SOBRE: UM CADERNO DE CAPA VERDE
Tenho
uma forma muito própria de ler poesia que consiste em fazer uma primeira
leitura rápida, quase de fôlego, e deixar que o cérebro apreenda alguns
pormenores que, numa segunda leitura, me ajudarão a decifrar as mensagens dos
poetas.
Após a
primeira leitura de UM CADERNO DE CAPA VERDE, surgiu-me à memória uma frase que
me foi dita, há muito tempo atrás, por um professor de antropologia: "para
se entender uma cultura que nos é estranha, temos de nos abstrair de tudo
aquilo que aprendemos durante a nossa aculturação."
Assim,
vazio de ideias, conceitos e, até mesmo, preconceitos, dediquei a minha atenção
à poesia deste livro e, verdade seja dita, o conselho do professor faz todo o
sentido e resulta.
Seguindo
este método, encontro logo no primeiro poema uma alusão a algo que, não sendo
tão cristalino na primeira leitura, nada mais é que a constatação de uma
verdade universal; cada leitor tem o seu próprio modo de ler e interpretar as
palavras que o poeta escreve, não sendo certo que algum dos leitores o faça em
sintonia com as verdadeiras intenções do poeta. Como autor, sei e subscrevo por
inteiro este conceito.
Sem
pretender fazer uma análise, poema por poema, o que se revelaria monótono e
fora de propósito, mais não seja porque não sou, nem pretendo ser, crítico
literário, gostaria de destacar também o segundo poema pela importância que
terá no desenvolvimento de todo o corpo poético deste livro. Neste texto, o
autor expõe-se perante o leitor como sendo um poeta-filósofo (aquele que sempre
tem uma pergunta para cada resposta que encontra ou descobre), e
simultâneamente um poeta-objecto (aquele que é instrumento da escrita e/ou
escravo da palavra).
A
pergunta que faço após a leitura dos dois primeiros poemas é a seguinte: É
possível a convivência entre os dois seres poetas (poeta-filósofo,
poeta-objecto) sem que a mensagem sofra mais influência de um em prejuízo do
outro? No segundo poema esta simbiose parece funcionar e cada um dos seres
poéticos pode ser identificado por uma palavra-chave.
Poeta-filósofo
= branca/o
Poeta-objecto
= palavra
Assim
temos o poeta-filósofo que anuncia o seu propósito «a minha vontade/ é branca
antes da palavra escrita» e logo descobre a presença do poeta-objecto
«(experiência de espanto)»
Embora
o poeta-filósofo possa ser mais facilmente identificável existe uma pista
importante para se reconhecer onde e quando o poeta-objecto aparece nos textos:
os versos deslocados. Como que impelido pela força e desejos supremos das
palavras, o poeta é "obrigado" a colocar as palavras onde elas querem
ser colocadas. Afinal, em frente ao poeta está uma folha branca e as palavras
escolhem o espaço que querem ocupar.
Avançando
na leitura do livro, deparamos com as questões do poeta-filósofo derivadas da
relação entre palavra e silêncio (não palavra) o que nos abre novas pistas para
o que nos espera mais adiante, uma vez que a palavra é unidade imutável e
imprescíndivel do livro e o silêncio (não palavra) nos é transmitido fazendo
alusão a outra formas de arte para além da escrita; música, pintura, escultura
e desporto.
Outro
dos aspectos interessantes das reflexões do poeta-filósofo reside na utilização
dos opostos. Tal como opõe palavra/silêncio(não palavra) também o faz com:
vida/morte, sonho/entresonho, realidade/irrealidade, homem/natureza, entre
outros.
No
fundo, e numa análise geral e abrangente a todo o corpo poético deste livro,
concluo que a existência simultânea entre o poeta-filósofo e o poeta-objecto
não só é possível como é utilizada com mestria sendo que a junção dos dois
revela-nos um terceiro ser poético: o poeta-artista (aquele que fazendo uso do
conhecimento dos dois outros transforma a escrita numa arte maior).
Resumidamente,
UM CADERNO DE CAPA VERDE é um livro em que o autor faz uso dos seus alter-egos
(poeta-filósofo, poeta-objecto e poeta-artista) para através da escrita fazer
arte tendo como denominador comum a palavra e todas as possibilidades que esta
proporciona.
EMANUEL LOMELINO
CAMARATE, 17 Janeiro 2013
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