segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... PATRÍCIA PORTO (XXI)

O desassossego e a invenção nos (in)visíveis



Essa trapaça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura. 
Roland Barthes


nas paredes
em despudor de silêncio
a litania do invisível

no cio do limo
a sinfonia do mofo
lavra
o
segredo
da
rachadura


         É nas trincheiras da arte poética do cotidiano que encontraremos novos signos de resistência estética para a poesia. Prova disso é o livro de estreia de Carlos Orfeu, “(in)visíveis cotidianos”, que se desdobra páginas-corpo-poemas em múltiplos olhares que atentam para os “pequenos nadas”, expressão tão bem criada por Michel Maffesoli. Não foi à toa que a leitura das cenas cotidianas, dos frames que o poeta nos apresenta em versos densos e concisos, me levou a dialogar com lugares que refletem a relação entre o poder e o cotidiano, assim como também me fez pensar na relação do homem comum com o invisível corriqueiro. São reflexões que me fazem dialogar com a sociologia, a história, a história dos oprimidos, dos excluídos. Por isso, na leitura de “(in)visíveis cotidianos” não é simples apartar do aspecto crítico e literário da leitura o aspecto sociológico que há na cotidianidade. São poemas sobre o “tempo presente”, sobre a rotina, os pedaços do mundo, os vestígios da vida, os fragmentos que se amontoam como cruzes, estradas, corpos, urgências perfiladas por uma faixa humana também esquecida, abandonada, in-visibilizada. E intuo que na voz do poeta há também outros ditos no desvão das imagens – como palimpsestos, um volume sempre por-vir, uma nova urdidura entre a palavra e a espera.

Há no livro um mundo imagético a ser desvendado pelos leitores, há um convite que leva o olhar a funcionar como pausa.


no cio do limo


Carlos Orfeu parte do instante para o eterno como se parasse o tempo, o mantivesse em suspenso, e transformasse aquele momento num vórtice que une o todo.

Assim os poemas se conectam num livro-corpo que é também devir. E ler os (in)visíveis é aguçar os sentidos, conhecer as camadas para ouvir “a sinfonia”.


a lâmina ceifando a vida em seivas


               Feito a ninfa Eco - repito “seivas” e vou dedilhando as imagens que o poeta me apresenta. Na minha andarilhagem corro o risco da errância, e dialogo com mais imagens do cotidiano, as de Manuel Bandeira, Mário Quintana, Maria Helena Latini, Líria Porto e outros que me fizeram debruçar o corpo e a alma, todos os sentidos expandidos, para a importância desses significantes, numa outra dinâmica com este cotidiano. Carlos Orfeu chega para compor este painel de poetas e se une aos que ousaram dizer muito com menos, ver muito onde se vê menos, ser bastante sem desprezar esse menos. Porque há nesta arte - uma punção de vida, uma potência na vivência com “os pequenos nadas” e que precisa ser desvelada a partir de uma outra recepção, a que não exclui as  aventuras e as delicadezas do habitual - no seu trágico e belo, seja na voz, no silêncio. Mas para isso será preciso compreender uma lógica avessa à que nos faz perder os sentidos com  excessos.  Será preciso pousar o olhar no tempo íntimo das coisas, no tempo elástico das sensações do corpo, da casa, da rua, do urbano, desse nada que é tanto.

corto cebolas
com olhos ensopados

de águas esquecidas  

por Patrícia Porto



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