quinta-feira, 12 de outubro de 2017

FALA AÍ BRASIL... SÍLVIA SCHMIDT - III

ESCRITOR@: fui educada na lida, para ser profissional dentro de um campo escolhido, eu tive sorte ao nascer em uma família em crescimento mesmo que nos anos agressivos da ditadura - tempo do golpe militar - por segurança saímos do centro da cidade de São Paulo, onde morávamos - para a periferia - em meados de 1964, eu tinha apenas 2 anos - há tantos flashes destes tempos ainda em minha memória, tantos recortes.

Não foi fácil não tem sido, tem sido sim de rompantes e rupturas, descontinuidade minha carreira na área que escolhi. Letras-Português-Inglês e respectivas Literaturas com especialização em Sociologia.

Obriguei-me a desprendimento dentro do contexto que vivia: papai funcionário público federal, mamãe professora primária – secretária - a poeta da casa. Havia muito trabalho – energia - aplicada nos estudos, em leituras - as mais ecléticas - em livros todos que precisei e os que se não esperava em minha felicidade clandestina para e quando tivesse condições para adquirir, emprestar, trocar. Tem sido de trocas e extrema criatividade minha vida ainda hoje - ainda agora.

Não fui educada para o glamour nem mesmo para o reinado de ninguém. Não me lembro de ter ouvido na infância a palavra “príncipe encantado”, sequer lido a respeito. nem mesmo na adolescência. Papai e mamãe contavam-nos histórias de gênios e gigantes em terras distantes. Uma alegria, contação de história-oral. Não havia livros em casa. Acredite se quiser. Uma enciclopédia, lembro-me quando papai comprou para nossos estudos: livros pesados e que usei muitíssimo.

Depois que mamãe faleceu em meados dos anos 70 - aí muito menos - a educação se deu em ambiente caseiro com muita autonomia - eu era um moleque aos onze anos - entre os outros 3 moleques - lavar passar cozinhar estudar, varrer fazer provas tudo junto misturado por longos três anos. Mas da solidão ninguém nos falava, porque a conhecemos na pele na luta e todos sabiam. Professores, parentes e amigos próximos. Nos protegiam amigavelmente. Eu a própria gata - borralheira.

Investimento em meus estudos eram feitos à risca e apenas para o necessário - éramos quatro - mais tarde ganhámos uma irmãzinha de um segundo casamento de papai três anos mais tarde.

Estudar era uma exigência em casa, tirar notas e aplicar-se em experiências paralelas sempre bem-vindas, mas com recursos escassos. Tínhamos uma vida digna e absolutamente realista. Sim era sim e não era não. Limites bem definidos e sem muito questionamento.

Alguns cursos e outras viagens de estudo investi mais tarde quando já professora - mulher independente e de retorno a cidade de São Paulo – após formada. Tinha lá minhas 64 horas de trabalho bem remuneradas com carteira assinada na indústria da educação - colégios e pré-vestibulares. Eu era uma operária padrão - sim padrão.

Tenho a mais triste de minhas frustrações que foi - a impossibilidade - de término de minha tese em mestrado em Comunicação e Semiótica - a segunda turma do curso na PUC - ano de 1986. Minha tese seria em Poética e Política. Neste momento Sarney da vida, escolhi mudar-me para Santa Catarina - Florianópolis. Já que parte do núcleo familiar se mudaria por conta da violência urbana e poluição em São Paulo. Eu desejava muito formar uma família. Completaria 30 anos era procedente. Fui para Floripa muito forte como mulher economicamente independente e com formação completa, um currículo excelente. Em Floripa convivi em relacionamento profissional e familiar abusivos. Claro que eu iria sucumbir dez anos mais tarde. Conheci o machismo por todos os seus descaminhos - este que viria a ser o tema de meu primeiro romance - em formato contemporâneo. Um quase feminicídio. Este “quase” a parte mais importante da obra. Minha segunda chance - esta consciência expandida do quase morte - des[vida.

Assim, estar em uma festa literária, em uma feira de livros, sem querer ser dura - inflexível por demais é trabalho, o trabalho sensível das abelhas-operárias, colhendo ali o néctar - a sobrevivência literalmente. A segunda chance é um presente, é um estado de graça – não há palavras para tanta gratidão. Talvez o conjunto da obra que há anos formato possam deixar estes rastros construídos. Talvez.

Tem sido super enriquecedor estes dias nesta cidade sulfurosa, cidade mineira de Poços de Caldas, um dia após o outro tecendo de modo muito natural e espontâneo as possíveis relações entre o universo do leitor do escritor, dos editores neste que aos poucos invisto muito mais tempo que dinheiro, com foco no mercado de produção eletrônica, os e-pubs. Duty Free_2000/14 é um romance eletrônico - vendas em plataformas digitais, lançado através do selo Símbol@Digital-2014

Este campo de atuação que escolhi e penso também ter sido escolhida para atuar/trabalhar é assim... esta ação que é ler, escrever – revisar revisar - criticar-me/editar , propagar, ler, escrever, viver propagar, ler&viver, ler&ser entre outros - neste que é em minha vida - o segundo golpe - o Golpe do Sistema Jurídico Midiático - #foratemer.

Muita depressão para zero premiação - resistência e alguns presentes - sublimes presentes.

“Fatos e fotos na linha do tempo em encontros e desencontros dos mais sinceros:
nós os poetas, eu de passagem na tessitura do pleno - talvez conceito
Escritos a[penas daquilo que nos revelam - intactos: a ilusão de ser
nó em nós nessas fractais fragrâncias como altas estrelas dançantes
quase quasares além tempo-espaço poïesis encanto-assombros
em possíveis ondas telúricas neste plano terreno “ 

do poema a Casa Azul-2016

Lembrando:

"Temos então as técnicas de produção, as técnicas de significação ou de comunicação, e as técnicas de dominação. Fui me dando conta, pouco a pouco, de que existe, em todas as sociedades, um outro tipo de técnica; aquelas que permitem aos indivíduos realizar, por eles mesmos, um certo número de operações em seu corpo, em sua alma, em seus pensamentos, em suas condutas, de modo a produzir neles uma transformação, uma modificação, e a atingir um certo estado de perfeição, felicidade, de pureza, de poder sobrenatural. Chamemos essas técnicas de técnicas de si.


Michel Foucault. Sexualidade e Solidão. In: Ditos & Escritos v.V: Ética, Sexualidade, Política. Trad. Elisa Monteiro e Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p.95

4 comentários:

  1. Um trajeto de vida muito interessante. Desejo muito sucesso.

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  2. Lendo aqui este post em dia das crianças no Brasil - quantos anos depois de meus dias de infância tão pé no chão quanto a alma nos embslos quânticos do universo. Que alegria �� uma certa alegria crítica.grata amigos de além mar.

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    1. Gratos pelas colaborações que, esperamos ansiosos, sejam cada vez mais frequentes...

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