quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Dez perguntas a... ANTÓNIO MR MARTINS


O TOCA A FALAR DISSO inicia hoje esta rúbrica cujo objectivo primeiro é ajudar a dinamizar a cultura no seu todo e a poesia lusófona em particular. Desde já o meu profundo agradecimento ao poeta ANTÓNIO MR MARTINS por aceitar ser o meu primeiro entrevistado, apesar da pouca visibilidade que este blogue ainda tem.

  

APRESENTANDO O AUTOR E A OBRA

António MR Martins, poeta com diversas participações em concursos de poesia e jogos florais, já conquistou alguns prémios e menções honrosas. Alguns dos seus poemas apareceram em publicações aquém e além fronteiras. É uma presença assídua em antologias e colectâneas de poesia e é autor dos livros: SER POETA, QUASE NO FEMININO, FOZ SENTIDA, ÁGUAS DA TERNURA e MÁSCARA DE LUZ.


1 - Como se define enquanto poeta?

Não consigo definir-me nesse contexto. A poesia sempre acompanhou  a minha vida. Na forma escrita, até determinada altura, e depois, mais tarde, na leitura, também. Hoje adoro interagir com essas duas formas de abraçar a escrita poética e seus autores. Quanto ao que comigo acontece: as coisas fluem, de certo modo, gosto de brincar com as palavras, fazendo-as embalar na folha de papel (hoje no ecrã do monitor do meu computador). É esse o meu jogo preferido, uma diversão constante. Não tenho uma linha coerente definida, as coisas saem como têm de sair, nada mais. Não existem temáticas específicas, abrangentes a tudo quanto escrevi até hoje, que andará à volta dos três milhares de poemas. Nesse preceito sustenho a opinião de quem me lê e gosta, verdadeiramente, interiorizando esse contingente de palavras de apoio e de incentivo, que vou filtrando à minha maneira, no sentido de descortinar novos rumos para os versos que vou criando. Às vezes as palavras e comentários negativos são mais importantes para os próximos desenvolvimentos, é assim que vamos aprendendo, mais e melhor. Nada se inventa, as palavras existem e cada poeta as coloca no lugar que ache melhor, então surge a nova criação, nada mais do que isso. Todavia esse discernir, essa procura, essa opção é de uma sedução não quantificável. A poesia para mim, como para todos os poetas (suponho) é uma autêntica paixão. Toda essa envolvência, que esta forma de escrita nos proporciona, me agrada sobremaneira e torna-se um êmbolo inspirador para mais e novos caminhos na minha inerente criação. Até quando? Isso, não sei. Mas espero que seja até ao último momento em que consiga agarrar numa caneta e transferir para o papel, ou para o computador, ou ainda para quaisquer outros meios que nos vão surgindo, ao longo de nossas vidas, tudo aquilo que me vai na mente, devidamente filtrado. Adoro escrever.

2 - Quais as suas motivações para escrever e que objectivos pretende alcançar com a sua poesia?

As motivações para a escrita são as que se prendem com as minhas experiências na vida, com a vida propriamente dita e com tudo aquilo que a rodeia. A inspiração não me é difícil de conseguir, pelo menos assim tem sido, até ao momento. Uma simples pedra, por exemplo, poderá ser inspiradora para tal, basta que o interiorize. Quanto aos objectivos: os horizontes serão menos amplos, pois todos sabemos como a cultura é abraçada por quem governa, o nosso país, e a literatura quase é vetada ao esquecimento, sendo a poesia o seu ramo mais pobre nesse destino. E sendo essa a amostragem que nos assiste, diariamente, pouco mais há a dizer sobre isso. Muito gostaria que tudo fosse bem diferente. Resta-me continuar a escrever, o que for possível, e sobre isso tenho uma certeza: tal far-me-á, sempre, muito bem. Servirá, sobretudo, para esquecer (ou tentar) esta malfadada crise que atormenta a sociedade em que me insiro e nos vem reduzindo, cada vez mais, nossos proventos. Espero que em oposição faça aumentar a minha envolvência com as palavras para que haja um pouco de felicidade no caminhar do meu tempo existencial, com essa forma de escrita que adoro, em todos os sentidos: A POESIA.

 3 - Sendo Portugal um país com forte tradição na poesia, quais os autores que são para si uma referência? Porquê?

