sábado, 5 de agosto de 2017

FALA ÁFRICA... MACVILDO PEDRO BONDE

NO QUINTAL DA VIDA
Ao Sérgio Raimundo
Maputo, vinte e oito de Julho de 2017
Não sei com que propósito lhe endereço, agora, esta missiva. Por que carga de água os dedos obedecem a este movimento involuntário de tingir um papel cândido. Talvez, porque aquele coqueiro neste instante tem outra idade e os lanhos que sangramos no princípio de noite andam a revisitar a minha memória. Ainda tenho flash daquela tarde em que sentamos ali no quintal da vida a cavaquear sobre tudo e nada.
O Saphala naquele jeito arrojado deixava-se enfeitiçar pelos rios que atravessam as nossas costas. O “cândido”, não perdia a oportunidade de rever as suas fantasias no número 20. Acredito que o bairro Ferroviário ainda esteja aos sobressaltos. O “Verme” guardião das leis oscilava entre o poema bucólico das mantas e às luzes vermelhas da madrugada.
Nas sombras das suas folhas desenhamos um futuro incerto, aceitamos a árdua tarefa de mostrar-lhe os atalhos que ousamos seguir, rumo à Baixa dos laurentinos.
Busco no meu imaginário, o velho Raimundo: as suas estórias, a sua simplicidade e os calos beijando as suas mãos. Naquele quintal que nos desarmou da fragância do asfalto, desbravamos outros poemas, outras canções na pureza do olhar.
“Já não tenho a mesma energia. Cuidem-me desse menino. Os irmãos mais velhos estão na África do Sul. Mostrem-lhe o caminho”, disse o velho Raimundo. Hoje me pergunto: carregamos esse fardo ou na tua desventura à velha chapa amarela de “Hulene” descobriste a verdade nos livros de filosofia?
No quintal onde deixaste brincar as crianças sedentas do abecedário, o quadro negro risca os últimos algarismos no chão. Sei que hoje as crianças já despem despreocupadas as ruas do Diamantino. 
Entre o “Cantinho” e o quintal soltamos o verbo, albergamos a língua, empurramos a barriga como um pássaro que foge da fisga no telhado da morte.
Sinto que os barcos atracaram em charcos que a chuva esqueceu de amar. Ficam-nos as recordações, a saudade da liberdade, as madrugadas ao sabor do vinho.
Hoje, chego cada vez menos aos becos do Diamantino. As marcas do tempo da senhora que estende a sua capulana são a campainha da tristeza que nos corrói a alma. A música que invadia os quintais aprisionou-se nas chapas do desespero.
A padaria fechou. As barracas fingem adornar nossos copos com uma oração fria. A boca diz o inverso nos olhos carregados do vazio.  

Breve biografia
M.P.Bonde nasceu a 12 de Janeiro de 1980 em Maputo. Foi membro do projecto (JOAC) e do colectivo Arrabenta Xithokozelo. Em 2017 lançou a sua primeira obra literária “Ensaios Poéticos” pela Cavalo do Mar.

Podem ler o texto que José Manuel Martins Pedro, correspondente de autores africanos, escreveu sobre o autor, Macvildo Pedro Bonde, neste link

    

Sem comentários:

Enviar um comentário

Toca a falar disso