quinta-feira, 14 de maio de 2015

EU FALO DE... ACORDO ORTOGRÁFICO

Em 2013 escrevi um pequeno texto sobre este tema demonstrando o meu desagrado sobre a forma como todo o processo tinha sido conduzido até então. Dois anos passados, sou confrontado com a obrigatoriedade legal desta aberração. Antes de começar este texto, fui ler o que escrevi em 2013 e, pasmem-se, poucas diferenças existem entre aquilo que escrevi e aquilo que me proponho escrever agora. Dito isto, reproduzirei na integra o primeiro texto e depois juntarei mais algumas palavras.

"Muito se tem escrito e falado sobre o acordo ortográfico; contra e a favor. Independente da minha opinião e ignorando os argumentos de ambos os lados, aquilo que me apraz dizer é que, seja qual for o destino final desta iniciativa, ela nasceu torta e assim ficará ad aeternum.

Em primeiro lugar e, quanto a mim, o maior erro de todo este processo foi a forma arrogante como este acordo foi apresentado. Tal como vem sendo habitual na nossa sociedade, as decisões finais ganharam forma de irreversibilidade sem que em primeiro lugar tivesse existido uma discussão séria e equilibrada sobre todas as matérias. Discussão essa que deveria ter sido feita previamente e não ulteriormente, como veio a acontecer.

Se por um lado, os mentores deste acordo não se deram ao trabalho de ouvir todos aqueles que deveriam ser ouvidos, por outro lado, quem deveria ter sido escutado remeteu-se ao silêncio quando deveria ter falado e só se fizeram ouvir as vozes da discordância quando o acordo tomou corpo de lei, isto é, depois que foi aprovado.

Entre tanto ruído que se fez após a aprovação deste acordo ortográfico, aquilo que mais me intriga - tendo em consideração que este é um acordo da lusofonia - é a indisponibilidade do Brasil em aplicá-lo de imediato, por considerar existirem dúvidas na aplicabilidade de alguns pontos e a recusa dos PALOP em lhe dar legitimidade. Feitas as contas, o único país onde o acordo está efectivamente aplicado é Portugal.

A conclusão óbvia de todo este processo é simples: aquilo que pretendia ser a uniformização de uma língua esbarrou na impossibilidade de se uniformizar o que nunca será uniformizável."

Tal como aconteceu neste texto que escrevi em 2013, nas linhas que vou acrescentar também não utilizarei nenhum exemplo prático da aberração que nos impõem com força de lei, pois, por incrível que pareça, de agora em diante estamos "OBRIGADOS" a respeitar as directrizes que emanam desta imbecilidade sem que nos tenham instruído e, principalmente, esclarecido convenientemente. No entanto não deixarei de dizer, à laia de exemplo da incongruência de tudo isto, que a palavra ELECTROTECNIA, seguindo os trâmites exigidos por esta aberração, pode ser escrita de 18 formas distintas (chamam a isto uniformizar).

Mas peguemos no conceito uniformizante desta iniciativa. Sabe-se agora, (nada que não estivesse na cara e sobre o qual tenho vindo a falar em diversas ocasiões) que as motivações base deste processo sempre estiveram relacionadas com a possibilidade das editoras portuguesas entrarem mais facilmente no mercado brasileiro. Isto é, não se trabalhou sobre a língua portuguesa como alguns mentores tentaram impingir-nos, trabalhou-se sim na possibilidade de dar, a meia dúzia de chupistas, algum proveito económico usando aquilo que pertence a todos os lusófonos - a língua portuguesa.

O argumento da uniformização (bandeira dos defensores da imbecilidade) só conseguiu algum peso quando, para grande admiração da generalidade das pessoas de bom senso, alguns sectores da nossa sociedade, com responsabilidade e tradição seculares, se uniram a troco de nada e por pressão política; falo da comunicação social e dos chamados intelectuais universitários; estes últimos comprados com nomeações para diversos cargos. O único caso em que a tentativa de compra não resultou foi quando nomearam o recém-falecido Vasco Graça Moura para responsável do CCB e uma das suas primeiras medidas foi impedir a alteração ortográfica dos documentos oficiais da instituição.