Há tanta referência à volta da poesia que vou aglutinando, e não falo só dos consagrados. Todos os dias sou surpreendido com coisas boas e inesperadas, por mais pequenas que sejam (em extensão), bem relevantes. Posso referir dez nomes ou cinquenta para mim saber-me-á, sempre, a pouco, pois eu gosto de interagir com a poesia venha ela donde vier. E, todos os dias, no facebook tenho encontrado muitos nomes de valor (para alguma coisa servem estas redes sociais e no que se refere à poesia tem sido muito profícua, sem dúvida, este compartilhar da palavra poética, virtualmente), que vou aprendendo a ler e a conhecer. Todavia não quero deixar de responder ao objectivo da pergunta e assim vou indicar cinco nomes consagrados e outros cinco contemporâneos: Fernando Pessoa, um poeta de quem gosto generalizadamente, mais em pormenor no seu heterónimo Alberto Caeiro, Florbela Espanca, a poetisa do amor, por vezes bem sofrido, Manuel Maria Barbosa du Bocage, que considero o “rei” dos sonetos, o brasileiro Carlos Drummond de Andrade, que é exímio na sua forma de poetar e na abordagem que faz dos diversos temas que nos deixou e Eugénio de Andrade, um dos maiores no retratar poético dos sentimentos, este um poeta que continuo a conhecer e reconhecer, pois é recente o meu conhecimento leitor da sua obra, mas tudo o que dele me surgiu pela frente é, simplesmente, maravilhoso, mas muitos mais haveria a referenciar. No entanto como falei em cinco, fico-me por aqui. Quanto à nossa contemporaneidade refiro António Ramos Rosa, Gastão Cruz, Vítor Cintra, António Paiva e Al Berto, e aqui haveria muitos mais, também, a salientar, situando-se muitos deles no meu rol de amigos poetas, com os quais interajo diariamente, num salutar e compensador intercâmbio de palavras.

4 - Como vê o estado actual da poesia em Portugal?

Sei que muita coisa prolifera nos caminhos virtuais e não só. Surge muito trabalho editado de somenos importância, para muitos, mas isso não me melindra, de forma alguma. Tudo faz parte da criação do indivíduo, enquanto poeta, perante o seu ego. E eu gosto de deixar sempre uma palavra de incentivo ou de carinho para quem se predispõe a apresentar os seus poemas. Agora a poesia como produto vendável, não o é, mas isso já todos sabemos. Apesar de tal, penso que se escreve poesia de muita qualidade em Portugal e ainda há muitos autores a fazê-lo nessa perspectiva e nessa linha criadora. Isso é muito bom.

5 - Como reage à proliferação de "poetas" e grupos de poesia nas redes sociais?

Sinceramente é uma coisa que não aprecio. Essa proliferação de grupos e se, quando criados, nos colocam inseridos nos mesmos, sem nos questionarem sobre esse interesse, ou efeito. Depois muita coisa passa e se repete, de forma contínua, que depois se vai esfumando interminavelmente. Aí sou mais comedido, há três ou quatro sítios onde publico alguns poemas e tenho o meu blogue “Poesia Avulsa”, onde, alternadamente coloco trabalhos meus e de outros autores, e isso, sim, fascina-me.

6 - Tendo em conta que o hábito de leitura dos portugueses é reduzido, o que acha que deve ser feito para modificá-lo?

Nesse âmbito tem de ser feito um trabalho de fundo para incrementar o gosto pela leitura a partir da idade em que se aprende a ler. Esse papel deveria ser fomentado pelos pais, em primeiro lugar, mas esta envolvência social faz com que essa possibilidade se esfume, sem qualquer outro tipo de volta a dar a essa questão. Portanto a escola deveria ter um papel fulcral no sentido de influenciar essa linha de conduta, que é essencial para a educação e criação de uma sociedade mais forte e mais válida, mas, nessa possível conjugação, vejo muitas nuvens negras, parecendo-me que por mais que se diga sobre o percurso a encetar para essa realização, tudo se fundamentará em meras palavras vãs, pelo menos nesta conjuntura e na sociedade que a envolve.

7 - Projectos pessoais para o futuro!?

