sexta-feira, 11 de agosto de 2017

FALA AÍ BRASIL... SILVIA SCHMIDT

PERFIL
I
Muitas em uma morte súbita
[movimento uniforme retilíneo]
nenhuma em comando-sério
no meio do ninho
um amor de menino
um passo em falso , iria ao fundo
era o cadafalso ou quase-número
havia uma brecha eu juro 
parte de mim em fuga 
câmera lenta sob vaga memória
um sorriso labiata rosa 
os olhos em penumbra fria
houve um suspiro profundo na hora
a ponte vazia e o cansaço 
sob a pele morna de um corpo esguio
restou no plano raso deste tempo 
um quarto em labirinto 
roupas sujas soterradas pelo caminho.

II
Não era o fim 
era a contramão a chance segunda
dentro da manhã girassol que se abria
O menino foi ao pai 
a mulher , entre paisagens secretas ,
perdia-se no calor do horizonte em novos destinos
de repente uma escada- caracol
o desterro dos heróis em alteridade
a fertilidade recebida e mais um ninho
a mancha que se fixou lá trás 
ficaria ali mesmo resguardada 
nas letras do romance - chave
PORTAIS de uma mente aberta
fluxograma fractais flutuantes
nomes de muitas miragens -tema

III
congratulamos

IV
Personas se reconstroem 
energia - volatilidade que se refaz
agora , o ontem e o amanha sinalizam paz
Uma cor poliu dentro 
violeta é o signo em astral 
sigo catalizando oxigênio:
es/cre[ver
m[editar] 
em des]contínuo movimento

V
o menino está um rapaz

Poços de Caldas 19/20 de agosto de 2016.

EMERGIR – depoimento: esta oportunidade que presentifiquei junto à curadoria do Instituto Tomie Otake dia 01 de abril a 21 de maio dentro de uma das instalações da artista Yoko Ono – em São Paulo - Brasil foi um momento ímpar em minha vida - porque senti – experimentei já que era esta a proposta da artista contemporânea o acolhimento - ao lado de inúmeras outras mulheres - para trazer à tona - e com coragem - aquilo que muitas de nós não sabemos lidar, ali em nosso dia a dia – o machismo - isto que nos rodeia e que como uma praga consentida - apregoada - e cultural levam-nos a situações quase irreversíveis, muitas perdas traumas e à morte. Quando me deparei em 1997 – em litígio - eu sinceramente não me via envolvida no que hoje eu posso afirmar ser questão de gênero – por mais que eu tivesse informações e senso crítico, minha situação ali e naquele momento era unicamente de foro íntimo e emocional - a tal crise na relação como falávamos entre nós mulheres profissionais e de classe média. Eu mulher independente, mãe independente em plena conquista de espaço profissional e econômico - para o casal não faltava nada a princípio. Não era portanto questão de ordem material. Daí que ter passado por tamanha humilhação e perdas culminando quase com a própria vida, ter feito desta experiência dolorida - o quase feminícido – tema em parte do meu trabalho artístico é porque também tive minha família por perto como suporte - inclusive apoio de profissionais da área de direito e psicologia neste tempos de dor - antes ainda da lei Maria da Penha - um suporte essencial no sentido de me fortalecer e me reestruturar novamente, eu tão produtiva – era ali uma ave abatida e em falência pessoal por anos a fio.