Com o apoio daqueles que, teoricamente, teriam mais força para vetar a implementação da iniciativa, os mentores da uniformização conseguiram que o restante rebanho se mantivesse, quieto e sereno, a observar o desenrolar dos acontecimentos sem que se apercebessem das tremendas incoerências dos argumentos pró-fantochada.

Contentes com esta uniformização estão as editoras que vão ganhar rios de dinheiro (será?). Mas atenção! Os autores que editarem por essas chancelas ficam proibidos de usar palavras como "autocarro" ou "atacador" pois o uso dessas e outras palavras vão obrigar a traduções e depois lá cai por terra a uniformização tão importante para a economia da nação.

Para terminar mais esta minha alucinação sobre teorias da conspiração, resta-me dizer que relativamente às posições tomadas pelos restantes países da lusofonia, elas mantêm-se iguais às que tinham em 2013. Isto é, o Brasil continua a demonstrar indisponibilidade para aplicar o que Portugal já transformou em lei e os PALOP negam-se a ratificar, e com legitimidade comprovada, este atentado à língua portuguesa.

MANU DIXIT

  

8 comentários:

  1. Magnífica crónica, lamentável, não estar nos jornais ou revistas de grande tiragem...e muitos que falam, falam, mas nem se dignaram abri-la, para lê-la até ao fim...

    EXCELENTE!!!

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  2. Assino por baixo, Manu. Sou contra o acordo ortográfico e não vou fazer uso dele.
    Beijo.
    Vou mandar-lhe um livro...

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    1. É muito gratificante observar que os meus autores referência são contra esta iniciativa criminosa.
      Sempre grato, Graça Pires.

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  3. Caríssimo,

    Eu falo e escrevo Português.
    Neste momento edito via Estados Unidos da América e os Americanos estão-se marimbando para o quanto o estado Português e algumas cabeças iluminadas são imbecis em relação à sua própria língua.
    Vou continuar a escrever Português.
    Para mim aquela coisa que saiu do acordo ortográfico têm algumas parecenças com a língua Portuguesa, mas não é Português. Como tal, enquanto individuo pensante, reservo-me ao direito de continuar a escrever como quero e de continuar a publicar o que escrevo com a grafia que acho correcta.
    Quanto à lei que torna obrigatório o acordo, o estado Português e as cabeças iluminadas que o fizeram e aprovaram podem enfiá-la num sítio que eu cá sei.
    Eu que, ainda por cima, nem vejo novelas da globo e não estou por isso de todo familiarizado com a pronuncia/grafia brasileiras, que continuo a pronunciar o "c" em "acto" e o "p" em "baptista", e que fico à toa ao ler textos redigidos segundo o (des)acordo simplesmente porque há demasiadas coisas dúbias...
    ...e estou a ver-me grego com as aulas de Português da minha piquinina, porque está a ser ensinada pelo (des)acordo e não tarda começa a falar como se escreve e aí vai ser o descalabro...

    Anyway, partilho contigo este pequeno texto que está no meu canto acerca deste assunto. Têm mais uma perspectiva sobre isto...

    http://umblogdiferentedosanteriores.blogspot.pt/2014/11/george-orwell-em-1946-excreveu-o.html

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    1. O mais interessante é perceber que os autores (parte interessada), seja qual for a área, são quase unânimes ao desaprovar esta aberração. O mais insólito/inquietante é perceber que, afinal de contas, os mais interessados neste assunto (autores) nunca chegaram a ser ouvidos.
      Quanto à questão das crianças... não tenho dúvida nenhuma que era mais fácil explicar às crianças que o "c" serve para abrir a vogal, do que explicar que, ao contrário de outras palavras, o "e" lê-se como se fosse acentuado. Dou o exemplo da palavra celebrizada recentemente pelo RAP; "arquitecta" que passa a escrever-se "arquiteta".
      Enfim, tudo isto não passa de um chorrilho de idiotices que, infelizmente, vai acabar por descaracterizar a língua portuguesa. Mesmo continuando nós a escrever como deve ser escrito.
      Abraço.

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  4. Sou completamente contra este acordo, e escrevo como sempre escrevi.

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Toca a falar disso