Os projectos não serão muitos. Quero continuar a escrever, o que faço diariamente. Tenho cinco livros editados “Ser Poeta”, “Quase do Feminino”, “Foz Sentida”, “Águas de Ternura” e “Máscara da Luz”, todos sob a chancela Temas Originais e tenho cinco ou seis já prontos para esse efeito. Se houvesse intenção e possibilidade para tal, assim aconteceria, mas não me parece que tal vá suceder, atendendo a como as coisas estão, no momento. Vou participando em alguns trabalhos antológicos e publicando alguma coisa nos sítios com os quais estou, habitualmente, envolvido, com as minhas palavras e com a de outros autores. Penso que neste momento não tenho muito mais a adiantar sobre esse assunto.

8 - Sugira dois poetas!

Vou indicar dois poetas menos conhecidos que gosto muito de ler. Penso que poderia referir mais nomes, mas é-me pedido para sugerir dois e é isso que vou fazer, eles aqui vão: Raquel Naveira (brasileira), é extraordinária a sua forma de escrever, na alusão histórica e da memória, com um uso vocabular de sentido metafórico, por vezes, e eloquente sobretudo, fora do comum, e Dalila Moura Baião, sempre interventiva, fazendo-o de uma forma superior e escrevendo sobre a natureza, prioritariamente sobre o mar e tudo o que ele encerra, de uma forma única, fazendo-o muito bem, também. 

9 - Sugira dois livros!

“Amar-te em silêncio”, de Vera Sousa Silva, Edium Editores, 2009, porque gosto muito e, também, porque após o seu lançamento se abriu o caminho para o surgimento do meu primeiro livro, aliás esse livro teve o condão de permanecer largos meses na minha mesa-de-cabeceira (e na de minha mulher), sendo, depois de lido e relido, diversas vezes consultado. Ainda hoje pego nele e o folheio com imenso gosto. Tudo o que se iniciou nessa época que se tornou inesquecível, para mim. Para além de tudo isso, aprecio muito o que a Vera, habitualmente, escreve. O outro “Horto de Incêndio”, de Al Berto, Assírio & Alvim. Mas há tantos e tantos mais, que gostaria de registar, mas se calhar não haveria espaço suficiente para o fazer.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia? 

Não há perguntas específicas para responder. Às vezes a questão por ser inesperada, surpreende. Sinceramente, não faço a mínima ideia. Nunca tive muito jeito para questionar, mas claro que outras perguntas poderiam ter sido feitas, neste contexto. Agora como responderia a essa suposta questão?!... Não sei. Até poderia ser que ficasse sem resposta. Fica a incógnita.

Para aqueles que querem conhecer a obra do poeta ANTÓNIO MR MARTINS podem conferir no seu blogue POESIA AVULSA 
 
 

 

 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Eventos para esta semana

SUGESTÕES:

Dia 30 (4ªfeira) - 22.30h - Poesia no Olimpo
Olimpo (bar café)
Rua da Alegria, 26 Porto

 

Dia 31 (5ªfeira) - 18.30 - Apresentação do livro "POESIA" de JOSÉ FANHA sob chancela LÁPIS DE MEMÓRIA
Restaurante piso 7 - El corte inglês - Lisboa

 

Dia 2 (sábado) - 16h - Festa de 2º aniversário da editora LUA DE MARFIM
com a apresentação das antologias:
A VIDA NUM SONHO e SE SONHAS CONSEGUES FAZER
Auditório do Campo Grande, 56 Lisboa

 

Dia 2 (sábado) - 16h - Apresentação do livro de poesia ACORDAR VIVO de RICARDO BRAGANÇA SILVEIRA sob chancela TEMAS ORIGINAIS
Junta de freguesia de Forte da Casa

 

Dia 2 (sábado) - 16h - Apresentação do livro de poesia A FORÇA DAS IDEIAS de JORGE SILVESTRE sob chancela EDIÇÕES VIEIRA DA SILVA
Hotel Real Palácio - Rua Tomás Ribeiro, 115 Lisboa

 

Dia 3 (domingo) - 16h - Apresentação do livro GUINEIDADE & AFRICANIDADE - estudos, crónicas, ensaios e outros texto  de Prof. LEOPOLDO AMADO sob chancela EDIÇÕES VIEIRA DA SILVA
Hotel Real Palácio - Rua Tomás Ribeiro, 115 Lisboa

É só escolher....

