João Ayres

Poeta, ensaísta, romancista, compositor, cantor de samba,jazz e blues.
Parceiro e biógrafo de Delcio Carvalho.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

FALA ÁFRICA... MACVILDO PEDRO BONDE (XXI)

Gotas de luz

Já não ignoro os sinais pulsando no meu braço, a cor da esferográfica agitando temores do fim. Hoje, arremesso a minha dor contra a ferida do tempo, engulo o silêncio no escuro deserto, a chuva desliza nos cabelos da minha aldeia. Dizem: as gatas dormem no colo da madrugada, ou despem [todas as mazelas] o abismo no fio dos cabelos. Eu, recatado no sermão do Viera, abraço as metades do verso. Sei que vou bêbado ao palco onde Rimbaud despojou toda a magia brotada no leito da morte. Deixo-me lúcido por instantes, a luz restante rompe parte dos sinais, capto o sabor das gotas pintando a minha janela.

Breve biografia
M.P.Bonde nasceu a 12 de Janeiro de 1980 em Maputo. Foi membro do projecto (JOAC) e do colectivo Arrabenta Xithokozelo. Em 2017 lançou a sua primeira obra literária “Ensaios Poéticos” pela Cavalo do Mar.
Vencedor da 1.ª edição do Prémio Literário Fernando Leite Couto.


segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

EU FALO DE... NOVIDADES DO PROJECTO IN-FINITA


O projecto IN-FINITA é o resultado da união de esforços e experiências acumuladas durante quase uma década, tanto no Brasil como em Portugal.

Do envolvimento, de cada um dos membros, no universo da escrita, em ambos os lados do Atlântico, nasceu a percepção do que ainda pode ser feito e melhorado, junto dos autores e dos editores. Com essa consciência, algumas ferramentas, e a certeza que podemos marcar a diferença com o saber adquirido, arregaçamos as mangas e propomo-nos preencher algumas lacunas detectadas.

É vasta a gama de trabalhos executados por cada um de nós ao longo dos últimos oitos anos (apresentação, elaboração e coordenação de obras, tanto individuais como colectivas, organização e moderação de eventos, assessoria e divulgação de obras e autores, revisão de textos, artes gráficas, etc). O capital de confiança junto de autores e editores são o nosso primeiro cartão de visita, mas queremos ir mais além. Queremos que a IN-FINITA, passo a passo, demore o tempo que demorar, se imponha por si mesma, através da qualidade dos trabalhos feitos, da credibilidade dos serviços prestados, da seriedade e da entrega.

Temos noção das dificuldades e das resistências que vamos encontrar mas também estamos certos dos caminhos que podemos e devemos percorrer e que, mais tarde ou mais cedo, a persistência, que habita em nós, dará os seus frutos.

Ultrapassados que estão os primeiros obstáculos, já é possível anunciar novidades. Nomeadamente o início de uma parceria com o Palácio Baldaya, em Lisboa, que nos permitirá criar eventos de promoção, divulgação, discussão e encontro, dos diversos agentes do universo da escrita.

Já estão programados, até ao final de Julho, doze eventos, com diferentes características mas com o mesmo propósito: dar voz a todos os intervenientes do panorama literário e permitir um maior contacto com o público leitor. E começaremos, já no dia 3 de Fevereiro, com a organização do I Sarau Poético.


MANU DIXIT

domingo, 28 de janeiro de 2018

FALA AÍ BRASIL... CRISTINA LEBRE (III)

Muito se fala sobre os relacionamentos atuais, diante do tão grande apelo que esse bichinho chamado Smartphone nos traz. É impressionante a solidão que vivemos hoje. Solidão a um, a dois, a três, a milhões. As pessoas podem estar juntas fisicamente, mas as mentes se separam de forma instantânea quando se liga os aparelhos. Não é mesmo muito esquisito hoje em dia ficar sem luz, sem bateria, sem wifi? Parece que não temos mais o que fazer, ou como viver.

E o que dizer dos posts? Há pessoas que não veem o pôr do sol porque estão ocupadas fotografando-o, ou pior, fazendo uma história sobre ele no Instagram. Gente, fazer história no Insta é, na maior parte das vezes, completamente inútil! E o snap, então? Coisa mais besta! Mas tanta gente adora, e se preocupa com isso o tempo todo. Não curte o que está fazendo, curte postar o que está fazendo! É totalmente bizarro.

