quinta-feira, 21 de setembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... LÚCIO MUSTAFÁ

Vem para o Mundo Bom Possível! Vem!

O mundo selvagem era aberto, não tinha cercas, nem muros, nem armazéns.

Era mais fácil ser independente de outros humanos, nele, bastava sair por aí, com cuidado apenas em relação aos perigos naturais: aos animais predadores e se botar a pescar, caçar e recolher frutos e todo tipo de coisa alimentícia.

Em qualquer lugar se fazia uma barraca e se morava nas margens de qualquer lago ou rio... se tivesse alguém chateando, bastava se mudar e tudo estava resolvido.

Mas nesse nosso mundo em que tudo é cercado, murado e armazenado, não nos sobra muita opção a não ser irmos nos aprisionando uns nos outros e nos tornando mais e mais dependentes.

Aí, para diminuir o impacto de tamanha perda de liberdade e independência, a gente vai aceitando versões maquiadas desta realidade tolhedora, limitante, intimidante.

A gente vai aceitando acreditar que a civilização não é fruto de um sistema errado de convivência, voltado a fazer uns se sobreporem aos outros, enriquecendo às custas de tal sobreposição; a gente vai se enganando até com a criação fantástica de seres invisíveis, hipoteticamente habitantes de uma realidade paralela, melhor e mais equilibrada, na qual porém também haverá (talvez) muros, cercas, portões gradeados e até armazéns; haverá um dono, um senhor exercendo sua influência global sobre todas as mentes que, finalmente, abdicarão da prerrogativa de discordar (do livre-arbítrio) e do ser criativas e se renderão diante da evidência de que tudo o que de melhor já existe naquele mundo bom (mas cercado) paralelo.

Mas no nosso âmago, sentimos que fica faltando uma parte da explicação, principalmente porque nos vemos induzidos a ter que conviver com pessoas más, que nos machucam, ou poderiam nos machucar repentinamente, quando estivéssemos desprevenidos.

No nosso âmago percebemos que algo não está funcionando corretamente. Então nos damos conta que somos obrigados, se quisermos ter uma vida minimamente protegida contra aquele e outros tipos de agressividade, a viver criando mil estratégias para conservar ao menos nossa auto-estima elevada.

Temos a necessidade de nos olhar no espelho e de gostar do que vemos, temos a necessidade de sermos orgulhosos de nós mesmos, de nossos feitos e temos também a necessidade de termos um plano para o nosso sucesso em relação a tal proteção.

Pode até acontecer que buscar tal situação protegida contra os perigos de sofrer agressividade alheia se torne o objetivo maior da vida da pessoa, pois, se percebe que, pelo menos, quem consegue o famoso "lugar ao sol" é quem é bem sucedido na mirabolante aventura de se livrar das muitas ameaças de sofrimento veladas em cada esquina.

A coisa se complica ainda por conta dessa disputa entre indivíduos aprisionados entre cercas, muros, portões de ferro e armazéns, terminar se despejando no mundo da política, gerando teorias diferenciadas do como se deve dinamizar o sistema de agressividade contra quem pensa diferente, por motivo A ou por motivo B, não importa.

Gera-se assim o mundo das ilusões das ilusões e o indivíduo se encontra então num mundo semelhante a um campo minado, um mundo ameaçador. Por isso que nesse mundo se entristece, por isso que nesse mundo se pode ficar deprimido etc.

Mas ver essa realidade nua e crua, ao menos para mim, não é algo que me faça desesperar não, embora, obviamente, se preferiria que o mundo fosse outro, que não terminássemos submetidos a alguém que já nos fez algum mal terrível ou que tem costume de nos machucar ou que pode, de repente, nos machucar sem motivo real ou aparente.

Ver essa realidade para mim é coisa boa, pois me deixa: 1. menos ingênuo; 2. mais perspicaz; 3. instigado do ponto de vista da criatividade; 4. independente, enquanto não mais iludido de que essa ou aquela pessoa, de um momento para o outro, se transformará numa pessoa boníssima e nos brindará com sua proteção e bons tratos eternos.

A partir daí é que eu resolvi ser genial, inventar um modo de ser que me permita dar olé em todos aqueles perigos, reais e potenciais; que me permita perceber as mínimas oportunidades de utilizar tempo e espaço e realizar pequenas ações deliciosas e honrosas ao mesmo tempo.

A partir daí eu me dei conta que não faz o mínimo sentido eu me comprometer com quem está comprometido em seguir seus piores instintos e que, em relação àquela pessoa, ou àquelas muitas, ou muitíssimas pessoas, eu posso tranquilamente, me resguardar, sem odiá-las, mas sem também ter expectativas infantilóides em relação a elas.

Eu aprendi a chamar isso de realismo e aprendi a amar o realismo e a partir do realismo criar meus mundos possíveis, minhas realidades fantásticas, realmente fantásticas, meus paraísos, meus mundos paralelos, neste mesmo plano da materialidade, diferente daquele sonho de um mundo fora desse no qual porém continuará a existir cercas, muros, grades, armazéns.

Por fim eu me dei conta que esse meu sofrimento, que essa condição sofrida, aprisionada nesse mundo civilizado erradamente, eu a compartilho com trilhões de outras pessoas na face da terra e que os que estão nascendo em continuação, de certa forma, continuarão a compartilhar comigo de tal dor e, como decidi ser mais esperto do que o espertalhão (ou espertalhões) criador de tal armadilha civilizada, escogitei esse sistema artístico alternativo que muitos hoje me vêem utilizar que me faz usar a palavra, a cor e o som (o toque e o paladar também) para propor um desmonte desse mega engano, dessa sociedade penitenciarizante, aprisionante, um desmonte cheio de amor, panamorista, que inicia pela nossa decisão de não colaborar mais com os guardas carcerários, nem como o presidente do presídio social, criar dissenso voltado para uma visão futura de mundo bom, de mundo no qual não seja necessário cercas, nem muros, nem chaves, nem trancas, nem grades, nem portões, nem armazéns, nem cofres, nem prisões, nem patrões, nem subordinações, nem policiamentos, nem encarceramentos.

Um mundo só de paz, só de amor, um mundo panamorista, possível.
Possível pelo simples fato de alguém como eu poder existir e pelo simples fato também que eu sou alguém comum, alguém como você que também pode ser um eu.

Vem ser eu que eu aceitarei ser você, nesse projeto de fazer o mundo amadurecer e perceber que é necessário um desmonte total e uma reorganização geral para que tudo seja bom, para que tudo seja belo, para que tudo seja delicioso e para que a vida seja uma linda aventura feita só de beijos, abraços, denguinhos, carinhos, carícias, lindas transas, lindas artes, lindas emoções, lindas invenções.

Vem!


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