Os oportunistas da escrita



Sendo evidente que, enquanto autor, gostaria de ter casa cheia sempre que faço um lançamento ou apresentação de um livro meu, aceito com normalidade que tal não aconteça e nem me choca a ausência seja de quem fôr. Não me posso queixar das afluências aos lançamentos dos meus livros, mais não seja porque nunca crio grandes expectativas em relação ao número de pessoas que podem aparecer mas perante aquilo que tenho visto em muitos eventos posso dizer que sou um autor privilegiado pois sempre tive casas razoavelmente bem compostas de público.

No entanto, não é menos verdade que, como amante da escrita e apreciador de eventos culturais, é difícil para mim entender a forma como alguns autores, que se dizem plurais e culturalmente empreendedores, pura e simplesmente agem de modo contrário ao que anunciam aos sete ventos.

Sou um frequentador assumido de eventos literários e enquanto tal sinto-me autorizado a tecer uma critica directa a todos aqueles que, amiúde, se queixam da escassez de eventos (não são tão escassos como isso) mas nunca aparecem em nenhum (as redes sociais estão pejadas deles).

Não é raro acontecerem eventos em que o número de assistentes na plateia é inferior ao número de pessoas na mesa de apresentação, normalmente composta por três elementos. Já assisti a uma mão cheia deles e digo-vos que para os autores não é agradável viver uma situação semelhante.

Ao longo desta minha caminhada pelo mundo da escrita tenho vindo a verificar que não são poucos aqueles que se deixam ver, apenas e só, em efemérides de editoras, lançamentos de antologias em que participam e dos seus próprios livros. Curiosamente, ou talvez não, esses eventos ocorrem em datas muito próximas.

Alguns podem dizer que não é possível aparecer em todos os eventos e eu concordo e aceito esse argumento porquanto todos temos responsabilidades na vida, sejam familiares, de amizade e até de negócios. Todos temos direito a gozar férias longe das cidades, todos temos direito a dar umas escapadinhas ao fim de semana e descansar do reboliço do dia-a-dia. Mas, pelo menos para mim, é difícil compreender como é que alguém pode moralmente exigir que as pessoas apareçam no lançamento do seu livro quando nos restantes cinquenta e um fins-de-semana ninguém lhe põe a vista em cima.

No momento em que escrevo estas linhas, eu poderia fazer uma lista com cerca de duas dezenas de pessoas que agem desta forma, mas fazê-lo seria dar importância a quem definitivamente não a merece em detrimento daqueles que mesmo não estando em todos os eventos sempre vão aparecendo para dar apoio a outros autores. E estes últimos superam em número os anteriores.

A literatura precisa não só de quem escreve mas também e fundamentalmente de quem a leia sob risco de nos transformarmos num país de escritores que não lêem.

Para que possam estar a par dos eventos que vão acontecendo, durante esta semana deixarei aqui uma lista de iniciativas culturais. Assim já não podem argumentar que não existe nada.

 
MANU DIXIT

domingo, 27 de janeiro de 2013

Modalidades de escrita

 


Ontem assisti a parte de um programa num dos canais da SIC cujos convidados eram, nem mais nem menos, dois dos maiores jornalistas/pivots de televisão da actualidade: José Rodrigues dos Santos e Rodrigo Guedes de Carvalho.

Num determinado momento, um dos moderadores do programa destacou o facto dos dois jornalistas também serem autores/escritores e questionou-os sobre essa actividade.

Quem já leu os livros deles sabe que têm estilos bem distintos: Rodrigo Guedes de Carvalho é um apreciador de linguagem trabalhada e José Rodrigues dos Santos é um contador de histórias.

Perante uma pergunta feita sobre esta matéria, tanto um como outro assumiram essa distância estilística entre ambos mas também fizeram questão de deixar bem claro que em literatura existe espaço para as diversas tendências.

Chegados a este ponto, quero parabenizar os dois jornalistas/escritores pelo afastamento que revelaram em relação a todos aqueles que, tentando fazer-se passar por académicos, vulgo entendidos, procuram inferiorizar ou retirar importância a um estilo de escrita em deterimento de outro. Tal como foi referido no programa, todos os estilos são válidos enquanto literatura e ambos são formas de arte escrita. E aqueles que lêem José Rodrigues dos Santos não são menos cultos ou eruditos que os leitores de Rodrigo Guedes de Carvalho.