As redes sociais nos devoraram. As pessoas não conversam, não namoram, não se olham. Fazem tudo pelo Face. Pelo Face a gente consegue até encontrar um amigo que não via há anos, mas e depois? Vamos, efetivamente, vê-lo, tête-a-tête? Ou ficamos somente na conversa virtual? Triste admitir que quase sempre é o que fazemos.

Pelas redes sociais o povo brasileiro vocifera contra os poderosos corruptos. Mas cadê que vamos às ruas? O que está faltando para irmos? Lideranças? Talvez. Mas onde estão os possíveis novos líderes? Será que não estão em casa, bradando através das teclas de um celular?

Não sou contra o smartphone. É uma geringonça efetivamente maravilhosa, possui inúmeros recursos, facilita tremendamente a vida. O problema não é o celular, é a gente. O problema é que nos rendemos a ele e o tratamos como o nosso ídolo, nosso cônjuge, nosso familiar. A questão central é o nosso desequilíbrio em relação à essa tecnologia tão importante.

Chegará o momento em que a humanidade vai olhar para trás e comentar como o ser humano do início do século XXI foi insensato. Até lá, nosso vício atual custará milhares de relacionamentos, entre nós e com a natureza. Que a gente pare um pouco pra pensar, e ler sobre o assunto. Ele é vasto demais para uma simples coluna. E perigoso demais pra gente deixar de abordar.

Cristina Lebre é autora dos livros Olhos de Lince e Marca d’Água à venda nas Livrarias Gutenberg de Icaraí e São Gonçalo, pelo portal da editora, www.biblioteca24horas.com, ou e-mail lebre.cristina@gmail.com

mini-Biografia: Cristina Lebre

Formada em Jornalismo pela UFF, e pós-graduada em Letras, Cristina Lebre escreve desde criança, mostrando sempre uma sensibilidade aguda para o drama do ser humano e da natureza, enquanto toca os corações de muitos com seus versos livres e cheios de grande emoção. Possui dois livros publicados, “Olhos de Lince”, lançado em 2008, e “Marca d’Água”, de 2014.  Sua poesia transporta o leitor ao mundo lúdico, lírico e belo da geração atual de poetas brasileiros.


sábado, 27 de janeiro de 2018

ADRIANA FALA DE... PÓS-VERDADE


Nesse tempo de pós-verdade, um conceito que não apenas se restringe a assuntos relacionados, mas que também mistura-se no cotidiano de todos nós, incentivado pelos espaços virtuais que abrem caminho para a exposição de opiniões e crenças pessoais criando um palco sem limites para todos os tipos de comentários. O limiar tênue entre a razão, a coerência, o ego, a auto promoção e a vaidade misturam-se com o fato em si, e em um bailado interessante, às vezes até cômico, e deveras preocupante, pessoas falam e fazem o que querem, invadindo sem respeito a opinião ou atitude alheia, sem ao menos aprofundarem-se no assunto, ou no mínimo, a sensatez para ler o que está escrito. As emoções exacerbadas, acredito que por frustrações ou necessidade de se fazer aparecer, leva pessoas que nas imagens divulgadas, com livros e prêmios, parecem mais um ser desesperado por se fazer notar, com comentários despropositados e totalmente descabidos. Observo de perto e também com uma certa distância essa atuação com uma sensação de que algo não faz sentido, e que a literatura e tudo o que a ela se relaciona, deveria ser tratada com uma certa reverência, postura e profissionalismo. E como faço parte desse universo da escrita, e como profissional, analiso o mercado, perfis e condutas de autores e editoras, muitas perguntas sem respostas habitam meus pensamentos, nesse espetáculo em que o que é certo ou errado, sensato ou inconsistente, foge totalmente das regras que se imagina de atuação profissional. E com isso, fico a refletir, sobre como caminha a humanidade, com as novas gerações habituadas a essas cenas de hipocrisia e pós verdade, onde cada um, de acordo com suas emoções tenta ocupar espaços, seja ao custo que for. Como sempre defendi que roupa suja se lava em casa e que determinados assuntos se discute entre quatro paredes, fico perplexa ao amanhecer vendo uma senhora para lá da meia idade, lavando roupa suja no facebook, e o que é pior, contra ela mesma, tentando contaminar quem estivesse por perto e denegrir o trabalho alheio,  pois como não a conheço, foi a impressão que tive. E lamento mais ainda, pois se diz autora premiada, com vários livros e participações, e tive o desprazer de saber da sua existência não pelas obras que espero que sejam um contributo para cultura, no qual perdi totalmente o interesse de ler, mas sim, por não saber utilizar uma rede social para seu benefício, pois se existe a possibilidade do privado, é nítido que o tumulto que a senhora quis provocar, é uma mera tentativa de se auto promover, da pior forma. O mercado está cheio de lobos com pele de ovelha, de camuflagens e máscaras, de sorrisos e facas, como sempre foi, mas que hoje, é disseminado incontrolavelmente pela vitrine que invade nosso dia a dia e que, se não nos distanciarmos, e apurarmos os fatos com cautela e uma percepção lógica e justa, vamos sempre confundir gato por lebre.