Chamar “aquilo” de machismo não estava a meu alcance – havia afeto envolvido - havia intimidade envolvida e cumplicidade - e não somente “dados frios” dados estatísticos - a matemática do caso - a realidade. No momento do possível crime hediondo - estamos sós - em nossos leitos - em nossos quartos e portanto vulneráveis, absolutamente vulneráveis. Em horários de responsabilidades e de seguirmos a rotina de trabalho e das tarefas diárias - a roupa na máquina a comida no fogo, a faxina da casa, a saída a chegada do mercado – a troca de roupas de cama, no banho desnudas na parafernália das multifunções. A criança por perto. 
Sitiadas. ''Vivo no quase, no nunca e no sempre. Quase, quase - e por um triz escapo.'' A Cidade Sitiada - Clarice Lispector
Daí que "aquilo" passa uma vez passa a segunda vez até que num certo dia nos sentimos frágeis inseguras e com medo e vergonha, a indescritível vergonha da exposição – à família, aos amigos e aos colegas. O medo dentro deste contexto é que faz com que evitemos denunciar, cobrar e punir – nossos companheiros nossos amores pai de nossos filhos. Algo impossível - denunciar – o homem com quem dormimos dividimos tarefas contas e afetos - quase impossível. Estive sete vezes em denúncia nas delegacias de mulheres todas as vezes aterrorizada e vulnerável ao retornar para casa já em separação de corpos mas não de bens - estes que ainda procuro em segunda instância no estado de Santa Catarina – estes anos de luta e resistência.
Eu não sei como eu sobrevivi às chantagens e às milhares de ameaças de morte ao assédio pós separação que continuaram – eu não sei. Havia ali e no momento de ruptura alguma e qualquer outra coisa que eu não consigo nomear ainda: Deus? Sorte? Energia? Aquele segundo - o quase – que nome eu daria, minha gente que nome?  O fato é que sobrevivi - e de lá daquela noite de muito ódio e quase morte - talvez um dia eu consiga detalhar friamente – daquele dia muitos anos se passaram – escrevi Duty Free-2000 – lugar narrativo onde exponho através da onisciência o que poderia ter sido e não foi. Na ficção o algoz recebe o veredicto merecido.  Passados 20 anos é fácil agora - EMERGIR – nesta oportunidade junto de dezenas de outras mulheres que apoiadas no evento puderam narrar – significar os fatos ocorridos e por isso procurar respostas e principalmente soluções. Compreender dados – os números e perguntar o porquê, sempre e mais o porquê de tantos homens cada dia mais matarem e de modo assustador suas mulheres, de onde vem este sentimento - contramão de tudo que se quis lá no início - não era amor? Quem são os culpados: Estado – o sistema do ter e não ser? A História da Humanidade? A Moral? A Escola?  Como lidar - na lei esta elaborada por homens - na estrutura social dominada por homens em clubes de homens, como lidar com este que penso hoje- ser no Brasil-nossa guerra, o 5 país em feminicídio. Se eu como toda a formação que tenho não percebia a resposta e principalmente não me via em um caso clássico de machismo e misoginia que dirá grande parte de nossa sociedade - intrinsecamente imersa no problema e reativa a encarar de frente esta questão... pergunto-me, eu ainda aqui, a sobrevivente. Precisamos sim continuar o debate, e este dentro de um contexto coletivo social economicamente justo histórico e democrático. Debate entre as diversas formas de representatividade. Eu não desisti da vida na verdade tudo que me aconteceu deixou-me potencialmente alerta pró-ativa e com carga suficiente de compaixão por todos nós os envolvidos machos fêmeas e transgêneros. Relatos que li nesta exposição foram de cortar o coração, porque muitos deles aconteceram em plena infância destas mulheres: estupro seguido de morte - assédio moral no trabalho – perdas de seus filhos ali mortos a seus lados a pior de todas as vinganças – Seus algozes eram muitas vezes seus irmãos, amantes e pais, muitos casos de parentes próximos - e por fim seus maridos e companheiros. Precisamos chamar a sociedade para um debate sério que nos leve a educar estes cidadãos seus cúmplices sociais e as mulheres passivas, “as do não é comigo” as do “devem ter feito por merecer” soluções para um novo tempo. Muitas sociedades que passaram por estas dores encontraram saídas - se não via lei - e punição - via educação emocional e inclusiva penso eu que juntas, lembrando-nos em tempo que precisamos reverter estas dores - como quem coloca a mão na pasta grossa de dejetos pútridos – o machismo - este que nos impede de prosseguir e para o bem-estar de todos. A união de nós mulheres e gêneros será para mim como foi em EMERGIR – sinalizador - potencial de transformação. Demais será chover no molhado, atacando indivíduos o político o ator o machista da esquina - um a um - milhares milhões em sua inconsciente incapacidade de respeitar o outro em especial a nós mulheres - é chover pingo a pingo também o sangue que estes nos cobram historicamente. Basta.

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