Bem vistas as coisas, e relembrando o velho adágio; não se consegue agradar a gregos e a troianos.
MANU DIXIT

Opinião sobre o livro de FLÁVIO MORGADO


SOBRE: UM CADERNO DE CAPA VERDE

Tenho uma forma muito própria de ler poesia que consiste em fazer uma primeira leitura rápida, quase de fôlego, e deixar que o cérebro apreenda alguns pormenores que, numa segunda leitura, me ajudarão a decifrar as mensagens dos poetas.

Após a primeira leitura de UM CADERNO DE CAPA VERDE, surgiu-me à memória uma frase que me foi dita, há muito tempo atrás, por um professor de antropologia: "para se entender uma cultura que nos é estranha, temos de nos abstrair de tudo aquilo que aprendemos durante a nossa aculturação."

Assim, vazio de ideias, conceitos e, até mesmo, preconceitos, dediquei a minha atenção à poesia deste livro e, verdade seja dita, o conselho do professor faz todo o sentido e resulta.

Seguindo este método, encontro logo no primeiro poema uma alusão a algo que, não sendo tão cristalino na primeira leitura, nada mais é que a constatação de uma verdade universal; cada leitor tem o seu próprio modo de ler e interpretar as palavras que o poeta escreve, não sendo certo que algum dos leitores o faça em sintonia com as verdadeiras intenções do poeta. Como autor, sei e subscrevo por inteiro este conceito.

Sem pretender fazer uma análise, poema por poema, o que se revelaria monótono e fora de propósito, mais não seja porque não sou, nem pretendo ser, crítico literário, gostaria de destacar também o segundo poema pela importância que terá no desenvolvimento de todo o corpo poético deste livro. Neste texto, o autor expõe-se perante o leitor como sendo um poeta-filósofo (aquele que sempre tem uma pergunta para cada resposta que encontra ou descobre), e simultâneamente um poeta-objecto (aquele que é instrumento da escrita e/ou escravo da palavra).

A pergunta que faço após a leitura dos dois primeiros poemas é a seguinte: É possível a convivência entre os dois seres poetas (poeta-filósofo, poeta-objecto) sem que a mensagem sofra mais influência de um em prejuízo do outro? No segundo poema esta simbiose parece funcionar e cada um dos seres poéticos pode ser identificado por uma palavra-chave.

Poeta-filósofo = branca/o

Poeta-objecto = palavra 

Assim temos o poeta-filósofo que anuncia o seu propósito «a minha vontade/ é branca antes da palavra escrita» e logo descobre a presença do poeta-objecto «(experiência de espanto)»

Embora o poeta-filósofo possa ser mais facilmente identificável existe uma pista importante para se reconhecer onde e quando o poeta-objecto aparece nos textos: os versos deslocados. Como que impelido pela força e desejos supremos das palavras, o poeta é "obrigado" a colocar as palavras onde elas querem ser colocadas. Afinal, em frente ao poeta está uma folha branca e as palavras escolhem o espaço que querem ocupar.

Avançando na leitura do livro, deparamos com as questões do poeta-filósofo derivadas da relação entre palavra e silêncio (não palavra) o que nos abre novas pistas para o que nos espera mais adiante, uma vez que a palavra é unidade imutável e imprescíndivel do livro e o silêncio (não palavra) nos é transmitido fazendo alusão a outra formas de arte para além da escrita; música, pintura, escultura e desporto.

Outro dos aspectos interessantes das reflexões do poeta-filósofo reside na utilização dos opostos. Tal como opõe palavra/silêncio(não palavra) também o faz com: vida/morte, sonho/entresonho, realidade/irrealidade, homem/natureza, entre outros.

No fundo, e numa análise geral e abrangente a todo o corpo poético deste livro, concluo que a existência simultânea entre o poeta-filósofo e o poeta-objecto não só é possível como é utilizada com mestria sendo que a junção dos dois revela-nos um terceiro ser poético: o poeta-artista (aquele que fazendo uso do conhecimento dos dois outros transforma a escrita numa arte maior).

Resumidamente, UM CADERNO DE CAPA VERDE é um livro em que o autor faz uso dos seus alter-egos (poeta-filósofo, poeta-objecto e poeta-artista) para através da escrita fazer arte tendo como denominador comum a palavra e todas as possibilidades que esta proporciona.

EMANUEL LOMELINO

CAMARATE, 17 Janeiro 2013