DRIKKA INQUIT

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

FALA AÍ BRASIL... PATRÍCIA PORTO (XXV)


Escrever um livro memorialista exige diversos sacrifícios, um deles é ausentar-se, tomar distanciamento para trazer não pessoas, fantasmas, mas personagens. Reminiscências podem ser fonte sim de permanência, mas também de impermanência. Então resolvi largar mão das minhas, deitar fora. Disléxica, tenho dificuldades com a linearidade, penso por imagens e cometo erros grosseiros. Venho com uma lupa velha e acendo alguns pontos, outros não. O livro quase pronto na base fragmentária. Memórias feitas pra mudar, nunca para ficar. Um dos trechos ou contos, estilhaços, o que seja.
"Lord"
Lord era nome do cachorro do meu avô, um collie, que eu conheci na sessão da tarde como Lassie. Minha mãe adolescente implicava com ele. Talvez tivesse ciúmes do cachorro, nunca saberei ao certo. Mas a história que ouvi de familiares era que ela realmente o detestava e detestava o modo carinhoso com o qual meu avô tratava o cão. Um dia ela o provocou até o desatino. Cachorros domésticos desatinam. E ele a mordeu quatorze vezes pelo corpo inteiro. Meu avô ao se deparar com a cena, minha mãe toda ensanguentada, pegou a espingarda e matou Lord. A espingarda eu conheci. Ficava pendurada na sala. Naquele dia ele a tirou de qualquer possibilidade de uso. Qualquer. A arma, a violência e o sangue entraram assim pela porta da frente da minha memória. Qualquer também.
Eu sou uma mulher do meu tempo e trago uma faca pontiaguda pendurada no peito. O meu tempo faz parte da decadência humana, porosa. Por isso entender minha mãe era entender o Brasil. A hippie louca que casa com o militar de baixa batente e se torna ela o superior imediato. Não estamos acostumados com a democracia. Somos filhos da escravidão e das ditaduras civis, jurídicas e militares. Minha mãe me abandonou para viver a vida com liberdade, mas nunca experimentou o que era ser livre longe de qualquer pequeno poder. Nunca foi realmente livre. Eu entendo que a democracia seja o demo, assustadora nos seus princípios clássicos de direitos. Assustadora em permitir nuances. Aceitar diferenças é democrático porque permite. A liberdade não pede permissão para ser e é agnóstica. É permitido ser sem ter que pedir a sua permissão, você sabia? Isto diz respeito a tudo e todos. Não adianta mudar uma palavra pensando ter mudado uma gramática. E como mudar uma gramática se fomos formados em seu falo? Minha vida se confunde então com a minha pátria fálica. Sempre achei uma coincidência ter um nome tão apropriado. Patricia Porto. Pátria e Porto. Destino e chegada. Destino e saída. Não era uma coincidência saudosista. Era uma profecia de cair no mundo, pária. Um glossário e ao mesmo tempo um bestiário entre escolher ser eu ou todas as outras.

mini-Biografia: Patricia Porto

Graduada em Literaturas Brasileira e Portuguesa, Doutora em Políticas Públicas e Educação, professora e poeta, publicou a obra acadêmica "Narrativas Memorialísticas: Por uma Arte Docente na Escolarização da Literatura” e os livros de poesia "Sobre Pétalas e Preces" e "Diário de Viagem para Espantalhos e Andarilhos". Participou, ainda, de coletâneas no Brasil e no exterior, integra o coletivo Mulherio das Letras e é colaboradora do portal da ANF (Agência de Notícias das Favelas).


quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

EU FALO DE... OBSESSÃO E SERIEDADE


O número crescente de autores a conseguir editar já não espanta ninguém. A proliferação de chancelas é de tal ordem que só não edita quem não quer. Esses são dois factos reais e indesmentíveis.

Também não causa surpresa as constantes reclamações sobre o trabalho de algumas chancelas. Há sempre autores descontentes e os dedos apontam constantemente nas mesmas direcções. Facto real e compreensível.

Aquilo que, pelo menos para mim, é ridículo e inexplicável e, para a maioria, porventura passa despercebido, é a obsessão, quase doentia, que algumas chancelas nutrem pelos selos concorrentes.

Apesar de ter uma opinião muito objectiva sobre o que deve ser a relação entre autores e chancelas, e o papel de cada um, consigo entender algumas queixas e as razões de ambos os lados.

O que não consigo entender é essa fixação destrutiva que alguns usam para desviar autores. Compreendo ainda menos quando, os "donos da verdade suprema", usam os autores, como instrumentos de arremesso, para atingir fins, que não são compatíveis com o trabalho que se propuseram fazer e que, muitas vezes, cumprem da mesma forma insatisfatória.

É ridículo, para não dizer absurdo, constatar que há quem se faça passar por virgem ofendida quando perde mais tempo a discutir a virgindade alheia e aponta os telhados dos outros em vez de cuidar e fortalecer o seu.

Ninguém obriga ninguém a editar por esta ou aquela chancela, e cada autor tem de assumir a sua escolha, com tudo o que daí advier, bom e ruim.

Quanto aos editores... esses devem limitar-se a demonstrar, na prática e com trabalho, que são melhores que os demais. Ninguém é melhor que os outros denegrindo-os. Como diz o velho ditado "para ser sério não basta parecê-lo", é preciso ser sério mesmo.

MANU DIXIT

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

FALA ÁFRICA... MACVILDO PEDRO BONDE (XX)



Caminhos

Não oiço a voz, a tristeza nos olhos da noite. As letras, as palavras que desenham as paredes do universo baloiçam nas avenidas do meu tempo. Continuo na penumbra do vácuo, os frutos do verão apodrecem indefesos nas árvores, os pássaros famintos abandonam a quietude do voo, meu ser ofegante na alvorada busca um rótulo na virgindade do papel. Quero estender no asfalto a minha voz interior, serpentear nos olhos da vela descerrando o caos do fogo extinto. Regresso ao vácuo, tomo um golo de cerveja, absorvo as bolhas que dançam na boca do copo. É tudo o que sinto: o frio dos pés, o silêncio da língua, a amargura nos lábios, a imensidão das mãos cartando palavras ao entardecer. Toda a bravura nos meus cabelos esfumou-se na inocência da voz sem idade, no devaneio do escuro que agora me cobre a dor.

Breve biografia
M.P.Bonde nasceu a 12 de Janeiro de 1980 em Maputo. Foi membro do projecto (JOAC) e do colectivo Arrabenta Xithokozelo. Em 2017 lançou a sua primeira obra literária “Ensaios Poéticos” pela Cavalo do Mar.
Vencedor da 1.ª edição do Prémio Literário Fernando Leite Couto.


terça-feira, 23 de janeiro de 2018

IN-FINITA APRESENTA... PAULO DE CARVALHO

Paulo de Carvalho, escritor e poeta, com dois livros publicados, Kyrie e Cantabile. Nascido no ano de 1955, na cidade de Niterói, RJ, iniciou desde cedo suas incursões no cenário artístico-cultural. Atualmente dedica-se ao seu trabalho como Designer Gráfico/Diagramador e editor. Fundador da Editora Armazém de Quinquilharias e Utopias, e militante incansável da literatura. Produtor e organizador do movimento literário e do Franzine Alfarrábios, é com imensa alegria e orgulho que agregamos ao time da Assessoria Literária In-Finita, esse dinamizador da arte da escrita.

Kyrie:
O tecnicismo dos nossos tempos cria a exigência de ações precisas e urgentes na busca incessante de objetos, produtos e serviços cada vez mais eficazes, avançados e sofisticados, cujo sentido se dissolve no atendimento ao consumismo e à satisfação narcísica dos indivíduos. Deste modo, se, por um lado, experimentamos os avanços científicos e tecnológicos em pról de uma melhor qualidade de vida; por outro lado, vivenciamos a destruição da natureza e a anulação da subjetividade como efeitos de tais avanços. Este livro de Paulo de Carvalho, escrito em linguagem rebuscada e repleto de simbolismo, não representa, tão somente, o fruto de suas introspecções. Ele é, acima de tudo, resultado de vivências, observações do âmbito eclesiástico, estudos, pesquisas e análises das Sagradas Escrituras, revelado em forma de poemas exortativos. Seu conteúdo ressalta aspectos sociopolíticos e religiosos da vida contemporânea remetendo o leitor a diversas indagações filosóficas e teológicas. A articulação entre as Sagradas Escrituras e a Poesia faz de sua obra uma inovação, tendo o autor o seguinte princípio- Deus é Poesia e todos os Homens são poetas?. Contudo, antes de fomentar uma reflexão acerca da relação que o homem es elece com Deus, os poemas de Paulo de Carvalho incitam a pensar sobre a relação que os homens es elecem entre si, consigo mesmo e com a Natureza, principalmente, em nome Dele. Pois, no que tange às relações humanas e do que delas decorrem, não experimentamos avanço ou progresso semelhante aos já citados. Onde hoje natureza viva por mesas mortas Fartas ceias fartam sujeitos fartos. Fartos de brindes e brilhos - (Cansada Ceia). Se a Poesia é uma criação literária, manifestação artística, forma de linguagem rica em metáforas e analogias, embalada em pura transcendência, por que não ser usada como ferramenta que possibilite uma outra visão de mundo?

Andreia Santos de Carvalho, Psicóloga - Mestre em Pesquisa e Clínica em Psicanálise (UERJ).
Podem ler o texto integral neste link

Cantabile:

A ReDescoberta da Poesia: Paulo de Carvalho e seu Cantabile
Fabio Ulanin*


Os gregos tinham duas palavras para se referir à criação: techné e poiésis. A primeira relacionava-se às artes práticas — o fazer técnico, utilitário, voltado para os afazeres domésticos ou comerciais; o segundo — a Poiésis — ia mais além: revelava a criação maior, aquela que, no Íon de Platão, era reservada ao aedo, o poeta que, iluminado (ou tomado) pelos deuses, revelava o saber maior, mais antigo, intenso, da existência humana. Não por acaso que, na Odisséia, Homero deixa, logo em seus primeiros versos, a palavra narrativa para a Musa. Ao invés de pedir para o Alto o direito de narrar “a Ira de Aquiles” (como na Ilíada), entrega à própria palavra-poética as aventuras do regresso do herói Odysseus. Entre o curvar-se à Musa (aquela Calíope que detém o herói em suas sedutoras mãos: 

“Diáfanos se faziam os séculos
ao afã da poesia e seus poetas.
Tênue translúcido despertar
— Enuncio lavradio da paixão.
Urgia a mais bela mulher.”)


e o deixar que a palavra se revele, há um abismo imenso, intenso e único. O que esperamos, então?
Esperamos apenas que a Poiésis possa revelar-se, íntima e intensa, como se fosse nossa esperança. Há, enfim, o Canto – e este Cantabile de Paulo de Carvalho é um encontro com os sons e nomes (eidos) que se nos aguardam ao pesarmos nossos desejos e nossas íntimas esperas. O Poeta, com vistas à plenitude, divide o livro em quatro partes distintas e complementares (Poemas para Ver, Cotidianos, O Traço Vazio, As Quadras Dela), anunciando uma totalidade de formas, as quais nos remetem ao criador da palavra-mistério do Nome que Cria: o poeta é o daimon, o mensageiro entre o Alto, do Belo pleno, e os homens. Os poemas vão do amor-esperado ao Amor (em-si, ele-mesmo: 


“Sou o que vejo no espelho,/ou o espelho me vê?/no que sou?”) 

correspondido à expectativa íntima da formação do Mundo, como aquela máquina (referida por tantos poetas, como Camões) misteriosa que nos rege e nos ergue. Um desejo de entrega e de desvelar o Mistério.
Mas este livro consegue ir mais além dos horizontes da poesia que nos é apresentada pelas academias e pelos poetas “profissionais”. É um fazer no sentido pleno: a busca da palavra justa (le mote juste de Flaubert) que se entrega e integra à essência da criação. Este Cantabile é o Cântico da entrega do poeta em suas (nossas) expectativas várias. Sejamos, nós, leitores, os amantes amantíssimos que jogam, sobre o tabuleiro, peça a peça, os movimentos da conquista, como em Jogo de Xadrez:


“A dama, de branco trajada,
Tem a vantagem do lance.
Jogo de xadrez!”


ou sejamos, ainda além, estes seres preocupados, intensamente, com o cotidiano que se nos apresenta prenhe de sentidos:

“Segue tua estrada,
Homem solitário!
Segue teu silêncio
Composto de azos e cinzas.
O céu já desvanece ao teu redor.
Não há mais a sarça
(E ainda assim te ardes).”


Mais: se temos de ser — sejamos mais e além: a busca intensa do encontro com nossa essência (“Voa... Voa-me teus escuros,/Macios, suaves, queridos lugares./Seduza-me vento, asas e sol”). Enfim: a Palavra Criadora é uma só — a entrega do poeta ao Ser, o ente que se vê e vê ao mundo como algo além de si, além da revelação terrena:

“Abstrair da palavra
A lavra silábica falada;
Plantar o verbo em hortas.
Mas não tocai o cio do solo.” 


Cantabile é o cantar pleno da palavra. Assim como o Poeta, o fazedor, no dizer de Borges, é o aedo que une (re/une?) todo o Belo na forma do dizer a plenitude: 

“Todo Verbo das tardes falavam outonais:
maciez dos sabores, botões das orquídeas,
matiz das peles: tez tênue, casta nudez.
Cultos solenes — Hinário dos sopros.”


A plenitude da Vida – e a vida é a palavra que crê e cria: Crê em Calíope, que nos prende; Cria, como no princípio do Verbo.

*Fabio Ulanin é mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP. Professor universitário, poeta, autor dos livros Animaquia (1997) e Kether (1999); teve poemas publicados em antologias na Itália e na Suíça, além de artigos sobre literatura no Brasil e em Portugal. Seu próximo livro de poesias, Bemidbar, encontra-se no prelo.

Podem ler o texto integral neste link


Conheçam e contactem o autor neste link

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

FALA BRASIL... PATRÍCIA PORTO (XXIV)

Não me lembro de ser uma mulher comum sem o rude exercício de aprender as lições da vida - ali - cotidianamente com "a faca nos dentes". Com horas pequenas, dias efêmeros dentro de outros longos e limitadores dias de pouca estima. Aprendi a viver? Inevitável aprender a viver e fazer da vida algo transformador quando se tem a pedra como lição e companhia. Com o passar dos anos e da convivência aprende-se muito sobre as pedras. Aprende-se sobre o afeto que nos foi negado, sobre as falhas do trajeto, sobre as desigualdades dos caminhos mais do que das origens. Aprende-se sobre a condição de ser, a situação de ser, de ser quando se está realmente sendo. E ser mulher, a mulher do dia, a mulher, como diz Cora Coralina: “a minha irmãzinha”, requer a sabedoria das pedras. Preparar a vida do amanhã, aninhar no braço sonhos destruídos, abraçar causas desperdiçadas, amar os retalhos sem concessões e na solidão que não é bonita, requer desdobramentos do corpo e da alma.

Eu também sei o que é ter asas e ser impedida de voar. Ou ser daquele tipo que não chia nem canta. Isso talvez seja das violências a que mais nos atinja, a violência silenciosa das grades construídas com a ajuda de nossas próprias mãos, a construção pelo desperdício do raro, pelo silêncio instalado entre o jantar e as coisas sujas que se amontoam nas pias da vida. No universo dos pequenos detalhes e das sutis delicadezas a alma de desdobrada pode tornar-se um vulto, uma sombra do que se é realmente. Presa na torre que a confunde entre a espera e o desejo de mudança, a mulher que veio das pedras, precisa ter a audácia de roubar a chave do seu fiel carcereiro para enfrentar o desafio da liberdade.

A mulher das pedras que se liberta de seguir um padrão rígido qualquer ou a grande expectativa do carcereiro, corre o risco de se tornar a flor sedenta de sol, a flor teimosa que nasce vertiginosamente entre as pedras, até porque belíssimas flores nascem de solos difíceis. Zelar pelos novos fios que nascem da vida, tecer mitologicamente a sua própria natureza recém-descoberta, fará dessa mulher a vasta existência entre tudo o que lhe foi negado de história e tudo que virá a ser projeto de futuro. A mulher que nasce entre a peleja e a beleza de sua sede de vida - quase um clichê, corre um risco imenso de despertar - incompleta, feliz.


mini-Biografia: Patricia Porto

Graduada em Literaturas Brasileira e Portuguesa, Doutora em Políticas Públicas e Educação, professora e poeta, publicou a obra acadêmica "Narrativas Memorialísticas: Por uma Arte Docente na Escolarização da Literatura” e os livros de poesia "Sobre Pétalas e Preces" e "Diário de Viagem para Espantalhos e Andarilhos". Participou, ainda, de coletâneas no Brasil e no exterior, integra o coletivo Mulherio das Letras e é colaboradora do portal da ANF (Agência de Notícias das Favelas).


domingo, 21 de janeiro de 2018

EU FALO DE... ASSUMIR ERROS


Num dos textos anteriores falei da frustração que sinto quando me deparo com trabalhos que mereciam uma exposição bem maior do que aquela que eu e os meus projectos podemos e conseguimos oferecer.

Tal como referi nesse texto, para lá da frustração, também existe uma enorme dose de regozijo pelo facto dos autores, que convido para integrar os meus projectos, depositarem confiança nas minhas capacidades.

No entanto e porque há sempre pedras no caminho, nem tudo são rosas e essa é uma outra realidade, com a qual muito tenho aprendido.

Se, na frustração que falo no primeiro parágrafo, esse sentimento advém da impotência ou incapacidade que tenho para dar maior visibilidade aos trabalhos que me chegam às mãos, há uma outra frustração associada ao parágrafo anterior que surge apenas porque, infelizmente, há sempre quem se julgue a última bolacha do pacote.

Nenhum dos trabalhos que fiz está isento de erros meus, seja por omissão, desatenção, ou até mesmo incapacidade. Mas jamais deixei de assumir essa responsabilidade e nunca a sacudi para ombros alheios.

Os projectos que estão em andamento, entre os quais uma nova colecção, esta de contos, não serão perfeitos mas, tenho a certeza, merecerão de mim todo o esforço e dedicação, para que fiquem o mais perto que conseguir.

E quando o resultado desses projectos aparecer aos olhos do público cá estarei, mais uma vez, para assumir as minhas falhas sem desculpas e com mea culpa – por inteiro.


MANU DIXIT

sábado, 20 de janeiro de 2018

IN-FINITA APRESENTA... JACKMICHEL



JackMichel é o primeiro grupo literário na história da literatura mundial, composto por duas escritoras: Jaqueline e Micheline Ramos. São irmãs e nasceram em Belém – PA (Brasil). O tema de sua obra é variado visto que possui livros escritos nos gêneros ficção, poesia, romance, fábula e conto de fadas.





Na colorida época do Flower Power Satanás decide visitar o arco-íris psicodélico de Jesus Cristo e, lá chegando, o louro e jovem Jesus hippie, vestindo calça boca-de-sino e jaqueta jeans, conta a ele como faz para fazer o bem vencer o mal e o leva a conhecer os 7 círculos de seu arco-íris, que são 7 círculos de cores diferentes: no Círculo Violeta ele encontra Sharon Tate e Charles Manson, bem como as demais pessoas envolvidas no caso Tate... no Círculo Anil ele encontra Mao Tsé-Tung e os chineses massacrados durante a Revolução Cultural... no Círculo Azul ele encontra Heinrich Himmler e os prisioneiros mortos nos campos de concentração nazistas... no Círculo Verde ele encontra a Talidomida e algumas crianças deformadas pela pílula... no Círculo Amarelo ele encontra Jim Morrison e as entidades indígenas que o levaram a morte... no Círculo Alaranjado ele encontra Oscar Wilde e os responsáveis por sua tragédia particular... no Círculo Vermelho ele encontra Thomas Blanton e as vítimas do atentado de uma igreja batista em 15 de setembro de1963. Após constatar que o mal realmente não existe naquele paraíso, Satã vai e conta ao mundo que é tempo de Paz e Amor.

Livro: Arco-Jesus-Íris
Autora: JackMichel
Editora: Chiado
Ano: 2015
Páginas: 112
ISBN: 978-989-51-4420-4


Pontos de Venda:
Livraria Chiado Editora (Portugal)
Livraria Cultura (Brasil)
Booktrailer Arco-Jesus-Íris – JackMichel


Obras e participações:

Arco-Jesus-Íris (Chiado Editora, 2015), LSD Lua1 Anjo MacDermotSorvete de Pizza Mentolado x Torpedo TomateOvo (Drago Editorial, 2016),  Papatiparapapá (Editora Illuminare, 2017) e Sixties (Helvetia Edições, 2017). É associada da ACIMA (Associazione Culturale Internazionale Mandala), da LITERARTE (Associação Internacional de Escritores e Artistas), da AMCL (Academia Mundial de Cultura e Literatura) e da UBE (União Brasileira de Escritores). Seus contos e poemas constam em antologias internacionais bilíngues: Amor & Amore (Edizioni Mandala), Os Melhores Poemas de 2016 (ZL Editora), Faz de Conto II (Helvetia Edições), 1ª Antologia Cultive (Fast Livro), III Antologia Mulheres Pela Paz 2017 Edição Especial (Fénix), Antologia de Poesia Brasileira Contemporânea Além da Terra Além do Mar (Chiado Editora), Antologia Criticartes 2017 (Biblio Editora), A Vida em Poesia II (Helvetia Edições). Também foi destaque em diversos jornais e revistas on-line de literatura, artes e cultura como Varal do Brasil, Arca Literária, Ami, Divulga Escritor, Geração Bookaholic, Conexão Literatura, Criticartes e Philos. Participou do XXIX Salão Internacional do Livro de Turim 2016, I Salão do Livro de Lisboa 2016 e I Salão do Livro de Berlim 2016. Em 2017 tomou parte nos eventos: XVIII Bienal Internacional do Livro do Rio, 4ª Feira do Livro Livre de Buenos Aires, 31º Salão do Livro e da Imprensa de Genebra, XXX Salão Internacional do Livro de Turim, Salão Internacional do Livro de Milão, BUK Festival Literário de Modena, Feiras Literárias de Mântua, Bolonha e Roma. Conquistou o 3º lugar no Concurso Cultive de Literatura “Prêmio ALALS de Literatura” e o 1° lugar no II Festival de Poesia de Lisboa. Seu slogan é “A Escritora 2 Em 1”.


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sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

FALA AÍ BRASIL... BÁRBARA LIA (VIII)

O mundo está desintegrando. Os grupos que deveriam se unir para lutar por igualdade - para todos - se fragmentam em pequenos caminhos a sós e dentro destes - caminhos a sós - se fragmentam mais. Por outro lado, o momento rosa das redes sociais exige todo mundo pensando igual em uma espécie de utopia besta de uma coisa que não existe - não somos os maravilhosos seres humanos plenos de beleza dentro. E isto não é de todo ruim. Afinal, a humanidade só leva esta graça imorredoura e esta poesia inescrutável por ser assim - impura e falha. Cara, eu lutei uma vida por uma Liberdade plena. Eu fui a louca que abandonou - TUDO - para ser quem sou e agora não consigo me unir a coisa alguma que não seja criança e passarinho, então - tá difícil. A liberdade é um beco que desagua no solidão do Ser. Em alguns nichos e momentos poéticos, em algumas almas, em alguns livros, eu me agasalho. E é só, percebo que, estamos sim, cada dia mais desnudos diante de tudo que pode nos soterrar em um segundo, pois existe um manual sendo digitado dentro da gente, que faz com que alguns esqueçam que ser Livre é algo como ser pele de estrela e alma de flor. Ser delicado e inquebrantável, sei isto é difícil, mas, poxa, o resto é o de sempre, e o de sempre nos trouxe até aqui. Enfim, não sei o que dizer meio a tanto debate e vertente e teorias e confrontos e me recolho, e fico "do lado de cá do arame farpado"...

Mini-Biografia:

Bárbara Lia nasceu em Assai (PR). Poeta e Escritora. Professora de História. Publicou dez livros, entre eles: O sorriso de Leonardo (Kafka edições baratas), O sal das rosas (Lumme), A última chuva (ME), Constelação de Ossos (Vidráguas), Paraísos de Pedra (Penalux), Solidão Calcinada (Imprensa Oficial do PR) e Respirar (Ed. do autor). Integra várias Antologias, entre elas: O que é Poesia? (Confraria do Vento / Cáliban), O Melhor da Festa 3 (Festipoa), Amar - Verbo Atemporal (Rocco), Fantasma Civil (Bienal Internacional de Curitiba), A Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua (Maputo). Vive em Curitiba.